A crise de gestão no automobilismo brasileiro (1º Parte: a imprensa) Print
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Sunday, 23 October 2011 22:57

 

 

Nos últimos anos temos vivido uma série de problemas e questionamentos intra e extrapista no nosso automobilismo. Desde pesos e medidas sem a mesma lógica em decisões dos comissários durante as corridas, a regulamentos que dão margem a diferentes interpretações, termos praças de esportes sendo destruídas ou sob risco iminente de desaparecer e até mesmo a prisão de dirigentes. Vivemos uma crise de gestão no automobilismo brasileiro? Sendo este o caso, o que pode ser feito? Com a palavra, a imprensa!

 

Fabio Seixas: Jornalista do grupo Folha. 

 

A gente já passou deste estágio de crise de gestão no automobilismo brasileiro há algum tempo. O que vivemos hoje é uma falta de gestão no automobilismo nacional. A CBA hoje está acomodada numa posição “confortável” de apenas chancelar campeonatos, sem mexer um dedo sequer para promover, divulgar, organizar, regulamentar ou criar campeonatos.  

 

Os campeonatos que temos hoje são todos organizados por empresas. Campeonatos na sua maioria monomarcas, sem apelo nenhum para o público e até mesmo para a mídia. Os campeonatos de monopostos tem aí grids reduzidíssimos, ambos fruto da iniciativa privada. 

 

A CBA esconde-se por trás deste “escudo” de que o papel dela não seria de organizadora, mas de apenas prover meios para os campeonatos e as provas acontecerem, com a designação de diretores de prova, de comissários técnicos, mas nem isso ela está fazendo direito, vide a insatisfação geral de pilotos e donos de equipe. Se o prejudicado hoje é a equipe X e o piloto A, amanhã vai ser a equipe Y e o piloto B. 

 

Quando a iniciativa privada toma conta de um evento esportivo, de uma categoria do automobilismo, todos os envolvidos estarão à mercê da competência ou não daquele organizador. Mesmo no caso dos que aparentemente fazem as coisas acontecerem da forma correta, as queixas são grandes e se, com eles, existem queixas, ainda tem os outros que não fazem as coisas certas e que está claro que, em seguindo-se como vai, a coisa está fadada a acabar. 

 

E nestas horas a quem se vai cobrar responsabilidades? O certo seria se cobrar a quem foi eleito para fazer com que o automobilismo funcione, certo? A gente está vendo as coisas tomando caminhos errados, estamos vendo os reflexos disso e as perspectivas ruins do que vai acontecer mais à frente. A continuar as coisas como estão, o futuro do automobilismo brasileiro é tenebroso. Ou vai acontecer conosco o que aconteceu em outros esportes, onde no tênis surgiu um Guga ou na ginástica uma Daiane ou logo não teremos mais expressão internacional no automobilismo. 

 

A única maneira que eu vejo para que se mude esta perspectiva sombria é uma mudança completa na cúpula do automobilismo brasileiro. Existem pessoas que ganham e ganharam muito dinheiro com automobilismo e que pelas figuras públicas e conhecidas que são tem muito mais condições de gerir, de captar patrocinadores, de mobilizar e de executar do que um “cartola” qualquer. Está na hora destas pessoas se articularem e fazerem algo. Estas pessoas deveriam fazer uma chapa e concorrer nas próximas eleições para a CBA. Eles são gestores competentes em seus negócios e poderiam perfeitamente fazer uma gestão melhor direcionada para os verdadeiros anseios dos que vivem no e do automobilismo no Brasil.   

 

 

Luiz Carlos Secco: Jornalista – hoje – independente, com mais de 4 décadas de jornalismo ligado ao automobilismo. 

 

Já faz muitos anos que eu não acompanho de perto o que vem acontecendo no automobilismo brasileiro, contudo, posso dizer que acompanhei todo o processo de formação da Confederação Brasileira de Automobilismo, desde o seu nascimento e o esforço e dedicação das pessoas que trabalharam para que ela fosse criada e pudesse assumir o seu papel.  

 

Eram grandes homens que tínhamos envolvidos e imbuídos deste propósito. Muitas vezes eram opositores uns dos outros, concorrentes, mas não inimigos. Todos lutavam por uma causa comum. 

