Os espinhos da rosa Print
Written by Administrator   
Wednesday, 06 September 2017 01:36

Olá fãs do automobilismo,

 

A coluna desta quinzena começou a ser escrita pouco antes do almoço do último domingo de agosto, dia 26. O Grande Prêmio da Bélgica havia terminado algumas horas antes (a largada, pelo horário aqui em San Diego foi às cinco da manhã)... e eu assisti pela Sky Sports, com aquele timaço de comentaristas.

 

Estava eu me aventurando a fazer uma receita que aprendi com minha secretária guatemalteca quando o telefone tocou. Do outro lado da linha um senhor identificou-se como Mr. Otmar Szafnauer, Diretor da Equipe Force Índia da Fórmula 1. Um sotaque que não era fácil de entender... mas muito educado. Começou pedindo desculpas por estar me telefonando num domingo, mas que ele precisava falar comigo o quanto antes.

 

Mr. Szafnauer disse que eu havia sido indicada por Toto Wolff e que ele lembrava de ter me visto em alguns autódromos (Além de ir a Silverstone no ano passado, fui aos últimos GPs dos Estados Unidos e do México) e que, segundo seu colega da equipe Mercedes, eu fiz um trabalho muito bom em Silverstone no ano passado, que sou terapeuta do Lewis há anos, que fui também do Nico e ele disse que me queria em Monza para o GP da Itália. Perguntou se era possível eu estar em Milão na quarta-feira e quanto custaria o meu serviço, completando: “dinheiro não é problema”!

 

Otmar Szafnauer (grisalho sem boné ao centro) bateu a mão na mesa e disse: chega!

 

Pedi uma hora pra dar a resposta, dizendo que precisava ver minha agenda da semana e ver as possibilidades de ajustes – o que incluía conversar com o marido. Passados exatos 60 minutos o telefone tocou novamente... impressionante. Ele queria uma resposta e eu disse que era possível, mas que não seria barato e ele repetiu que “dinheiro não era problema”. Ah, mandei ver! E o homem topou! Recebi por uma semana o que levo três meses pra ganhar.

 

Na terça-feira tomei o primeiro voo, de San Diego para New York. Três horas de sala VIP e lá fui eu para Milão. Tudo de primeira classe! Cheguei no aeroporto e lá estava um elegante senhor com uma plaquinha com meu nome. Muito gentil e sem falar uma palavra em inglês, o motorista do carro que foi me buscar entregou-me um envelope, com uma mensagem informando que eu iria diretamente para o autódromo e que minha bagagem seria levada para o hotel... à noite eu vi: que hotel!

 

Apesar dos encantos de Milão, eu não estava lá para fazer turismo. Pelo contrário, teria muito trabalho pela frente com os pilotos da equipe, que corrida após corrida vem desde o início do ano vem tendo duras disputas, mas o que está acontecendo desde Baku é algo que não tem chefe, engenheiro ou dono de equipe alguma que tenha paciência para aceitar o prejuízo que os pilotos estão impondo.

 

Andy Stevenson e Robert Fernley, diretores da equipe, estão de acordo e não vão aliviar a barra dos pilotos.

 

Comecei o trabalho com uma reunião com os diretores Robert Fernley e Andy Stevenson, que depois de alguns minutos passou a ter também a presença de Otmar Szafnauer. A questão ultrapassa o limite dos cockpits e também do bom senso. Além dos danos nos carro e do risco de algo mais grave acontecer com qualquer um deles, há uma questão financeira muito importante: a classificação final do campeonato.

 

Se olharmos bem a tabela, a Force Índia é a equipe “mais confiável” do grid. Os dois carros da equipe estão quase sempre pontuando e o quarto lugar no campeonato de 2017 está bem encaminhado, mas o trio de dirigentes pensa – e com alguma razão – que a equipe poderia estar em uma situação melhor, ameaçando o terceiro lugar, hoje da Red Bull, se seus pilotos na estivessem “agindo estupidamente”.

 

No Canadá, o primeiro embate mais duro entre os companheiros de equipe.

 

Ter dois pilotos muito competitivos na mesma equipe tem o lado bom e o lado ruim. Se o lado ruim – quando os pilotos extrapolam o limite do bom sendo na pista e começam a prejudicar um ao outro – as coisas começam a comprometer o ambiente na equipe, os seus interesses e coloca em risco até mesmo a vida dos dois. Foi pelo que aconteceu em Spa-Francorchamps, na descida para a Eau Rouge, que deu-se o “basta”.

 

Na reunião depois da corrida na Bélgica, quando recebi o telefonema do Mr. Szafnauer, ele foi direto com ambos e disse que os dois não teriam mais permissão para competir uns com os outros e que a ação interna tomada era uma precaução a uma tomada de posição externa, da direção de prova de alguma corrida e foi mais além: disse que ele mesmo puniria quem provocasse um acidente com o outro até mesmo suspendendo-o de uma corrida!

