A corrida de endurance de Robert Wickens Print
Written by Administrator   
Thursday, 28 February 2019 08:41

Olá fãs do esporte a motor,

 

Muitas pessoas questionam sobre o fato de eu narrar passagens das sessões de terapia com alguns dos meus clientes, sempre levando em conta a relação de confidencialidade paciente/cliente que deve haver e que juramos cumprir em nosso trabalho.

 

Nenhuma “inconfidencialidade” é revelada nas minhas colunas, apenas assuntos que o próprio paciente se sente à vontade em revelar e que já seja algo comentado pela imprensa são comentados, mas com um toque de pessoalidade em função do teor das nossas conversas.

 

Tenho clientes em diversas categorias do automobilismo e motociclismo por todo mundo e também aqui nos Estados Unidos. Caso eu tivesse tempo, poderia escrever uma coluna por semana, mas acho que meus amados leitores acabariam enjoando de mim. Assim, fazer esta coluna quinzenalmente já me permite escolher melhor sobre quem e sobre o que irei falar.

 

Levei alguns meses para decidir falar sobre “o paciente desta quinzena”. Também precisei conversar com ele sobre o assunto e ver como ele reagiria caso eu abordasse o processo que ele está passando. Achei prudente esperar a melhora do seu quadro clínico antes de abordar este assunto com ele, especialmente porque ele só veio ser meu paciente no segundo semestre do ano passado.

 

 

Eu estava assistindo a corrida da Fórmula Indy em Pocono, em outubro do ano passado, quando Robert Wickens sofreu aquele pavoroso acidente. O diagnostico informava que ele havia fraturado sua medula espinhal e pescoço, além de sofrer outras sete lesões graves, entre elas a fratura da coluna torácica, o fratura do pescoço e as fraturas da tíbia e da fíbula nas duas pernas e fratura do antebraço direito.

 

Um acidente como o dele exige da equipe médica uma perícia fora do normal. Remover o piloto do que sobrou do carro buscando preservar sua vida e prevenir outras lesões, considerando o que era aquele resto de carro é uma operação delicada. Robert foi removido da melhor maneira possível e levado para o hospital, mas o primeiro comunicado dava conta de que o piloto canadense que fez nome no DTM e que estreava naquele ano na categoria, sendo um dos destaques do campeonato, estava paraplégico. Que seu quadro era de difícil recuperação.

 

 

Passados uns 45 dias do acidente, fui procurado pela família do piloto para que ver a minha disponibilidade em fazer um acompanhamento junto com o trabalho de fisioterapia que Robert seria submetido. Isso tem feito com que eu viaje em finais de semana alternados até Indianápolis, que é o centro de referência de recuperação de traumas e por onde passaram Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet.

 

Relutei um pouco em aceitar este desafio. Todos nós que estamos ligados de alguma forma ao meio do esporte a motor, sejamos profissionais das diversas áreas envolvidas, direta ou indiretamente, ou simplesmente fãs do esporte, somos afetados, de uma forma ou de outra quando vemos um acidente como foi o de Robert na televisão, quando e como recebemos as notícias que se seguem e de que maneira é possível trabalhar o psicológico do paciente diante das perspectivas médicas – no caso clínicas – e pessoais.

 

Terminei por aceitar e segui para Indianápolis no segundo ou terceiro final de semana de outubro (fiquei na dúvida agora) e encontre com Robert em seu quarto. Foi estimulante para mim ter sido recebida com um sorriso de alguém que – em teoria – não teria muitos motivos para sorrir. Mas Robert foi extremamente gentil quando disse que “conhecia minha fama de consertar cabeças de pilotos” e que agora o serviço ia ficar completo.

 

 

Ele é uma pessoa extremamente positiva. Disse que viu o acidente pela internet e que estar ali, vivo, lúcido, falando e fazendo fisioterapia era um milagre (e eu concordei com ele), mas agora precisávamos trabalhar a mente para que o corpo respondesse de forma mais eficiente àquilo que ele pretendia. Neste momento ele foi, mais uma vez, espetacular: disse que o lugar para andar rápido era as pistas. Que ali no hospital ele precisava dar um passo por vez, com firmeza e segurança. Que agora ele estava correndo “as 24 semanas de Le Mans”.

 

Por reabilitação entende-se: um processo que tem a finalidade de promover melhora física, mental, funcional e social ao paciente em um dado período e; uma especialidade dentro da área da saúde, a qual surge em um cenário diverso, como acidentes no qual Robert se envolveu. Frente ao tratamento fisioterápico, é essencial distinguir entre os conceitos de reabilitação e recuperação, que ao serem confundidos acabam gerando falsas expectativas e angústias nos pacientes e familiares.

 

Reabilitação compreende um conjunto de procedimentos terapêuticos, aplicados a pessoas portadoras de incapacidades, com o objetivo de restabelecer a funcionalidade das capacidades físicas, psíquicas, sociais e profissionais, permitindo a retomada de seus papéis na família e na sociedade. Já recuperação consiste em retomar o perdido, ou seja, adquirir novamente certa função ao curar-se. Um trabalho bem desenvolvido pela equipe de saúde viabiliza diversos benefícios, tais como a melhora da capacidade funcional do paciente, redução dos fatores de risco, melhora na qualidade de vida, bem como a verificação de sinais que antecedem complicações do quadro clínico.

 

 

Entretanto, não se deve considerar a reabilitação apenas no âmbito das funções físicas ou ortopédicas, faz-se necessário ressaltar a reabilitação psicossocial, processo que facilita ao indivíduo portador de limitações, a retomada da autonomia e do exercício de suas funções anteriores ao acidente e nisso Robert é bastante consciente de que esta corrida vai durar bem mais do que 24 semanas.

 

No momento o que temos trabalhado é o fortalecimento em busca de atingir objetivos visíveis e isso está funcionando muito bem. Ele tem mantido contato comigo por telefone uma vez por semana para falar dos progressos na fisioterapia e para quem ia ficar paraplégico, ver as cenas dele levantando da cadeira de rodas praticamente sozinho para abraçar a noiva é algo simplesmente emocionante.

 

 

Robert e sua noiva, Karli, estão com o casamento marcado para setembro e ele disse que pretende dançar com sua noiva na cerimônia. Eu acredito totalmente que ele vai conseguir. Ele já mostrou ser um campeão neste quesito de superar expectativas. Não sei até onde conseguiremos avançar, mas além de uma terapeuta, Robert conquistou uma grande admiradora e não descarto a sua volta as pistas. Quando? Ainda temos outras “corridas de endurance” para chegar lá.

 

Beijos do meu Divã,

 

Catarina Soares