A caminho da discórdia Print
Written by Administrator   
Wednesday, 08 June 2022 21:53

Caros Amigos, A coluna da última semana gerou uma quantidade de mensagens acima do que costumo receber dos meus estimados leitores, certamente devido a polêmica abordagem histórica que usei no preâmbulo.

 

Após as polêmicas geradas no final de semana do GP de Mônaco, que foi de adiamento de largada, retirada de piercings postergada, reuniões entre alguns dos protagonistas – fora das pistas – da categoria e os protestos pelos “erros de interpretação” do regulamento sobre os limites de saída dos boxes, que provocou os protestos contra os carros da Red Bull por tocarem a linha ao saírem dos boxes, não consigo deixar de pensar no que é, ou deveria ser, o papel da Federação Internacional de Automobilismo.

 

A entidade máxima reguladora do automobilismo mundial não tem seu trabalho concentrado apenas nas competições. A mobilidade e a educação no trânsito foi uma das maiores bandeiras e seguimento de esforço do antecessor de Mohammed Bin Sulayem, Jean Todt, que ficou no cargo por três mandatos. A eleição do novo presidente foi um marco na história da FIA, sendo o Saudita o primeiro não europeu a presidir a entidade.

 

Estaríamos vivendo o prenúncio de uma volta no tempo de 40 anos? Para os meus estimados leitores mais jovens, façamos uma recapitulação: nos anos 80, a recém criada FOCA (Associação dos Construtores da Fórmula 1) entrou em conflito com a FISA (braço esportivo da FIA, sigla que foi abandonada anos depois). A situação chegou ao extremo, onde as equipes independentes que formavam a associação chegaram a tentar romper de forma definitiva com a FISA e F1.

 

Este grupo, liderado por Bernie Ecclestone, fundou em novembro de 1980 a Federação Mundial do Automobilismo, com a pretensão de criar um campeonato paralelo, o que não foi para frente por falta de interesse das montadoras, imprensa e público. Com patrocinadores e até mesmo fornecedores como a Goodyear começando ameaçar a deixar o campeonato e tudo indicando para um colapso da F1.

 

Com a crise estabelecida, Bernie Ecclestone – politicamente – organizou (às pressas ante a mídia, mas com todos os passos devidamente pensados) em janeiro de 1981 um encontro entre as equipes da FOCA, montadoras, o então presidente da FIA, Jean-Marie Balestre (e outros dirigentes importantes da FIA e FISA) para buscar um alinhamento. Após 13 horas ininterruptas de argumentações de parte a parte, chegaram a um acordo que atendia os interesses de todas as partes e este acordo foi chamado de !o Pacto de Concórdia”, que ganhou esse nome por ter sido concebido e assinado na sede da FIA, que fica na Praça da Concórdia, em Paris.

 

O atual presidente da FIA tem usado os meios de comunicação para externar opiniões – evidentemente pessoais – sobre assuntos diretamente (ou indiretamente) ligados à Fórmula 1 recentemente, incluindo as ações de Lewis Hamilton, Sebastian Vettel e Lando Norris fora do cockpit. Em entrevista afirmou que “Niki Lauda e Alain Prost só se importavam em pilotar. Agora, Vettel dirige uma bicicleta arco-íris, Lewis é apaixonado por direitos humanos e Norris aborda a saúde mental” e foi além, ao afirmar que cabia a ele decidir se devemos impor nossas crenças em algo sobre o esporte o tempo todo.

 

Em 2020 e 2021 Lewis Hamilton tornou-se um líder em defesa do respeito e da igualdade racial, levando com ele a equipe Mercedes e a própria Fórmula 1 com a campanha “We Race as One”, encerrada para 2022, quando o novo presidente assumiu seu mandato, que usou de números – que ele não tem o poder de alterar – sobre os delegados indicados pelos associados para serem seus representantes na FIA. Este ano, 1/3 é composto de mulheres e, pela diversidade de países associados, há entre os representantes 7 linhas religiosas.

 

Na temporada passada vimos rivais na pista, Hamilton e Vettel, tomarem posição nas corridas no Qatar e na Arábia Saudita. O britânico usava um capacete de arco-íris nas corridas com as palavras 'estamos juntos' impressas. Hamilton também é conhecido por se manifestar constantemente no Instagram, usando sua plataforma para levantar problemas para cerca de 30 milhões de pessoas que seguem o sete vezes campeão mundial.

 

Vettel também decidiu sediar o único evento de kart feminino em Jeddah para se posicionar contra os rígidos direitos das mulheres no país. Ele também vestiu uma camisa para apoiar a comunidade LGBTQIA+ no Grande Prêmio da Hungria de2021, dadas as opiniões que o país tem sobre eles. Norris também falou sobre as pessoas recebendo a ajuda de que precisam com sua saúde mental, além de fazer sua parte para arrecadar fundos com o companheiro de equipe Daniel Ricciardo na McLaren, que também arrecadou fundos para instituições de caridade de saúde mental no passado.

 

Conflitos com proprietários e chefes de equipe. Conflitos com o Grupo Liberty Media. Conflitos com o engajamento social dos pilotos. Será que o novo presidente da Federação Internacional de Automobilismo compreende seu verdadeiro papel?

 

Um abraço e até a próxima,

 

Fernando Paiva