E o coração de Fernando pulsa e ferve Print
Written by Administrator   
Sunday, 30 April 2017 11:57

Olá Fãs do Automobilismo,

 

Com a quantidade de pacientes que tenho no meio do esporte a motor, caso tivesse tempo, poderia escrever uma coluna diária para o Site dos Nobres do Grid. Fazer a coluna quinzenalmente proporciona que eu possa refletir melhor sobre quem vou escrever, o que posso escrever sem comprometer nossa confidencialidade e como vou escrever de forma ao querido leitor entender o que tento passar. Não é uma tarefa fácil.

 

O problema é que, em alguns casos certas situações se desenrolam com a velocidade de um carro num super oval ou numa reta como a de Monza. Além disso, caso eu fique repetindo o “personagem do Divã” seguidamente, a coluna pode ficar chata e eu perder leitores. Contudo, diante do terremoto que os últimos acontecimentos em torno do Fernando se desenrolaram, inclusive com a sua vinda para os Estados Unidos uma semana antes do que seria o normal, para a nossa sessão, não tenho como não falar sobre nossas últimas conversas.

 

Em uma das últimas sessões do ano passado com o Fernando ele perguntou como estava a minha adaptação ao modo de vida dos estados Unidos e quais estavam sendo meus maiores desafios. Enquanto eu falava ele interrompeu e perguntou se eu teria coragem de quebrar algum paradigma profissional se fosse o caso e eu disse que dependeria do que e como eu faria esta mudança.

 

Aquilo me deixou bastante curiosa e eu devolvi a pergunta sobre a quebra de paradigmas. Fernando disse, que no seu caso, não seria propriamente um paradigma, mas mais um possível conflito de interesses sobre algo que ele desejaria e até onde ee poderia fazer. Ele lembrou que tinha a intenção de disputar as 24 Horas de Lê Mans pela Porsche com seu amigo Mark Webber, mas isso não foi possível por questões contratuais.

 

 

Fernando acabou confidenciando que ser bicampeão do mundo e Fórmula 1 era “muito pouco” para o que ele tinha sonhado em termos de carreira e que ele queria deixar uma marca na história do esporte. Diante do fato de estar com 35 anos e não ver mais a chance de igualar ou superar [Michael] Schumacher em vitórias ou títulos mundiais na Fórmula 1, restava a ele fazer algo que ele não tinha feito, que seria vencer em Le Mans e também as 500 Milhas de Indianápolis.

 

Assim como eu, acredito que todas as pessoas mais próximas a Fernando viam isso como algo real, possível, mas que levaria alguns anos para acontecer, vindo a ser posto em prática depois que ele deixasse a Fórmula 1 definitivamente. Certamente este foi o grande motivo do impacto que a notícia e as entrevistas que se sucederam após o anúncio de que Fernando correria as 500 Milhas de Indianápolis.

 

 

Fernando telefonou pra mim na véspera do anúncio e disse que iria “chocar o mundo” no dia seguinte com um anúncio bombástico. Qualquer pessoa que ouvisse essas palavras, automaticamente, pensaria: “ele desistiu”! Está deixando a McLaren e abandonando a Fórmula 1. Mas ele deu um risinho antes de dizer que eu era convidada dele para as 500 Milhas de Indianápolis este ano e que ele iria correr pela equipe Andretti, com motor Honda.

 

Passado o impacto da surpresa e enquanto ele foi contando como um desejo manifestado virou uma grande oportunidade, além de toda a questão profissional e de marketing em torno da idéia, manifestei toda a minha felicidade por sua decisão, pelo apoio que a Honda está dando e pela forma como a direção da McLaren entendeu que abraçar este projeto era um forma de motiva-lo ao longo deste ano que começou tão complicado.

 

 

Por conta da realização de dois GPs em seqüência (China e Bahrein), Fernando só veio para os Estados Unidos na semana seguinte a corrida no deserto. Além da nossa sessão, tinha uma agenda abarrotada de compromissos por aqui com entrevistas com as pessoas da equipe, acompanhar os treinos da Andretti entre as corridas de Long Beach e Barber, moldar o banco para o carro e treinar no simulador da equipe, além de comparecer ao GP de Barber, onde participou de parte da transmissão com os comentaristas da NBC.

 

Fernando convidou-me para ir a Barber com ele, mas eu não tinha a menor condição e acabei por sacrifica-lo um pouco, uma vez que ele teve que voar de Barber para San Diego no domingo, após a corrida, para nossa sessão, que precisei negociar com outros pacientes para que esta acontecesse na segunda-feira pela manhã e ele ainda teria compromissos nos Estados Undos na terça-feira, antes de voar para Sochi, na Rússia.

 

 

Em quase sete anos de trabalho com ele, nunca vi Fernando tão tranqüilo, sorridente e confiante. Nem em 2012, ultima vez que teve uma chance concreta de vencer o mundial de Fórmula 1. Simplesmente não parecia ser a mesma pessoa que deixou meu consultório de olhar vazio pouco mais de três semanas atrás. Ele estava empolgado. Gostou muito do ambiente de trabalho, com o fato dos pilotos se falarem e até falarem sobre coisas de corrida, algo inimaginável na Fórmula 1. Disse ter se surpreendido com a receptividade de todos, que ele não chegou visto como um forasteiro e uma ameaça aos pilotos da categoria, mas como um colega.

 

Fernando disse que amanhã a noite (terça-feira antes do GP da Rússia de Fórmula 1) teria que voltar para a sua triste realidade na McLaren, de tentar fazer o máximo para não se sentir o mínimo e procurar reduzir o tamanho de mais um fiasco diante dos adversários contra os quais sente-se correndo com os pés amarrados pelos cadarços do sapato.

 

 

Como se não bastasse isso, a morte de um menino no kartódromo que leva seu nome e que fica perto de onde ele nasceu o deixou muito abalado. Todos sabem que trata-se de um esporte de risco, mas quando uma vida se vai aos 10 anos de idade fica difícil encarar como uma circunstância da profissão ou do esporte que se abraçou para praticar. Fernando disse que seguiria para casa depois do GP de Sochi para encontrar os familiares do kartista e tentar consolar um pouco que fosse a todos eles.

 

Pode ser que as pessoas não acreditem nisso, mas os pilotos também tem um coração e o coração de Fernando pulsa e ferve. Seja em momentos de introspecção, seja quando o giro do motor vai até o limite.

 

Beijos do meu Divã,

 

Catarina Soares