Reflexões sobre a (in)coerência política na F1 Print
Written by Administrator   
Wednesday, 18 November 2020 20:03

Caros Amigos, depois de decidido (matematicamente) o título da temporada de 2020 da F1 em favor de Lewis Hamilton no último final de semana e depois de celebrar a volta à normalidade com a inclusão do Brasil no calendário da categoria pelos próximos 5 anos, convido meus estimados leitores a fazermos juntos algumas reflexões políticas.

 

A primeira é um complemento em relação a coluna da semana passada onde eu omiti um fato importantíssimo (faço aqui um ‘mea culpa’): a corrida no Brasil passará a se chamar GP de São Paulo de Fórmula 1 e não mais GP Brasil de F1. Ao contrário do que alguns veículos de mídia andaram dizendo ao longo dos dias que se seguiram, onde tal mudança de nome seria algo ligado a ações mercadológicas semelhantes ao que acontece em Abu Dhabi, no nosso caso, a mudança está ,ais associada ao que acontece no México, onde o GP também mudou de nome para GP Cidade do México, quando os promotores deixaram de receber ajuda do governo federal e passaram a ter o suporte de investidores privados da capital e do seu prefeito. No caso brasileiro, como o estado – associado com a prefeitura – estão assumindo o papel de promotores do evento – somado ao fato da disputa do protagonismo político entre o governador e o presidente do país – tirar o nome do país do evento é quase um manifesto.

 

Mas a F1 tem um histórico de controvérsias políticas sobre suas corridas que vão muito mais além do que disputas políticas locais ou da recente “arabização” com corridas no oriente médio em troca de vultosos valores pagos pelas dinastias que governam estes locais, movimento prensado e executado por Bernie Ecclestone e que o Grupo Liberty Media está dando seguimento. Em 2021 foi anunciado que teremos um GP na Arábia Saudita, país onde o dinheiro não é problema e hoje, especialmente das dificuldades enfrentadas em 2020 devido à pandemia, os investidores e novos proprietários da F1 retorno financeiro é algo muito bem vindo. Com um perda de mais de 100 milhões de dólares no último trimestre, mesmo com as corridas do calendário “alternativo”. Os contratos das corridas no oriente médio são um alívio nesta conta negativa e o contrato de patrocínio corporativo da ca categoria com a estatal Aramco, empresa de petróleo da Arábia Saudita é uma enorme garantia.

 

A equação é relativamente simples: o Grupo Liberty Media está na Arábia Saudita por dinheiro, com acionistas a satisfazer e equipes a pagar, portanto, negócios nesses países que pagam todas as probabilidades de organizar eventos e não está sozinha neste processo de busca de investidores e retorno. A Fórmula E corre na Arábia Saudita desde 2018. O último “Dakar” também foi realizado lá. A MotoGP corre no Qatar, onde vai acontecer a próxima Copa do Mundo de futebol. Isso sem falar que a própria F1 corre no Bahrein e Abu Dhabi, todos países onde os regimes passam longe do que conhecemos como democracia.

 

A FIA, quando sob a presidência de Max Mosley, que foi conduzido ao cargo sob a forte influência de Bernie Ecclestone, produziu um documento que entregava a regulação e a responsabilidade do calendário ao promotor (que na época era Bernie Ecclestone) por 100 anos. Este contrato agora é posse e responsabilidade do Grupo Liberty Media.

 

Mesmo que uma ação legal caso o FIA World Motor Sport Council recusasse um calendário compatível, particularmente porque a Cláusula 1.2 dos estatutos da FIA proíbe expressamente o órgão de discriminar por motivos "políticos" e outros:

1.2 A FIA deve abster-se de manifestar discriminação em razão de raça, cor da pele, gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, idioma, religião, opinião filosófica ou política, situação familiar ou deficiência no curso de suas atividades e de tomar qualquer ação a este respeito.”

 

A cláusula 2 (“Objetivos”) dos referidos estatutos estabelece que a FIA é encarregada de desenvolver o automobilismo global aos mais altos níveis. Portanto, estaria descumprindo o seu dever se tentasse bloquear eventos que atendam aos seus padrões.

 

O novo destino da F1 está há tempos envolvido em polêmicas e denúncias contra as liberdades civis. O caso mais grave foi o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi em 2018, o que foi uma das razões para a Arábia Saudita não ter conseguido um lugar no conselho de direitos humanos das Nações Unidas, algo que Russia e China conseguiram este ano.

 

Mas a F1 já viveu polêmicas maiores, quando corria na África do Sul, país excluído de todos os eventos esportivos internacionais por sua política de apartheid. A F1 não parou de correr na África do Sul entre 1962 e 1985. Foram 21 GPs sob o regime segregacionista. Naquela época, a oposição quase universal ao sistema de segregação e discriminação racial do apartheid estava atingindo seu ápice. A categoria voltou em 1992e 1993, já no período de transição para as liberdades de direitos à maioria negra da população, iniciado em 1990. O país foi formalmente expulso do Comitê Olímpico Internacional em 1970, embora estivesse ausente dos Jogos Olímpicos desde 1964. Eles foram suspensos pela FIFA em 1961.

 

Diante do histórico da África do Sul, talvez a Arábia Saudita não seja o pior dos destinos para a F1, mesmo assim, mesmo com novos donos, a incoerência política continua, evidentemente, inalterada ante os interesses comerciais.

 

Um abraço e até a próxima,

 

Fernando Paiva 
Last Updated ( Thursday, 19 November 2020 10:07 )