As angustias de uma mãe Print
Written by Administrator   
Monday, 24 December 2012 20:49

 

Olá fãs do automobilismo,

 

Confesso que hesitei um pouco em revelar esta sessão que tive há algumas semanas. Afinal, não se tratava de um piloto, de um chefe de equipe ou um dirigente de automobilismo, mas sim de uma mãe.

 

Voltei no tempo. Lembro-me quando criança e que meu pai disputava os campeonatos paranaense e catarinense de velocidade na terra que a minha avó não largava o terço e que ai do meu pai se não telefonasse pra ela assim que terminasse a corrida. Nesta hora ela chorava, agradecia a Deus e ia para o seu quarto.

 

Quando minha assistente perguntou-me se eu a receberia, demorei um pouco a responder. Afinal, sempre a vi como uma referência, uma fortaleza. Ela perdeu o irmão, ídolo nacional, e o marido, certamente um ídolo pessoal, em dois acidentes estúpidos num intervalo de dois anos.

 

Além de já ter abraçado a causa do instituto que leva o nome do irmão, precisou, a partir daquele momento, assumir o papel de pai e mãe de um casal de filhos pequenos. Havia um estado de trauma latente e, para tornar o cenário mais complexo, o caçula de seus filhos, um menininho chamado Bruno, queria ser piloto de corridas como o tio. Onde buscar forças para suportar tudo isso?

 

Minha avó, muito religiosa, sempre dizia: “Deus não coloca sobre nossos ombros uma cruz mais pesada do que podemos carregar”. Talvez a sua cruz tivesse mesmo um peso suportável, mas sendo esta feita de madeira, seus ombros ficaram a mercê de algumas farpas, por vezes profundas. A mais dolorosa, certamente era como lidar com o desejo do filho de vir a ser como o tio? Como, não: melhor, como na sua inocência, um dia falou diante das câmeras e que o mundo inteiro tem as imagens.

 

Era uma vez um menino que queria ser como o seu tio (igual, não. melhor) quando crescesse e fosse um piloto de Fórmula 1.

 

A família é a primeira e a base da formação da sociedade. Uma família fortemente estruturada, costuma dar suporte, guarida, a todos os seus membros em momentos difíceis. Até onde se sabe, sua família sempre foi assim, desde o patriarca, que impôs enormes desafios para o próprio filho conseguir seguir o seu desejo e “conquistar o mundo” como conquistou, até o momento contido durante o funeral desde filho morto.

 

Foi preciso força – muito mais interna do que externa - para desviar os passos do filho em direção as pistas. Mais ainda deve ter sido, depois de dez anos passados, ouvir do filho que seu sonho ainda era o de seguir o caminho do tio. Numa hora como estas, o chão foge de debaixo de nossos pés. Cair em si não é fácil. Nesta hora, a farpa de madeira da cruz que carregamos entra mais fundo.

 

Um caminho alternativo se criou. Um caminho que provavelmente nenhum outro, com um outro sobrenome teria tido a chance de trilhar... mas o caminho foi aberto. Aberto e percorrido, com o menino carregando uma cruz que seria, esta sim, difícil de suportar. A cruz de seu sobrenome do meio.

 

Era uma vez uma angustiada mãe. Viúva, com dois filhos pequenos e dois grandes traumas familiares para ter que lidar.

 

Mais que isso, é preciso lembrar que uma estrada não é feita de uma camada de asfalto jogado sobre qualquer superfície: é preciso prepará-la, tem o cascalho, a brita, a compactação do terreno, a compactação das camadas, o tratamento e por fim o asfalto, que tem mais de uma camada por vezes. Uma estrada de vida não se constrói num estalar de dedos.

 

Foi angustiante vê-la na televisão, pouco antes do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, com lágrimas correndo no rosto, dizer que, em sonho, recebera uma mensagem de que estaria atrapalhando a vida do próprio filho. Porque tanto tempo depois? Será que os sinais não estiveram todo o tempo ali?

 

Talvez tenha sido uma mórbida coincidência – ou foi mesmo intencional – da televisão que transmite a corrida aqui no Brasil colocá-la em rede nacional fazendo um “meã culpa” que não precisava ser exposto assim desta forma. Certamente você o fez diante dele. A provável ânsia de encontrar uma desculpa de negar o inegável como eles vinha fazendo sobre os pilotos da Williams para 2013. Se realmente o foi, explica... mas não justifica.

 

O destino reserva a ambos uma oportunidade única de se buscar um meio de se resgatar um longo tempo perdido.

 

Ainda há uma chance, remotíssima, mas ela existe, de se conseguir um lugar minimamente decente para, quem sabe, uma última chance para seu filho se firmar na Fórmula 1: a Force Índia. Talvez uma questão de números. 20 milhões de dólares, quem sabe. Algo grande, pela monta, mas pequeno se visto, talvez, como alívio da cruz colocada nos ombros de um menino de 10 anos de idade que queria ser piloto de Fórmula 1.

 

Beijos do meu divã,

 

Catarina Soares 

 

 

Last Updated ( Monday, 24 December 2012 23:42 )