Caros Amigos, Acredito que já comentei mais de uma vez o meu hábito pela leitura, uma herança e inspiração que recebi do meu pai e meu avô. O título da nossa coluna desta semana é o mesmo de um dos livros mais impressionantes que li. Antes de ler “A insustentável leveza do ser” eu nunca havia ouvido falar de Milan Kundera, o escritor tcheco, autor desta obra prima. Li e reli este livro pelo menos duas vezes, anos após a primeira leitura. Lançado em 1982, este romance foi logo traduzido para mais de trinta línguas e editado em inúmeros países. Hoje, tantos anos depois de sua publicação, ele ocupa um lugar próprio na história das literaturas universais. A relação conturbada entre os quatro principais personagens sob o fundo do local e época (Praga, 1968, no histórico evento da “Primavera de Praga”) mostra faces da vida e de como o ser humano pode ser (e é) fragilizado ante às circunstâncias. Desde o final da temporada da Fórmula 1 em Abu Dhabi, com os personagens (neste caso, mais de quatro como no caso do livro), os questionamentos técnicos e jurídicos sobre as decisões – e consequências – do diretor de provas, Michael Masi, não apenas mancharam a melhor temporada da categoria nos últimos anos (talvez décadas). Nesta semana, poucos dias antes da reunião do Conselho Mundial da FIA, agendada para 14 de fevereiro, surgiram imagens e áudios (vazados) que expõem de forma – no mínimo – alarmante a situação que a entidade está sendo obrigada a enfrentar. Estas imagens são de uma conversa entre Masi e o diretor esportivo Wheatley parecem fornecer mais evidências da reação do diretor de corrida às exigências da Red Bull. Michael Masi foi acusado de ceder à pressão aplicada pelo chefe da Red Bull, Christian Horner, e pelo diretor esportivo Jonathan Wheatley, resultando em sua decisão de não seguir o regulamento desportivo da categoria, homologado pela FIA, e permitir que alguns carros (não todos) com voltas de atraso, passassem o safety car na última volta e retirando-o da pista antes que os carros alinhassem no final do pelotão, para haver uma última volta de corrida com bandeira verde e permitindo que Max Verstappen, com pneus macios, novos, ultrapassasse Lewis Hamilton, com pneus duros de mais de 40 voltas, para conquistar o título. Nas mensagens de rádio, Masi é ouvido recebendo conselhos de Wheatley sobre como lidar com os carros com voltas em atraso. Jonathan Wheatley primeiro diz: ‘Aqueles carros com voltas de atraso; você não precisa deixá-los ir direto ao redor e alcançar a parte de trás do pelotão. Você só precisa deixá-los ir, e então temos a corrida em nossas mãos.’ A resposta do diretor de provas é devastadora, clara e sem margem à “interpretações fora do contexto”: ‘Entendido’, respondeu Masi antes de tomar sua decisão. Quando Totó Wolff exigiu um motivo para aquela decisão, Masi respondeu: ‘Toto, isso se chama corrida de automóveis, ok?’. Corridas de automóveis chanceladas pela FIA seguem rígidos regulamentos técnicos e desportivos, não dando o direito pessoal de uma autoridade – por maior que seja – descumprir o que está escrito. Interpretações são cabíveis, mas até onde são justificáveis? Em 1989, no primeiro dos episódios Prost-Senna, quando o brasileiro retornou para a pista, cortando a chicane, este corte foi usado contra ele como descumprimento do regulamento que exigia o retorno à pista pelo local “aproximado” onde o carro saiu, com exceção feita ao caso do retorno naquele ponto colocar em risco os outros pilotos. Ayrton Senna, com apoio da equipe, considerou que voltar à pista numa curva onde se tinha há poucos metros o ponto maior velocidade do traçado e num ponto cego era perigoso. Sob pressão do então presidente da FIA, Jean-Marie Balestre, desclassificaram o brasileiro e o francês foi campeão. No caso de Abu Dhabi houveram dois descumprimentos do regulamento: Primeiro, todos os carros com voltas de atraso (e não apenas os carros entre Lewis Hamilton e Max Verstappen) deveriam passar o safety car e tirar a volta de atraso. Segundo, os carros beneficiados deveriam realinhar atrás do pelotão antes der retirado o safety car e a corrida poder ser reiniciada. E nada disso aconteceu. Felizmente os tempos são outros e o vídeo vazado ganhou conhecimento público através das mídias sociais. Entretanto, o mais surpreendente é que este vídeo foi apresentado, inicialmente, pela Fórmula 1 quatro dias após o Grande Prêmio de Abu Dhabi... e depois retirado. Porque foi retirado? Porque levou tanto tempo até esse vídeo voltar a ser mostrado, na semana que antecede a reunião onde uma decisão em relação a este assunto deve ser tomada. Assim como a “leveza do ser”, a situação de Michael Masi é “insustentável” (por favor, que fique claro o uso do título do livro apenas como uma questão semântica) e qualquer decisão que não seja o seu afastamento das atividades junto às competições chanceladas pela FIA será aumentar ainda mais o descrédito da entidade em relação à tudo que aconteceu desde Abu Dhabi. Um abraço e até a próxima, Fernando Paiva |