Na matemática não há lugar para especulações Print
Written by Administrator   
Wednesday, 22 May 2019 20:23

Caros Amigos, às vésperas do GP de Mônaco, o mais tradicional dos traçados do calendário da F1, fomos todos atingidos pela notícia da perda do grande tricampeão mundial da categoria, o austríaco Niki Lauda.

 

Este nem seria o tema da coluna desta semana, como também não seria o texto sobre o qual tratarei, mas em função dos fatos recentes, seria impossível não abordar os assuntos.

 

Confesso a meus estimados leitores que não possuo a habilidade para discorrer sobre os feitos de Niki Lauda como piloto ou como pessoa. Não vi a conquista de dois dos seus três títulos, nunca fui um admirador pessoal de sua carreira, mas sempre o tive em alto respeito por seus feitos, especialmente o de sobreviver àquele terrível acidente em Nurburgring em 1976. Seus feitos jamais serão esquecidos e certamente não haverá uma maculação ou um endeusamento de sua carreira. Ele será um homem e um piloto notável como outros que marcaram a categoria.

 

Eu esperava não voltar a temática das duas colunas anteriores, mas vi-me forçado – literalmente – após a nossa última reunião de gestão, na terça-feira passada, onde os demais membros do conselho gestor me pediram mais uma abordagem sobre o assunto. Cedi! Contudo, pedi que fosse a última uma vez que, em meu entender, este assunto não levará a lugar algum por total falta de credibilidade da parte deste colunista.

 

Foi exatamente nesta última segunda-feira, véspera de nossa reunião, que a Prefeitura do Rio de Janeiro divulgou o resultado da licitação para a construção de um novo autódromo da cidade, e o consórcio Rio Motorsports foi o vencedor da concorrência para as obras no terreno cedido pelo Exército Brasileiro no bairro de Deodoro, Zona Norte da capital do estado. Vencedor, no caso, leiamos o único consórcio, grupo ou interessado em construir o empreendimento, em uma obra que, segundo o edital de licitação, está estipulado que os investimentos sejam oriundos da iniciativa privada.

 

Busquei ao longo da quarta-feira subsídios para composição do meu texto e não pude deixar de ter a atenção chamada para o fato de em nenhum momento ver qual teriam sido os valores apresentados na proposta (estimativas apontam para um custo – irreal – de 700 milhões de reais). Vendo o “desenho” da pista e todos os aparelhos instalados no mesmo, este valor tangencia não só a credulidade dos mais apaixonados pelo automobilismo bem como a inteligência de qualquer pessoa com alguma memória do que foram as obras realizadas no Brasil, não apenas  para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, mas para qualquer obra de qualquer seguimento executada no país.

 

Segundo reportagens que tomaram os meios de mídia eletrônica na última segunda-feira, a obra ficará a encargo da construtora espanhola Acciona. Segundo o dite da empresa, que tem escritório no Brasil, a empresa oferece soluções integrais de serviços para infraestruturas aeroportuárias, portuárias, ferroviárias e de energias renováveis, com as suas atividades de Facility Services, Airport Services e EROM (Operação e Manutenção de Energias Renováveis), assegura a durabilidade das instalações, operando-as e mantendo-as com os mais altos níveis de qualidade e eficiência, e desenvolvendo soluções tecnológicas em matéria de inovação e sustentabilidade. Em outras palavras, eles nunca construíram um autódromo ou algo similar ao longo de sua existência. A página da empresa, inclusive, tem versão em português e a mesma tem escritórios em São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul... não tem no Rio de Janeiro.

 

A empresa alemã Sporttotal, que foi apontada como operadora de autódromos como o de Nürburgring, segundo o site da mesma, não há nenhuma menção sobre gestão de autódromos, seja o lendário circuito alemão como qualquer um outro em qualquer cidade do mundo. Esta empresa é uma alavancadora de negócios de marketing, cujo o contrato com o consorcio vencedor do autódromo do Rio de Janeiro está noticiado em seu site (que pode ser lido em inglês ou alemão e que pude contar com a prestativa colaboração do nosso correspondente na Alemanha, Ian Möller).

 

Diante de um consórcio que “vence” um contrato sem concorrência, onde uma empresa que nunca construiu um autódromo sendo apontada como responsável pela construção e de uma empresa de “gestão de autódromos” que não gere autódromo algum no mundo, parece que estamos diante de um cenário bastante conhecido em se tratando de grandes obras no Brasil de uma forma geral e no Rio de Janeiro de uma forma particular.

 

É fato, contudo, que não se deve julgar um livro pela capa e que no caso do grupo

Vencedor, o “Rio Motorsports”, fundado por um empresário de uma empresa de logística há pouco menos de 4 anos, que assina como JR Pereira e se apresenta como consultor internacional em sua página em uma rede social voltada para negócios, pode vir a ter sucesso como empreendedor neste seguimento. Afinal, Bernie Ecclestone era um vendedor de bicicletas e posteriormente de carros usados. Contudo, a matemática é cruelmente precisa e sem margens para interpretações.

Gerir um autódromo não é algo simples e “bancar” uma etapa do mundial de F1 muito menos. Na coluna da semana passada, levantei a questão sobre o real ganho que um evento como a F1 pode proporcionar a uma localidade (País, estado ou cidade) com a movimentação financeira, a exposição como destino de turismo e negócios e também no incremento da arrecadação de impostos por consumo e serviços. Fiz até uma conta rápida: Se uma cidade que possui um autódromo investe 100 milhões de reais por ano para ter a F1 e consegue faturar 200 milhões com turismo, consumo e impostos, este é um grande negócio.

 

Contudo, a prática parece diferente da especulação. O COTA (Circuito da F1 nos EUA), dentro da jurisdição da cidade de Austin, no Texas, tiveram em 2016 uma redução de 25% no subsídio ao GP de um dos melhores circuitos da temporada. No caso do México, o corte foi total. O governo mexicano não vai mais investir na realização da corrida, que também movimenta uma multidão e é das mais interessantes do calendário, depois da etapa de 2019. A saída do circuito Hermanos Rodrigues do calendário é tida como certa e este é um desafio também para São Paulo a partir de 2020. Políticos tem vontades distintas e nada garante que o interesse de hoje seja o mesmo do próximo mandatário.

 

Há que se ter mis do que vontade ou benesses para se levar adiante um projeto de tamanha magnitude como o proposto para a cidade do Rio de Janeiro. É preciso também que se trabalhe com transparência e verdade e não apenas com desejos e interesses. Na matemática não há lugar para especulações e em um estado vivendo uma condição financeira crítica e num país com cortes de orçamento (agora chamados de contingenciamento) em todos os setores, um financiamento do BNDES para esta obra seria algo simplesmente vergonhoso caso os interessados estejam pensando nisso como alternativa.

 

Um abraço e até a próxima,

 

Fernando Paiva