A F1 sem Brasil é o Brasil sem F1? Print
Written by Administrator   
Thursday, 16 November 2017 00:08

Caros Amigos, a última semana foi cercada de “fatalismos” sobre o futuro do automobilismo no Brasil. Talvez com alguma razão, mas esta sensação de desconforto é algo que os mais atentos certamente são capazes de compreender que não dependem da permanência ou não de um piloto brasileiro na principal categoria do mundo, algo que tivemos até o último GP Brasil e – quem sabe por mais um GP – encerrando, ao que tudo indica, um ciclo virtuoso iniciado em 1970, quando Emerson Fittipaldi estreou no GP da Inglaterra, 48 anos atrás.

 

A questão é complexa. Se formos olhar para fora das nossas fronteiras, é evidente que não temos no Brasil as categorias de base que tivemos no passado, no nível necessário para receber os meninos egressos do kart e terem aprendizado compatível com desafio a ser enfrentado na Europa, no caso dos pilotos interessados em chegar na F1, a maior parte deles. Mas para isso não seria necessário o piloto sair do Brasil com 14 anos ao invés de 16 ou 17? Correr regularmente de kart na Europa como fazem Caio Collet e Gianluca Petecof? Mas quantos podem fazer isso?

 

O elevado investimento exigido devido a dinâmica mudança estrutural pela qual passou e vem passando o automobilismo nos últimos anos deixam as categorias que tivemos no passado como a F. Ford, a F. Chevrolet e antes dela a F. Super Vê. Os tempos são outros e os modelos que muitos saudosistas inflamam-se em seus discursos de pouco ou nada atenderia a que os pilotos que saem do Brasil tem enfrentado: adversários muito bem preparados, alguns seguindo formação científica, capaz de lhes disponibilizar todo tipo de recursos, mantidos por equipes de F1 e montadoras de automóveis. Alguma montadora investe em formar pilotos no Brasil? Não! Porquê? A Renault, a Citroen e a Peugeot são francesas, a Mercedes, a Audi, a Porsche, e a BMW são Alemãs, A Jaguar e a Bentley são inglesas, a Ferrari, a Alfa Romeo e a FIAT são do mesmo grupo italiano. A Honda, a Toyota e a Nissan são japonesas. Qual a montadora realmente brasileira? Não temos! Nos anos 60 e 70 nossas autoridades sabotaram nossos grandes idealistas como Anísio Campos, João Amaral Gurgel, Rino Malzoni, Rigoberto Soler e outros. Se a Coréia do Sul puderam e desenvolveram a Kia e a Hyundai, independente das montadoras estrangeiras, nós não fizemos o que deveria ser feito no Brasil.

 

Além destas montadoras, existem empresas que fazem programas de investimento para a formação de pilotos. O mais conhecido e vitorioso programa é o da Red Bull, uma multinacional austríaca de bebidas energéticas. Na Alemanha existem a Dekra. No passado a França teve o programa da ELF. E aqui no Brasil, o que temos? Há dois anos a Shell, petrolífera anglo-holandesa tem investido em um programa, do qual o kartista Gianluca Petecof faz parte.

 

É importante lembrar que mesmo em países de grande tradição como a Inglaterra, até lá as coisas podem dar errado. A Fórmula 3, que teve tantos brasileiros como campeões, praticamente faliu em 2014 e foi com um regulamento diferente, um carro que nem seria realmente um F3, num projeto comandado por Jonathan Palmer, conseguiu fazer um grid magro, de 15/16 carros (para o que é o automobilismo inglês, e a história da F3, isso é pouco).

 

Em todos estes países que mencionei acima, são economias fortes, membros do G7, grupo dos países mais ricos do planeta e aqui, bom, aqui somos o Brasil, um país de economia em crise, de nenhuma credibilidade política, onde escândalos tomam as manchetes dos jornais todos os dias e onde as empresas de capital nacional, quando não estão sendo manipuladas politicamente, não confiam em envolver-se em um projeto para “fazer um piloto de F1”. Este processo custa algumas dezenas de milhões de dólares. No México existe um Carlos Slim, que é CEO de algumas empresas de telefonia, entre elas a Embratel e que patrocina Pietro Fittipaldi, além de pilotos mexicanos. E os empresários brasileiros, patrocinam alguém? Não! E porque não? Esta é uma pergunta que precisa ser respondida, não apenas com palavras, mas também com ações.

