O que faz de um piloto para ser chamado de Top? Normalmente tudo começa por uma trajetória vencedora e o mineiro Sérgio Sette Câmara – no melhor estilo mineiro, sem fazer alarde – foi se destacando no kartismo no Brasil, foi para a Europa, percorreu o caminho dos campeões pelas categorias de base e esteve às portas de conseguir um lugar na Fórmula 1. Assinou com a Fórmula E e em 2024, para a temporada 2025, está como piloto de testes e reserva da forte equipe Nissan. Em sua passagem pelo Brasil, Sérgio Sette Câmara deu uma entrevista exclusiva para o site Nobres do Grid. NdG: você depois de Cristiano da Matta foi o piloto mineiro que conseguiu maior projeção no automobilismo Internacional. Você acha que sua trajetória incentivou mais meninos e meninas a buscarem o automobilismo em Minas? É muito legal quando vou ao kartódromo e a meninada me cerca, pede para fazer fotos e pedem autógrafos.
Sérgio Sette Câmara: Sim e eu sentia isso sempre que ia pra casa. Quando eu estava na Fórmula 2, ali, na porta pra tentar a Fórmula 1, era algo que deixava uma marca e até hoje quando vou nos kartódromos a meninada vem, me cerca, pergunta muita cosa, pede muita dica, pede autógrafo, pede pra tirar foto e uns mais atrevidos pedem uma luva, uma sapatilha, só não levam o capacete e o macacão (risos). A gente tem também um instituto – Instituto Sérgio Sette Câmara – que tem um projeto chamado “Automobilismo Educacional”. Somos bem ativos nas redes sociais, temos nosso instagram e é só seguir a gente para ver o que fazemos. Colocamos 40 crianças, meninos e meninas, para andar de kart duas vezes por semana. Esse instituto, com meu pai trabalhando, foi um meio que estudou e conseguiu levar a Stock Car para correr em Belo Horizonte. São dois grandes projetoe e que vem dando bons resultados. NdG: Você falou do projeto da ida da Stock Car para Belo Horizonte, que foi um sucesso, mas além disso Minas Gerais tem dois bons autódromos: o Circuito dos Cristais em Curvelo e o Potenza em Lima Duarte. O fato de ter autódromos que podem receber categorias regionais e nacionais, junto com o trabalho do instituto, tem conseguido incentivar o automobilismo local? Sérgio Sette Câmara: Eu conheço o autódromo de Curvelo, é um autódromo muito bom. O Potenza eu ainda não tive oportunidade de ir. O trabalho todo começa no kart e formando pilotos no kart a gente tenta mostrar caminhos para quem quiser, quem puder, buscar uma carreira no automobilismo. Se temos autódromos bons no estado podemos ter um automobilismo mais estruturado. Com isso temos como aumentar a relevância do automobilismo em Minas Gerais e no Brasil, porque queira ou não, isso acaba tendo visibilidade nacional. NdG: Você foi muito cedo para a Europa. Como foi se adaptar a um estilo de vida por vezes bem diferente do que você estava acostumado? Eu fui para a Europa muito cedo e tive que conciliar treinos e estudo em um país que eu não falava a língua. Não tinha festinhas.
Sérgio Sette Câmara: No começo foi difícil. Eu tinha 15 anos de idade, tive que conciliar treinos e estudos e em um idioma que eu nem sabia falar direito, que eram o Espanhol e o Catalão, e naquele foco total no que eu tinha ido fazer lá. Então não tinha essa de ir a festinhas, andar de turma de escola... tudo isso acaba ficando de lado. O que me motivava era que eu estava lá correndo atrás do meu sonho, era uma vida diferente da de um adolescente como a grande maioria, mas foi uma coisa que rendeu frutos. Consegui me profissionalizar e vivo disso até hoje. NdG: Você fez o caminho que nós chamamos de “o caminho dos campeões”. Foi escalando categoria por categoria, chegou bem perto de se tornar piloto titular na F1 e depois migrou para a Fórmula E, que apesar de ser um monoposto é completamente diferente. Como foi esse processo de passagem? Sérgio Sette Câmara: Na verdade, sendo bem sincero, foi relativamente fácil. Eu me adaptei quase que instantaneamente ao carro Fórmula E. Meu primeiro teste foi em Marrakesh e depois de duas voltas com o carro eu já estava me sentindo em casa. Era o carro GEN2, que já era uma evolução e a minha adaptação foi muito rápida. O desafio maior foi quando o carro mudou da GEN2 para a GEN3, onde teve junto com isso minha mudança de equipe, isso foi na temporada 9, e foi um ano muito difícil, eu demorei para “pegar a mão” do carro, mas quando consegui as coisas começaram a melhorar e a temporada passada foi possível fazer boas corridas e ter bons resultados. NdG: Na época que as coisas foram ficando mais complicadas para conseguir entrar na F1, o automobilismo dos EUA não te atraiu? Você chegou a sondar possibilidades? Minha adaptação aos carros da Fórmula E foi muito rápida com o carro da geração 2. em uma sessão de treino eu já estava à vontade.