 

É com tristeza que vejo os casos de pessoas ligadas ao automobilismo sendo afastadas e mesmo presas, não sei se por problemas direta ou indiretamente ligados aos assuntos do esporte a motor. O que certamente posso dizer é que sinto falta dos grandes dirigentes que nós já tivemos e que ocuparam os cargos mais importantes dentro da estrutura do automobilismo nacional como Ângelo Juliano (Automóvel Clube Paulista - Sucursal em São Paulo do Automóvel Clube do Brasil), Ramon Buggenhaut (responsável pela criação da Confedeação Brasileira de Automoblismo), Eloy Gogliano (presidente do Centauro Motor Clube), Charles Naccache, Piero Gancia, Mauro Salles, Carmine Maida... Eu não tenho notícias de que estas pessoas um dia tiveram seus nomes envolvidos em questões de ordem judicial ou que mesmo fossem questionados em relação as suas condutas, dentro ou fora da entidade. 

 

 

Rodrigo Mattar: Jornalista do portal Globo.com e do canal Sportv. 

 

Com certeza! Acompanho o automobilismo brasileiro há algumas décadas e confesso nunca ter visto uma crise tão grande na gestão do nosso automobilismo como a que venho presenciando nestes últimos anos. Vi diversas pessoas estarem à frente da administração do automobilismo brasileiro e nunca nenhuma ser tão contestada quanto a gestão atual. Tudo que foi feito – ou não feito – até agora tem sido alvo de muitas críticas, não apenas minhas, mas de muitos setores da imprensa especializada.  

 

Eu tenho sido um combatente do atual  modelo de gestão atual da CBA no que tange a inapetência dela em relação aos regulamentos das categorias e também com relação a ausência de bons autódromos. Atualmente temos apenas Interlagos e Curitiba dentro de padrões aceitáveis para a realização de provas com condição de trabalho para equipes, pilotos e imprensa, além do público. O resto a gente não sabe para onde vai.  

 

Não sabemos o que será o futuro de Brasília e de Goiânia. Não sabemos o que vai ser o futuro do automobilismo no Rio de Janeiro com a destruição iminente de Jacarepaguá e a incerteza sobre a construção do autódromo em Deodoro. Tarumã, a pista mais rápida do Brasil, praticamente não tem mais corridas, Cascavel está com um projeto novo, mas que ainda não foi começado, Guaporé recebeu um asfalto novo, mas Londrina recebeu em cima da hora da prova da Stock e foi aquele problema. 

 

Existe uma tal de uma comissão nacional de autódromos... mas o que ela faz eu não sei. Se ela não vistoriou ou se vistoriou e aprovou o asfalto de Londrina antes da etapa da Stock Cars, quem está nessa comissão não entende nada sobre autódromo! Os carros andaram meia hora e o asfalto começou a se desmanchar, soltar pedra pra tudo quanto é lado.  

 

Eu tenho pena das pessoas que gostam do esporte como nós, das pessoas que precisam do automobilismo para viver porque a situação é grave e eu não vejo luz no fim deste túnel escuro que tem sido a gestão do automobilismo brasileiro. A médio prazo, se forem tomadas medidas corretas, há como se melhorar, mas não vejo serem tomadas nem sequer medidas de curto prazo, imediatistas, emergenciais.  

 

As pessoas que estão hoje à frente da CBA deveriam “pedir o boné”, sair. Convoca novas eleições e abre espaço para quem tem vontade, força e capacidade assumir e tentar conduzir o nosso automobilismo de uma maneira mais eficiente, mais profissional. Na CBA são sempre as mesmas pessoas, mesmo quando troca o presidente. Tem sempre um articulador político que manipula o que acontece nos bastidores. Foi esse cara quem articulou a queda do Paulo Scaglione e colocou o Cleiton Pinteiro no lugar dele, com uma promessa de “fazer uma CBA de verdade” e que de verdade a gente não viu nada. É só promessa!  

