A via crucis de Jorge Lorenzo. Print
Written by Administrator   
Sunday, 12 July 2015 23:05

Olá fãs do automobilismo... e do motociclismo!

 

Um dos grandes reconhecimentos que qualquer profissional pode ter é ver o seu trabalho difundido pelos seus clientes (no caso, pacientes) e novas portas, novos caminhos se abrem para você devido à credibilidade que você conquistou com sua dedicação e esforço.

 

Na semana passada, uma consulta marcada para a terça-feira, dia 7 de julho chamou minha atenção: Jorge Lorenzo. De início, não liguei o nome à pessoa, mas depois do almoço, na segunda-feira, foi que liguei o nome à pessoa... era o piloto da Moto GP!

 

Era a primeira consulta da manhã, certamente Jorge chegou na noite anterior, e pareceu-me muito tranquilo quando fui recebê-lo na sala de espera. Gostei do presente que ele me trouxe, uma camiseta que ainda terei que emagrecer alguns quilinhos para poder vestir.

 

Perguntei como ele tinha ficado sabendo de mim e ele disse que o Fernando [Alonso] é quem tinha indicado... coincidentemente, o Fernando era o cliente seguinte na agenda daquele dia, mas a nossa conversa foi rápida como a aceleração de uma motocicleta... e fomos direto ao ponto.

 

 

Quando começou sua carreira internacional no motociclismo, Jorge tinha uma figura na qual mirava como sendo aquilo que ele não apenas queria atingir, mas também superar. Ter uma referência para se buscar um caminho é algo perfeitamente normal, mas com o tempo, esta busca pode se tornar, perigosamente, uma obsessão.

 

Com o passar do tempo, esta figura, esta imagem, este objetivo, tornou-se o adversário... e tinha um nome e um sobrenome: Valentino Rossi! Ser melhor e maior que o então grande campeão da motovelocidade era o objetivo de Jorge Lorenzo e até em coisas fora do esporte ele procurou buscar “ser mais” que seu carismático referencial.

 

Quem já assistiu as corridas vencidas por Jorge Lorenzo viu aquela cena de colocar uma bandeira para “marcar território” que muitos disseram a ele que era uma tentativa de rivalizar com as carismáticas comemorações de Valentino em suas vitórias, mas que ele disse que não, que era algo natural e que aquilo de pessoas dizendo que não era o entristecia.

 

"Tierra di Lorenzo". A marca que o espanhol tentou fazer popular não teve o apelo das celebrações de Valentino.

 

Jorge fez sua carreira assistindo sua referência ser um destruidor de compatriotas dele, italianos, e seus... os espanhóis. Entre os adversários de seu próprio país, Jorge viu Sete Gibernau ser “destruído esportiva e psicologicamente” por Valentino e a forma como Jorge colocou aquilo, pelas palavras e pela entonação, deixou-me bem preocupada.

 

Esse sentimento é uma mistura terrível de profunda insatisfação com impotência e raiva. O trabalho é uma das áreas onde esse mix de sensações é mais vivenciado. A frustração leva o profissional a se sentir bloqueado em seu agir e, mesmo consciente que não está conquistando o resultado, não identifica o que fazer para melhorar a situação e continua assim, insistindo em ações inadequadas.

 

Sete Gibernau, de tantos tombos e derrotas, largou o motociclismo e desapareceu da mídia e do meio.

 

No caso de Sete Gibernau, em um dado momento depois de seguidas frustrações, o piloto se afastou, não querendo mais contato com a situação, com o esporte, com o meio. Associado a isso pode vir um sentimento de impotência, de incompetência e depressão, abandonando a atividade e é neste estágio que preciso trabalhar para que Jorge não chegue.

 

Jorge continuou falando sobre o motociclismo de seu país e disse que, depois de Sete Gibernau, a “escola espanhola” revelou um outro piloto muito promissor, que tinha como aliado de sua técnica e velocidade o fato de ter praticamente o tamanho de uma criança... Daniel Pedrosa!

 

Daniel Pedrosa, uma promessa espanhola que nunca se concretizou.

 

No caso de Daniel Pedrosa, a questão da instabilidade emocional do pequenino piloto parecia vir com a mesma marca que Sete Gibernau carregou. Parecia que Valentino tinha sempre uma “fórmula” para enfrentar seus adversários. Miná-los psicologicamente e Jorge via nas derrotas impostas aos adversários um desafio para encontrar uma forma de derrotar seu inspirador.

 

Para se chegar a um objetivo traçado a pessoa precisa ter muito mais do que confiança em si mesmo e dedicação. Em muitos casos esses pontos apenas transformam a pessoa em um bom profissional, mas não a levam a chegar ao desejado estágio de qualidade projetado. Profissionalmente falando a pessoa precisa ter metas realistas, objetivos que sejam possíveis de ser realizados... e na cabeça de Jorge, vencer Valentino era possível.

 

Charge de jornal italiano: É agora mesmo que o "pomposo" se esvazia... hahaha!

 

Então quando chegou a hora do grande desafio, correr na mesma equipe que seu referencial, inspirador e até então algoz, ele teve que amargar ser derrotado por dois anos consecutivos, até em 2010 ele conseguiu superar Valentino dentro da equipe Yamaha, sagrar-se campeão e ali começava um novo sonho: o de ser um dominador, como havia sido Valentino com seus sete títulos. Na cabeça de Jorge Lorenzo, Valentino começava ali a se tornar história ao invés de adversário.

 

Ele conseguiu ter algo que era inimaginável para os fãs de seu adversário: ser a prioridade dentro da equipe e isso levou Valentino a mudar de time. Mas a vida não ficou mais fácil, pelo contrário, ficou mais difícil quando surgiu dentro da Espanha, um adversário rápido, técnico e mais jovem do que ele... Marc Marquez!

 

Por um curto período de tempo, Jorge Lorenzo achou que iria estabelecer uma hegemonia, mas...

 

O sonho de ser o dominador da categoria começou a escoar entre seus dedos ao ver o seu novo adversário vencer com cada vez mais frequência e conquistar os últimos dois campeonatos mundiais. O único prazer parecia ser ver o seu antigo algoz voltar para a equipe, resignadamente como segundo piloto, ganhando menos do que ele, como se disposto a apenas correr por prazer e por não ser capaz de fazer outra coisa na vida.

 

Contudo, ver o velho pesadelo voltar a povoar sua mente este ano, como um karma que o persegue curva após curva pelo mundo a fora, vendo-o derrotar até o seu jovem e compatriota adversário, fazendo-o errar, beijar o asfalto, rolar na brita e, pior que isso, estar sendo superado por aquele “velho” era algo intangível!

 

Além de um "adversário doméstico", Marc Marques, Jorge Lorenzo viu seu algoz renascer e voltar às vitórias.

 

É evidente que o problema de Jorge é muito mais interior do que exterior e o que pude dizer para ele é que será dentro dele que teremos que reencontrar o equilíbrio para vencer o maior de seus adversários: ele mesmo e a ânsia de querer vencer obstáculos sem a devida preparação.

 

Pelo visto as minhas madrugadas de domingo ficarão mais ocupadas se eu tiver que seguir as corridas de motos além das de carro.

 

Beijos do meu Divã,

 

Catarina Soares


Last Updated ( Sunday, 12 July 2015 23:35 )