 

Na corrida do azerbaijão, os dois se tocaram forte e o clima começou a azedar.

 

A disputa na pista em Spa-Francorchamps foi apenas mais um “round” do que começou a acontecer no GP do Canadá. Duas semanas depois, as coisas passaram dos limites, com os dois carros se tocando, quebrando partes dos apêndices aerodinâmicos e tirando as possibilidades de até mesmo ambos terminarem no pódio naquele confuso GP do Azerbaijão. Na Áustria, Inglaterra e Hungria a disputa foi dura, com um pouco mais de dureza em Hungaroring, mas sem nada como o que houve em Baku, mas em Spa-Francorchamps...

 

Os pilotos então foram chamados à sala de reuniões da equipe no Autódromo de Monza e, logo de início, Mr. Szafnauer disse que estava particularmente chateado com o fato de que Ocon e Perez haviam colidido de novo, já que a Força da Índia lhes deu tantas oportunidades para continuar lutando de forma justa, mas que eles – ambos – o obrigaram a tomar uma decisão mais drástica. Apresentou-me oficialmente e disse que ambos passariam por uma terapia de grupo com alguns integrantes da equipe e que passariam a ter sessões regulares comigo (Isso foi surpresa! Eu tenho que tentar encaixar os dois na minha agenda, que está bem apertada).

 

Mas foi em Spa que a coisa ficou feia de vez e desesncadeou a série de medidas drásticas da direção da equipe.

 

Outra coisa que ficou estabelecido foi que nenhum dos dois postaria comentários em redes sociais antes das reuniões pós treinos ou pós corridas para evitar “declarações de cabeça quente” e que só vai piorar o ambiente dentro da equipe e gerar situações constrangedoras. Aliás, logo no dia seguinte esta “situação constrangedora” aconteceu: a FOM colocou os dois pilotos da equipe para “discutir a relação” na entrevista coletiva. Entre eles, um ainda mais constrangido Sebastian Vettel, que também é meu paciente e, que depois da coletiva (segurando o riso) disse que precisaria de sessões extras após aquilo.

 

No primeiro momento a sós com eles, pedi que eles falassem de como se sentiam trabalhando juntos e se eles se sentiam confortáveis na mesma equipe. A resposta não poderia ser diferente de um “sim”, mas até onde era uma resposta sincera o tempo virá revelar com o andamento das sessões. Apesar de tudo mais que foi dito (ou não), considerei o primeiro contato positivo.

 

Na coletiva de imprensa, a FOM colocou os dois pilotos para falar e um constrangido Sebastian Vettel entre eles.

 

É preciso considerar que há um grande equilíbrio de performance entre eles em treinos e corridas, tempos de volta de classificação e em ritmo de voltas rápidas com diversos tipos de pneus já usados na temporada até o momento. Isso explica eles normalmente largarem próximos, andarem próximos e estarem separados na classificação do campeonato por apenas três pontos, com vantagem para Sérgio Perez.

 

No final do ano passado, a Force Índia optou por manter Sérgio Perez e dispensou Nico Hulkenberg. O mexicano que mostrou seu valor na Sauber e que depois foi contratado pela McLaren, não durou mais que uma temporada sob as cobranças de Ron Dennis, mesmo com o suporte financeiro de Carlos Slim. Na Force Índia desde 2014, até os confrontos com Esteban Ocon, tinha uma relação normal com seu ex-companheiro de time. Esta é minha maior interrogação, meu maior desafio: o que mudou na cabeça de Sergio para este comportamento em pista tão agressivo.

 

Agora é procurar fazer os pilotos focarem em competir sem se destruirem na pista.

 

Também no final do ano passado, entre as opções que tinha para formar uma nova dupla de pilotos, a equipe “optou” por um piloto bancado pela Mercedes, sua fornecedora de motores. Entre as opções, escolheu Esteban Ocon. Campeão Europeu de Fórmula 3 em 2014, jovem, rápido e promissor, o francês adaptou-se rápido ao carro à equipe e passou a ser um incômodo para o então primeiro piloto da equipe. Um roteiro que já se repetiu muitas vezes e que dentre elas, várias terminaram mal.

 

Na corrida de Monza, não houve a disputa direta entre os dois pilotos e tanto as reuniões pós treinos e pós corrida foram bem tranquilas. Entre a corrida de Monza e a etapa de Singapura os dois passarão pelo meu Divã em San Diego. A corrida no oriente é numa pista de rua, um ambiente extremamente propício a um novo conflito entre os pilotos da Force Índia... algo que preciso trabalhar na cabeça de seus pilotos para que não aconteça!

 

Beijos do meu Divã,

 

Catarina Soares


Last Updated ( Wednesday, 06 September 2017 02:07 )