 

Eu sou testemunha, ocular e auditiva, de que ele falou quando da discussão sobre o destino do autódromo do Rio de Janeiro esta pessoa falou: “Eu me acorrento ao portão do autódromo do Rio de Janeiro”... e não se acorrentou e nem vai se acorrentar coisa nenhuma. No final, vai “sobrar uma compensação financeira qualquer”  para que saia o tal “parque olímpico”, que será alvo da especulação imobiliária e que o autódromo de Deodoro pra sair, se sair, vai ser quase um milagre, ao passo de que, toda aquela área onde é o autódromo e seu entorno, vai ser entregue à especulação imobiliária.   

 

 

Carlos Cintra Mauro – Lua: Jornalista e comentarista da Master TV.  

 

Na minha opinião, não. Problemas e dificuldades não são um uma exclusividade ou um “privilégio” do automobilismo e estas coisas que a gente vê no automobilismo brasileiro hoje é algo que a gente vem vendo no automobilismo há muito tempo. Isso é aquilo que ele sempre foi. 

 

O nosso automobilismo viveu de um autódromo – Interlagos – apenas por muitos e muitos anos. Depois foram construídos alguns autódromos pelo país e estes autódromos envelheceram. Quando foram construídos atendiam as necessidades do automobilismo da época, para os quais foram construídos e hoje, em sua maioria estão defasados. Alguns foram remodelados, outros tem projetos para isso, outros estão como quando foram construídos. 

 

Quanto aos regulamentos, os regulamentos são internacionais, são regulamentos da FIA, não tem nada que esteja sendo feita diferente do que é feito em outros países pelo mundo afora. Se os regulamentos são ruins, são ruins no mundo inteiro e não é assim que as coisas são vistas lá fora. Agora, alguns regulamentos precisam e são adaptados à realidade brasileira, mais por uma questão de tradição e de nível de investimento que o automobilismo brasileiro deveria ter e não tem. Mas esta questão – dinheiro – não é responsabilidade das autoridades desportivas. 

 

Este aspecto financeiro já é um outro problema: porque que o automobilismo não consegue atrair investimentos para que ele seja melhor? Porque não existe um incentivo fiscal para as empresas que querem investir no esporte possam investir no automobilismo? Este assunto já entra numa seara que exige um debate mais aprofundado. 

 

Diante deste cenário, existem, claro, coisas que podem ser feitas: pode se criar mecanismos que permitam e incentivem os investimentos no automobilismo. Isso poderia fazer com que surgissem novas categorias, fortalecesse as já existentes, permitisse se fazer melhorias nos autódromos... mas o cenário nacional não é ruim. Temos um GP de F1, um GP de Fórmula Indy, temos uma etapa do WTCC, tem gente trabalhando para trazer uma etapa do mundial de Rally... ninguém está parado, agora, a falta de um programa que permita um aumento dos investimentos no automobilismo é um sério limitador e o automobilismo é um esporte que tem um aspecto de desenvolvimento educacional, técnico e social. Hoje, no Brasil, o automobilismo gera, por baixo, mais de 100 mil empregos diretos e indiretos. É algo que as autoridades precisariam enxergar por este ângulo.  

 

 

Edgard Mello Filho. Expiloto e jorna-lista, narrador do Racing Festival e da moto 1000GP. 

 

Falar sobre gestão do automobilismo no Brasil, nomeadamente a CBA, é realmente algo que cansa a gente. O tempo passa e as coisas infelizmente não mudam. Trocam algumas pessoas, mas as pessoas  novas que chegam não tem procedência, não tem vivência, não tem experiência... mas isso é uma coisa antiga. Tirando raríssimas exceções, coisa de duas ou três pessoas que realmente entendem de gestão de automobilismo, o restante tem deixado muito a desejar. 

 

Recentemente a coisa chegou a níveis cômicos... eles conseguem tomar decisões umas piores que as outras. O que aconteceu na Stock Cars, do piloto ganhar, mas não levar, do que não ganhou, mas se os outros fossem desclassificados ganhariam e não ganharam. Daí o regulamento foi modificado, mas é o que está em vigência... e vale por 30 dias. Pera aí... não pode ser assim. Eu nunca vi na vida uma mulher “meio grávida”. Ou está ou não está!  