 

Quando assumiu a presidência da CBA, o Sr. Waldner Brenardo anunciou que teríamos a Escola Brasileira de Kart, inspirada no programa da ELF – empresa que mencionei há pouco – e que investe no automobilismo desde os anos 60. A escola funciona em São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais e há planos para que venha funcionar também na Bahia, no Maranhão e Mato Grosso em breve. Contudo, os frutos desta escola levarão alguns anos para surgir... se o projeto funcionar como deve e realmente surgirem pilotos.

 

Não faltam vozes a dizer que “a culpa de estarmos onde estamos é da CBA”. Boa parte destes críticos sendo jornalistas. Para os que não se lembram, nos anos 60 havia uma guerra entre a CBA criada naquela década e o Automóvel Clube do Brasil, que teve reflexo por anos, mesmo depois de encerrada, entrando pelos anos 70. Foi neste período que tivemos a maior geração de pilotos da nossa história, invadimos a Europa e Emerson Fittipaldi conquistou o mundo e eles descobriram que aqui tinha automobilismo de alto nível.

 

Aqui no Brasil existe uma cultura de que “o governo precisa ajudar, fazer, apoiar” tudo em todos os sentidos. Num país com uma grave crise de decência ética e moral na classe política, com deficiências graves de educação, saúde, saneamento básico, previdência, segurança pública... pensar em ver o governo criando um programa de incentivo ao automobilismo soa como um clamor de uma incoerência sem tamanho, apesar do Ministério dos Esportes ter uma verba subutilizada por falta de projetos bem feitos. É preciso esquecer um pouco do governo, de esperar dinheiro público e despertar no empresariado o interesse que é preciso para desenvolver o automobilismo.

 

Cabe lembrar que nossa vizinha, a Argentina, tem um automobilismo fortíssimo, tem hoje três ou quatro autódromos com padrão de segurança e instalações para receber categorias internacionais, mas que tem no investimento das empresas locais e nisso incluam-se as montadoras europeias e japonesas que fazem do SuperTC 2000 um campeonato que em 2018 terá oito montadoras envolvidas enquanto a nossa Stock Car tem uma... e do jeito que é.

 

O que muitos se perguntam é o que vai acontecer com o automobilismo brasileiro agora que não teremos mais pilotos na Fórmula 1, que há tanto tempo não temos campeões, vencedores. Olhemos para a Europa. A França ficou mais de 10 anos sem GP de F1, três ou quatro anos sem pilotos na categoria. A Alemanha tinha um papel secundário até Michael Schumacher vir vencer corridas, 30 anos depois de Wolfgang Von Trips. A Itália não faz um campeão do mundo desde os anos 50 (não conto o Mario Andretti). Há anos não tem um piloto no grid. O automobilismo brasileiro pode ser uma força como é o argentino, com categorias fortes, competições atraentes e que, se forem bem trabalhadas no mercado, levar público para os autódromos, audiência para a televisão, gerar empregos diretos e indiretos e até produzir pilotos para tentar chegar na F1.

 

O automobilismo brasileiro não vai acabar se não tivermos mais pilotos na F1. Ele vai acabar se não se fizer investimentos para que ele seja forte como é o dos nossos vizinhos ao sul. Se formos fortes, quem sabe, até possamos voltar a ter pilotos na F1 e outras categorias internacionais regularmente.

 

Encerro a coluna parabenizando o Presidente Waldner Bernardo pelo convite feito à Felipe Massa para que ele seja o representante do Brasil no Conselho Mundial do Esporte a Motor na FIA. Espero que ele aceite.

 

Um abraço e até a próxima,

 

Fernando Paiva