Sérgio Sette Câmara: Sim, atraiu, mas eu sou um piloto com o perfil de Fórmula e categoria de Fórmula nos EUA é a Fórmula Indy e do mesmo jeito que é na Fórmula 1, o piloto para chegar lá e conseguir um lugar tem que levar recursos e isso a gente não tinha. Teria um outro caminho, que seria ir para a Indy NXT, ganhar o campeonato e conseguir chegar na categoria como o Caio Collet está fazendo, que o caminho do “Road to Indy”. Eu já tinha feito a Fórmula 2 e não queria ir para a Indy NXT para tentar me destacar e aí conseguir ser contratado por alguma equipe. NdG: Nesses seus anos competindo na Fórmula E, qual o circuito, no caso traçado, que você mais gostava? Qual gostava menos? Qual era mais complicada? Qual exigia mais de você física e mentalmente? Sérgio Sette Câmara: A pista mais difícil que eu achei nesses anos foi o traçado feito em Tokio... mas eu me dei bem por lá. O traçado montado em Nova York também foi um traçado muito difícil. Eu sempre gostei de traçados mais técnicos, especialmente pelo fato de que as equipes que eu andava antes eram equipes que tinham o menor orçamento do grid, que a gente não tinha o melhor trem de força, então quando esse tipo de pista se apresentava a gente conseguia ter um final de semana melhor, tinha mais possibilidades de pontuar. NdG: A gente tem já há algum tempo em muitas categorias esses “programas de jovens pilotos”. No teu entendimento, até onde isso é bom ou ruim para que os pilotos tenham reais chances de competir e crescer na carreira? Eu sempre gostei de traçados técnicos, que exigisse mais do piloto e de sua habilidade do que do carro. Assim o talento aparece.
Sérgio Sette Câmara: Estes programas são bons quando se baseiam em meritocracia. O programa que eu vi funcionar melhor neste sentido, na minha opinião, é o da Red Bull e mais recentemente o da McLaren parece trabalhar assim. Os outros tem muita política envolvida e quando é assim, isso mais atrapalha do que ajuda o piloto. Hoje as equipes na Fórmula 1 estão praticamente funcionando neste formato de montagem de seus programas e um piloto é praticamente forçado a estar em um deles para conseguir chegar a pilotar na categoria e ainda assim, sem garantias de que vai conseguir se tornar titular em algum momento. NdG: Você fez parte por um breve período do programa da Red Bull. Como foi essa experiência para você? Sérgio Sette Câmara: Foi muito boa. Eu aprendi muito enquanto estive com eles. Infelizmente eu fui para uma equipe muito fraca e no final do ano, sem bons resultados, acabei sendo dispensado. Pode parecer cruel, mas é assim que as coisas funcionam. Se você não performou em um ano e recebe uma chance de fazer outra temporada, acaba tirando a chance de outro piloto que mereça mais. Eu gosto da filosofia deles e não é a toa que eles tem o programa que revelou mais talentos. NdG: Uma imagem que muita gente tem, estando de fora, sem conhecer a estrutura internamente, é bastante crítica em relação à Helmut Marko. Como foi conviver com ele? Trabalhar sob sua metodologia? Sérgio Sette Câmara: Não dá para negar que ele as vezes passa do ponto na hora das cobranças, em ser exigente e nisso ele até chega a ser deselegante, na minha opinião, mas eu não posso questionar os méritos dele. É um método que dá resultado, ele é um profissional de muito sucesso na coordenação deste programa para a Red Bull e no final das contas, o automobilismo mede seu sucesso com resultados e ele conseguiu resultados. O programa formou grandes pilotos como Vettel, Ricciardo, Vergne e mais recentemente Verstappen, só para citar alguns. A maioria dos comentários que vemos e ouvimos em torno do nome dele são negativos e eu acho isso injusto. Talvez ele pudesse fazer as coisas de uma forma diferente, ser mais amigável, mas ele não é assim e o foco é o resultado. Ele acha que assim como ele faz é o jeito certo e ele vai continuar fazendo. NdG: Esse ano você está como piloto de testes para a equipe Nissan. O que tem programado para você fazer ao longo deste ano? Ter feito parte de um programa de jovens pilotos como o da Red Bull foi muito bom. Pude aprender bastante no ano com eles.
Sérgio Sette Câmara: Eu assinei contrato uma semana antes do início da temporada com o E-Prix de São Paulo. Ainda não fui nem na fábrica. Sei que vou trabalhar muito no simulador e que irei para a maioria das etapas, mas talvez não todas. As vezes enquanto a equipe está na pista a gente trabalha paralelamente no simulador. Eu também farei os programas de teste com o carro real, que este ano teve essa mudança para o sistema de tração integral e o aprimoramento do trem de força. Bom, e o que mais tiver para fazer eu vou estar à disposição. NdG: Além do contrato assinado como piloto de testes na Fórmula E você está buscando alguma categoria para correr em 2025? Fora dos monopostos, o que mais te atrai? Sérgio Sette Câmara: Com certeza. Estou buscando possibilidades, conversando com pessoas de outras categorias para conseguir correr algum campeonato em 2025 e sem que haja conflito com o calendário da Fórmula E, onde estou como reserva. As categorias de endurance tem crescido muito em importância, visibilidade, tecnologia, nível de competitividade e tem possibilidades tanto em carros de Grand Turismo como em Protótipos. |