 

Nas minhas poucas andanças, ultimamente, venho observando com mais cuidado, com mais carinho o trabalho dos comissários e são poucos os que vejo trabalhando com segurança no que faz, com carinho, com dedicação, com conhecimento. Gente que tem a legislação na cabeça. Só que muitas vezes, estes que tem esta característica, são obrigados a se reportar a uma pessoa que está lá há “200 anos” e aí entram os fatores que não são “exclusivamente técnicos”, que pesam os “critérios políticos”. Quem é, de quem se trata, do que se trata, que conseqüências isso pode gerar e que proveito podemos tirar disso amanhã... e é aí que a coisa complica. 

 

Então, o problema da reciclagem dos diretores e comissários é um. O dos presidentes é outro. Vem aí um fenômeno que são os cometas... presidentes cometas que caem, literalmente caem, na CBA e que quando a gente vê o nome a pergunta é: quem é este cidadão, de onde ele vem, o que ele fez para chegar a este lugar? Este senhor que hoje ocupa a presidência da CBA, que me parece uma pessoa muito simpática, muito bem intencionado... ta. E aí? De quem ele está cercado? Sim, porque ele precisa ter outros com ele. Sozinho ninguém faz mágica. E nessas horas é que a coisa pega, porque a estrutura está viciada. 

 

Falar dos nossos autódromos é uma coisa que dá pena. Nossos circuitos estão completamente defasados, mal cuidados e sem condições de receber bem qualquer etapa de uma categoria mais bem estruturada. Em Brasília ainda se tem o asfalto que lá foi colocado em 1974... quase quarenta anos sem recapear. O nosso automobilismo, a nível nacional, vive de São Paulo. Curitiba ainda tem um bom autódromo. O Rio de Janeiro tem um futuro incerto. Nada se sabe ao certo sobre Deodoro.  Tinha aquela coisa de que Jacarepaguá só seria fechado quando fosse construído o novo autódromo... me engana que eu gosto! 

 

Eu não vejo na CBA vontade política de melhorar. Se houvesse isso, já teríamos, por exemplo, pilotos trabalhando como comissários em provas. Nem precisa dar uma caneta pra ele. Quem gosta de caneta é o pessoal que entra pra CBA. Pra multar, pra punir... porque não se faz reunião com os pilotos, com os chefes de equipe para se elaborar melhor regulamentos e campeonatos? Deve dar muito trabalho... mas fácil juntar meia dúzia de pessoas e fazer regulamentos que depois terminam cheios de adendos. 

 

Esta é uma das causas deste hiato que temos entre o que fomos no cenário internacional e o que somos hoje. Hoje temos o Rubinho em final de carreira, o Massa com mais alguns anos e uma talvez possibilidade com o sobrinho do Amir [Nasr], o Felipe. O automobilismo brasileiro carece de base. E eu não vou nem no kart... hoje a CBA comemora um grande número de inscritos, mas se a gente for ver quem está realmente correndo para o futuro, não se vê muita gente.  

 

Eu gostaria de ver na presidência da CBA pessoas que realmente militaram no automobilismos, que sabem o que é roer o osso, que sabem o que é dificuldade e que tem conhecimento e embasamento para fazer algo pelo automobilismo brasileiro. Mesmo que não fosse a presidência, mas que houvesse um colegiado de pilotos e expilotos que fosse ouvido e que pudesse apresentar propostas de melhorias e que essas fossem levadas adiante.  

 

O problema é que as decisões tomam um peso político muito grande e a parte que faz o espetáculo, que são as equipes, os pilotos e aqueles que vivem delas, como os mecânicos é quem sofrem com os desmandos, com as incoerências de categorias que nada levam a acrescentar, que competem umas contra as outras ao invés de agregar, de decisões que são tomadas para agradar A ou B. Não sei se tem, mas não duvido de que, se for interesse, a gente vai descobrir uma federação de automobilismo até em Fernando de Noronha. Lá se corre de que? De caranguejo ou de siri? Quando é que piloto vai votar numa eleição de federação ou confederação? Isso cansa! 

 

Para mim a CBA está completamente perdida e isso afeta diretamente o futuro dos pilotos, que não sabem mais para onde ir, como direcionar uma carreira, o que esperar daquela que deveria ser a casa, o porto seguro, a guarida deles e não é. Eu esperava que as pessoas e os processos evoluíssem, que as coisas melhorassem, mas eu vejo apenas que, se não mudou, quando mudou, mudou para pior.   

 

Last Updated ( Sunday, 23 October 2011 23:36 )