A reconstrução de Pierre Gasly Print
Written by Administrator   
Saturday, 24 August 2019 14:39

Olá fãs do esporte a motor,

 

Entre os muitos emails que recebo, vários abordam a questão de “porque procurar um psicólogo?” Outros perguntam se eu trabalho apenas com “pacientes problemáticos” e uns mais diretos dizem que “psicólogos são para ‘pessoas fracas’, inseguras.”

 

Normalmente respondo com um convite ao diálogo. A maioria das pessoas hoje vive em um ritmo de vida tão frenético que mal tem tempo de se socializar ou até mesmo de se conhecer. Neste segundo detalhe é que abordo a questão do autoconhecimento. Você precisa se conhecer e as vezes não encontra tempo ou mesmo não sabe como fazer isso. O autoconhecimento é o grande benefício para quem faz psicoterapia. Através da relação terapêutica, uma pessoa é levada a conhecer aspectos de si mesma que, muitas vezes, sequer fazia ideia.

 

Todos nós passamos por momentos de stress emocional, cobranças, perdas, ou outros fatores que provocam algum tipo de distúrbio emocional. Reconhecer isso é importante. Lidar com isso nem sempre é fácil e não procurar ajuda pode agravar as coisas. Muitas pessoas só vão se convencer de que é necessário buscar apoio psicológico quando a situação já se agravou e chegam aos consultórios esperando soluções milagrosas. Assim, não é raro vermos quem ainda associe psicoterapia como solução para “desequilíbrio” ou “loucura”.

 

Mas há momentos de crise, sim e nestes momentos a relação com o terapeuta se faz ainda mais importante para que juntos, o paciente e o profissional, encontrem caminhos para que o paciente consiga encontrar as respostas que ele busca. Um outro grande erro que muitos rotulam a nossa profissão é a de que somos “bengalas” ou “muletas” para quem não consegue seguir seu caminho pelas próprias pernas.

 

 Depois de uma chuva de críticas na primeira metada do campeonato, a Red Bull decidiu "rebaixar" Pierre Gasly à Toro Rosso.

 

Neste período das “férias da Fórmula 1”, vi-me diante de um desafio que vivi anos atrás e tendo como protagonistas os mesmos maus gestores de pessoas que encontrei no passado: Red Bull, Christian Horner e – principalmente – ele, Helmut Marko, o responsável pelo programa de jovens pilotos e que não consegue fazer com que estes tenham condições de se desenvolver um trabalho.

 

Pierre teve três sessões comigo neste intervalo, o último alguns dias antes de seguir para a Bélgica e, vendo o quadro ocorrido com Daniil Kvyat. Muitas vezes, quando estamos passando por uma situação complicada, parece que não conseguimos enxergar sozinhos uma solução. É comum que diante de situações de grandes mudanças ou perdas, demoremos algum tempo para “digerir” tudo e retomarmos nossas vidas. Uma das coisas que fiz foi usar o caso do Daniil, que continua sendo meu paciente, atravessou todo um processo de reconstrução pessoal e hoje está de volta ao grid para ele ver que há um caminho e que o profissional que ele é continuará sendo.

 

 Ao contrário do que sempre pareceu, Christian Horner também decidiu "cornetar" seu piloto ao longo da temporada.

 

O que temos abordado é aonde vem se apresentando um problema, que há um problema e Pierre não é um “menino inocentinho”. Neste episódio, Christian Horner também teve sua parcela de responsabilidade pela ação tomada na equipe. Suas palavras dizendo que “a performance de Gasly estava ‘custando caro’ à Red Bull”. De fato, a diferença entre o 2° e o 3° lugar no campeonato de construtores é – praticamente – o salário do Verstappen. Contudo, quando o holandês cometeu erros em sequência, envolveu-se em acidentes e fez a equipe perder pontos em 2017 críticas não foram feitas no tom que Gasly vem recebendo.

 

Pierre, de fato, reconhece que ele, como todos os pilotos, são formados e potencializados para serem “seres egoístas”. Além disso, existe a questão do “estilo de pilotagem”. Dois pilotos na mesma equipe podem ter estilos diferentes. Schumacher e Barrichello era um exemplo disso. Um gostava de carros “ariscos” outro, de carros “neutros e dóceis”. Entregar o setup de um para o outro vai implicar em alterações e a Red Bull tem entregue “o carro do Max” para Pierre nas sextas-feiras.

 

 Com seu engenheiro, Pierre Gasly veio tentando encontrar um caminho para acertar o carro, que ele sempre disse ter problemas.

 

No mundo atual todos vivemos sob pressão e cada um reage à sua maneira – melhor ou pior. Quando alguém passa por uma situação ou uma série de situações assim como Pierre vem passando, geralmente apresenta a necessidade de se sentir apoiado e acolhido e este acolhimento é recebido no processo psicoterapêutico. Ele buscou meu consultório antes mesmo da temporada começar, certamente sabendo o que o esperava. A busca de um profissional tem também o papel de ajudar a entender o momento vivido, ajudar o paciente a encontrar as melhores formas de aceitar e enfrentar. Além, é claro, de ter uma observação atenta para a ocorrência de sinais que indiquem o surgimento de algum transtorno.

 

Daniil ficou bastante abalado depois que foi “rebaixado” de equipe em 2015 e este é um exemplo que eu tenho para trabalhar com Pierre de maneira que isso não torne a acontecer. É importante lembrarmos que tanto Daniil quanto Pierre fizeram grandes trajetórias nas categorias de base até chegar à Fórmula 1. Daniil de forma ainda mais impressionante.

 

Recentemente li em um site alemão uma defesa de Christian Horner a Helmut Marko que me deixou surpresa. Ele, Horner, como CEO da equipe, não consegue enxergar que o projeto de sucesso que era o programa de pilotos da Red Bull, que preparou Sebastian Vettel, Daniel Ricciardo, Jean-Eric Vergne, Sebastien Buemi, Antônio Felix da Costa e outros não consegue mais “produzir pilotos vencedores”, mesmo nas categorias de acesso?

 

 Por fim, com as costumazes e nada éticas críticas, Helmut Marko está pondo em risco a carreira de um piloto promissor.

 

É preciso se levar em conta em uma relação esportiva que, eventualmente, há o surgimento de um “fora de série” no meio. Usain Bolt, o velocista jamaicano, foi um exemplo fora do automobilismo que gosto de usar como referência de “ponto fora da curva”. Max Verstappen vem dando indícios de que ele também o é e isso compromete qualquer parâmetro de comparação com os demais pilotos. Se o responsável pelo programa de formação não consegue enxergar isso, ele não está preparado para estar onde está.

 

Quando esta coluna for publicada a Fórmula 1 terá voltado das férias e estará em Spa Francorchamps. É hora de vermos se nosso trabalho – meu e de Pierre – estará dando frutos. Eu acredito muito em sua capacidade.

 

Beijos do meu Divã,

 

Catarina Soares