Olá fãs do automobilismo,

Ver o progresso e a evolução do quadro de um paciente é sem dúvida a sensação mais gratificante na vida profissional de um terapeuta e não é fácil, especialmente em um mundo competitivo como a Fórmula 1.

Quem leu a coluna publicada duas semanas atrás, quando contei como foi o encontro com o grande campeão Niki Lauda, falei que no dia seguinte o Nico estaria no consultório. Ele esteve regularmente, todas as semanas, antes do Grande Prêmio da Espanha.

Apesar do que vinham falando em alguns sites e redes sociais que andei acompanhando, ao longo destas três semanas Nico mostrou-se muito tranquilo e confiante... mas aquilo era uma auto defesa. Ele sabia que era uma questão interna, pessoal e que mesmo que não viesse uma pole position, a largada seria o ponto fundamental para virar o jogo contra Lewis. A questão era: como conseguir?

Segundo o próprio Nico, o circuito da Catalunha tem uma particularidade terrível para os pilotos em corrida: carros com comportamento similar não conseguem ultrapassar o carro que vai a sua frente, mesmo com a abertura da asa na longa reta dos boxes!

A estabilidade dentro da equipe é fundamental e isso ficou claro neste final de semana do GP da Espanha.

Terapias com profissionais de alta performance costuma ter como base um princípio relativamente simples, mas as vezes muito complicado de ser atingido: é preciso “conduzir o paciente ao período mais brilhante de sua carreira como piloto – no caso – e estimulá-lo a sentir de novo as emoções deste momento, sobretudo a maneira como ele próprio se percebia então, que era de se sentir praticamente invencível.

Utilizando estas lembranças como alavanca motivadora, estimular o paciente a identificar o que seria necessário fazer para recuperar esse estado de confiança, criando um processo de catarse que se desenvolve como uma quebra do bloqueio com um olhar completamente diferente e logo foi capaz de elaborar um plano de ações para atingir sua meta. No caso, voltar a vencer.

Exercícios como este permitem resgatar informações sobre nós mesmos que ficaram esquecidas em algum canto de nossa psique, trazê-las de volta à esfera consciente de percepção, essa é uma das melhores maneiras de recuperar a auto confiança de um paciente.

Andar na frente no sábado e vencer no domingo foi extremamente positivo para Nico. Ele precisava disso.

É a grande característica de todo trabalho de autoconhecimento: estimular a integração entre as várias partes de nossa psique, permitir que interajam entre si; esse trabalho produz o aprendizado transformador, ontológico, que permite à pessoa encontrar caminhos completamente novos para trilhar em sua vida.

O “resgate do seu eu” só vai acontecer quando você decidir que só precisa ser quem você é. Você pode confrontar as opiniões, e não ficar preso a um único ponto de vista. Mas descobre que, se no passado era importante ouvir, respeitar e buscar compreender aqueles que trabalham com você e que querem o melhor de você, o seu sucesso.

Neste aspecto, fiquei na espera que a visita do Niki em meu consultório provocasse uma reação positiva em vista do que conversamos. Era preciso fazer com que Nico se sentisse 100% dono de seu próprio destino, respeitasse mais suas próprias ideias, porque, automaticamente, está se ouvindo mais.

A expressão de felicidade diz tudo!

Quando se consegue atingir este estágio, este estado mental e corporal permite que você seja agressivo e positivo quando o resultado da competição fica equilibrado. Sua mente também fica livre para se focalizar na tarefa a ser realizada e as possibilidades de êxito aumentam.

Nico me telefonou no sábado, algumas horas depois dos treinos livres e de classificação onde conseguiu tempos melhores que os de Lewis para partilhar este momento comigo. Ele estava com um tom de voz extremamente positivo e vi naquele momento que ele poderia vencer a corrida no domingo, como aconteceu.

Existe uma “balança” na cabeça dos atletas de um modo geral: podemos chamar isso de “jogar pra ganhar” e “jogar pra perder”. Atletas confiantes tendem a jogar para ganhar: eles geralmente não têm medo de se arriscar e, portanto, assumem o controle da competição para obter a vantagem. Quando os atletas não estão confiantes, eles jogam para não perder: eles ficam hesitantes e tentam evitar cometer erros.

Partilhar com a família (a esposa, Vivian Sibold, está grávida), foi lindo!

No estado em que Nico se mostrou, eu tinha certeza que ele faria uma grande largada e que contornaria a primeira curva na frente de todos os outros, como aconteceu. O que se viu na corrida foi uma mostra de auto controle e de força que ele estava precisando mostrar a todos na equipe e a si mesmo.

Quando saiu do carro, atirou-se na grade para abraçar os mecânicos, beijou a esposa grávida e mesmo a forma como olhou para Lewis quando este o cumprimentou mostrou um Nico completamente diferente daquele que viu-se em outros momentos, com ombros caídos, cabeça baixa e uma expressão facial pesarosa, ela comunica a todos os observadores que está para baixo, o que só serve para deixá-la ainda pior.

O contraste no pódio foi de uma evidência táo explícita quanto a vista no Bahrain.

A imagem e a reação no pódio, em contraste com a postura de Lewis com aqueles óculos escuros, mostrou que o auto trabalho (sim, o terapeuta não faz do seu paciente uma marionete. Se ele não fizer a sua parte, de nada adianta a terapia), considerando não apenas suas próprias capacidades, mas também as de seu adversário, deu certo e que este é o caminho para recuperar a força dentro da equipe e mostrar-se vivo no campeonato.

Nico ligou para mim no final da manhã aqui em San Diego (tenho nove horas de fuso horário para a Espanha e meu marido não gosta muito de me ver acordada, assistindo as corridas pela internet, mas respeita meu trabalho, o que é importante para ambos). Estava radiante! Agradeceu muito todo meu esforço e confirmou sua vinda na próxima terça-feira.

Enquanto Nico brilhava, Lewis escondeu seu olhar sob os óculos escuros...

Dei os parabéns, desejei tudo de bom, uma boa semana e disse que o aguardava por aqui... só não disse – claro – que Lewis tem consulta no dia anterior!

Beijos do meu divã,

Catarina Soares