De mulher para mulher... com Bia Figueiredo Print
Written by Administrator   
Tuesday, 11 June 2013 00:32

Olá fãs do automobilismo.

 

Quando a gente é criança, é normal a gente sonhar... sonhar muito, “transportar-se” para lugares e mesmo vida de outras pessoas. Tem gente que faz isso até depois de adulto. E quando, no caso de se  “transportar” para “ser” alguém, personificar o ídolo, esta pessoa for como você, ter a sua idade e fazer algo que você sonha em fazer...

 

Essa Fórmula Indy tem umas coisas que só ela mesma. Depois de todo o cerimonial que é a preparação para as 500 Milhas de Indianápolis, onde fica-se quase um mês sem corrida, em seguida eles ‘correm atrás do calendário, marcando suas etapas em três finais de semana seguidos. Imagino a correria do pessoal das equipes para montar e desmontar tudo.

 

Foi entre a ‘saltitante’ etapa de Detroit e ‘os embalos de sábado a noite’, no Texas, que vi na lista das consultas o nome dela. Confesso que meu coração disparou! Meu Deus, durante a minha infância inteira eu queria ser ela, estar no lugar dela, pilotar em alta velocidade... meu pai nunca estimulou uma presença minha nas pistas – pilotando – apesar de sempre me levar para as suas corridas.

 

Contei os minutos naquela semana até que o dia chegou!

 

Quando minha secretária avisou: “a Ana Beatriz já está aqui”, engoli o copo d’água, respirei fundo (por mais apaixonada que seja por automobilismo, não posso deixar o ‘lado fã’ sobrepor-se à profissional) e fui buscá-la na porta. Ela, um pouco desconfiada me olhou de cima a baixo e entrou.

 

O ano é 1994. Em Itu, no campeonato brasileiro esses dois pirralhos deram um show na Pista. Bia foi a 3ª colocada.

 

Naqueles poucos segundos entre a primeira troca de olhares e vê-la acomodar-se no divã, 20 anos se passaram em minha mente, desde quando vi, pela primeira vez, a foto daquela menina magrinha, de macacão, uma flor no meio dos espinhos que eram os outros meninos e ela lá, dando trabalho pra eles, andando sempre na frente em todas as categorias, desde a Cadete até a Graduados A.

 

E não era uma geração de kartistas qualquer. Ana Beatriz foi contemporânea de kart de pilotos como Sergio Jimenez, Danilo Dirani, Nelsinho Piquet, Fabio Carbone, Renato Jader David, Lucas Di Grassi... era uma geração forte e promissora que parecia ser uma verdadeira forja de futuros campeões pelas pistas do mundo inteiro.

 

Este kart cor de rosa deu muitos calafrios e pesadelos nos meninos que disputavam o paulista de kart. Bia andava na frente.

 

Faltou um ‘nada’ muitas vezes para a consagração de um título paulista – que é o verdadeiro campeonato brasileiro – de kart ou de um sul brasileiro, mas por anos aquele kart cor de rosa assombrou a mente de muito kartista que ficava indignado de ‘perder para uma menina’. Mas ela não era só uma menina. Ela era Ana Beatriz!

 

Se por vezes faltou aquele ‘nada’, para a conquista de um título de projeção – apesar da Copa Verão e da Copa Petrobras – a experiência de disputar um mundial de kart já é um troféu e tanto e a menina que encarava todos os meninos de igual para igual cresceu e tornou-se uma jovem competidora nas categorias de base de monopostos, para onde quase toda a sua geração migrou: a Fórmula Renault.

 

Não foram poucas as vitórias em Interlagos. Não foram poucos os trofeus conquistados. Bia era um dos expoentes de sua geração.

 

Ana Beatriz fez história na categoria sendo a melhor piloto estreante em seu primeiro ano de monoposto e depois vindo a ser a primeira mulher no mundo a vencer uma prova da categoria. Foi manchete na terra da montadora e não foi ‘samba de uma nota só’. Ana Beatriz venceu três vezes em 2005, tendo feito quatro poles.

 

Era hora de voar mais alto e a menina prodígio como eu ouvi-la ser chamada na nossa redação foi para a Fórmula 3 sulamericana para – mais uma vez – escrever história, sendo a primeira mulher no mundo a marcar uma pole position. A vitória não veio, mas os seis pódios alavancaram sua carreira para fora do país.

 

Ao lado de seu preparador e amigo - Nô - No mundial de kart de 2000. O reconhecimento de todo um trabalho nas pistas.

 

Treinando e preparando-se para encarar carros mais rápidos e potentes, assombrou na Indy Lights em 2008, com o terceiro lugar no final do campeonato e uma vitória. No ano seguinte, mais uma vitória e o caminho, tecnicamente falando, consolidado para chegar no topo: a Fórmula Indy.

 

O grande problema é que para começar a vida em uma categoria top é preciso mais que talento: é preciso dinheiro! Dinheiro para injetar na equipe, patrocinadores pessoais e isso nunca foi algo fácil de se conseguir. Assim, Ana Beatriz só pôde correr quatro provas em 2010... mas teve um ano para encontrar quem apostasse em seu talento para se estabelecer na categoria.

 

Na Fórmula Renault Ana Beatriz Figueiredo, fez história sendo a primeira mulher no mundo a vencer na categoria.

 

Assim, no ano seguinte, o sonho da menina magrinha que mal cabia embaixo do boné tornou-se realidade e ela iria disputar uma temporada completa... mas não seria a única ‘bela’ ao volante: a Fórmula Indy tinha Danica Patrick e Simona de Silvestro, mais experientes que ela, além de outras que, esporadicamente, participavam de provas.

 

Pesou. Pesou o fato de estar numa equipe pequena, pesou o fato de ter um ano para “mostrar serviço” e conseguir apoio para os anos seguintes, pesou a fratura na mão em um acidente logo no começo da temporada e que a deixou fora de uma corrida (devia, quem sabe, ter ficado mais uma fora) e que não tem como dizer que não atrapalhou.

 

Depois de também fazer história na Fórmula 3, Bia Figueiredo partiu para a conquista da América e foi destaque na Indy Lights.

 

Pesou também o fato de, na corrida em que foi substituída por um piloto muito experiente – Simon Pagenaud – o mesmo ter feito uma grande corrida e levado aquele carro da equipe que não tinha tantos recursos quanto as outras a um oitavo lugar. Pressão!

 

O ano não foi bom. Muitos acidentes, muitas rodadas sozinha em ovais e ver sua marca exposta num momento em que o carro ao invés de estar andando na frente está ‘andando de lado’, indo em direção ao muro é tudo o que o investidor não quer. Acabou a temporada de 2011 e Ana Beatriz precisava de serenidade na pista... e dinheiro fora dela!

 

Entre as vitórias conquistadas por Bia na categoria de acesso à F. Indy, a de Nashville rendeu este trofeu singular: Uma guitarra.

 

2012 foi um ano de duas provas apenas... São Paulo e Indianápolis. As duas complicadas, as duas com abandono. Era preciso reestruturar tudo, preparar tudo para uma nova investida em 2013 e isso foi feito, mas com um limite: era preciso conquistar resultados consistentes e atrair novos patrocinadores.

 

Ano novo, equipe nova, investida nova... problemas novos. Se Ana Beatriz conseguiu escapar da sequência de acidentes de 2011, não conseguiu escapar da sequência de abandonos, incluindo a esperançosa corrida ‘em casa’. Nem o excelente 15° lugar numa rapidíssima 500 Milhas, sem os problemas costumazes de uma prova tão longa, atenuou o problema de falta de ‘caixa’ ou sensibilizou algum investidor. Assim, A melhor corrida de Ana Beatriz na Fórmula Indy teve sabor de despedida.

 

Voltando à realidade, foi impossível não falarmos sobre a corrida de Detroit e o impressionante desempenho de Mike Conway. Nem parecia o mesmo carro. A Fórmula Indy tem disso. Anda se bem numa prova, anda-se mal em outra... quantas vezes não vimos os carros da Penske ou da Ganassi largar numa prova nas primeiras posições e, na prova seguinte, largar lá trás?

 

Nas 500 Milhas de Indianápolis deste ano, uma corrida consistente e um excelente resultado... com gosto de despedida.

 

O problema é que, diante dos olhos do mundo, com o carro ainda com a mesma pintura, o inglês que detonou Bruno Senna na F3 deu um show em Detroit. Venceu uma prova e só não venceu a segunda por erro de estratégia. Ainda assim terminou em terceiro. Em termos de imagem, é um estrago e tanto. Afinal, todos – de uma forma geral – vão dizer: mas não era o mesmo carro? Porque ela foi tão mal e ele tão bem?

 

É difícil explicar – seja tecnicamente, seja emocionalmente – que cada corrida tem uma condição distinta. Contudo, diante do cenário pela frente há que se pensar em todas as possibilidades, até mesmo se vale a pena investir mais dinheiro para tentar fazer outra corrida na mesma equipe. Pippa Mann deu duas voltas no oval do Texas...

 

Se olharmos para pilotos que são seus contemporâneos de kart, Ana, veremos que muitos deles estão correndo, trabalhando em boas condições, felizes e realizados profissionalmente (ao menos aparentemente), em outras categorias, num leque que vai desde o Mundial de Endurance até a Stock Car, passando pelos quatro cantos do mundo.

 

Essa 'e a Bia que conhecemos... capaz de vitórias soberbas como a do Desafio das Estrelas em que derrotou os melhores do país.

 

A sua capacidade como piloto, a sua vontade como pessoa e o seu carisma para com o público você jamais perderá, disso nem eu nem ninguém há de ter dúvidas. Talvez a questão seja apenas a de encontrar o lugar certo para se viver o momento certo. Para mim e para muitos, você continuará sendo um prodígio do automobilismo brasileiro.

 

Beijos do meu Divã,

 

Catarina Soares

 

 

Last Updated ( Tuesday, 11 June 2013 02:36 )