Automobilismo Brasileiro: O tamanho da crise. (2ª Parte) Print
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Monday, 01 June 2015 18:05

Com as mudanças anunciadas no final do ano passado, quando a VICAR decidiu reunir as categorias que promove, passamos a ter apenas dois eventos nacionais com forte apelo popular, que “enche autódromo” (os “Eventos VICAR” e a Fórmula Truck), tendo como “sobreviventes em âmbito nacional” a Sprint Cup e a Porsche Cup.

 

Se analisarmos o cenário ao longo da última década, onde diversas categorias deixaram de existir, devemos considerar esta situação como uma evidência de que o nosso automobilismo está falindo?

 

É possível reverter este quadro e voltarmos a ter mais eventos nacionais? 

 

Andreas Mattheis – Proprietário da equipe AMattheis na Stock Car.

 

Eu não diria falido, mas o automobilismo brasileiro está tendo que se adaptar a uma nova realidade, que veio desde 2008/2009 quando veio a crise econômica mundial, que mexeu com o automobilismo no mundo inteiro uma vez que afetou a indústria automobilística e não apenas ela, mas as economias como um todo. O dinheiro ficou mais difícil de ser conseguido em todos os setores.

 

Nós vivemos no “país do futebol” e não adianta querer brigar contra esta realidade. Temos é que lidar com ela e fazer o que é possível dentro dela. É o esporte de maior visibilidade no país e é natural que ele atraia mais patrocinadores. Quem tem um produto, quer que ele seja visto.

 

Se você tem um evento, tem que torná-lo o mais interessante possível para que ele atraia patrocinadores e a VICAR chegou a conclusão de que fazer um evento num final de semana onde o público fica horas no autódromo esperando para assistir uma corrida no domingo poderia se tornar mais atrativo se fossem reunidos mais eventos.

 

Eu considero ter sido uma decisão inteligente por parte deles reunir ao evento Stock Car o Brasileiro de Marcas, a Fórmula 3, o Brasileiro de Turismo e o Mercedes Challenge uma vez que deixa o espectador de automobilismo com diversas corridas para assistir ao longo do final de semana.

 

Beto Monteiro – Piloto da Equipe Lucar Motorspors IVECO na Fórmula Truck.

 

O automobilismo, não apenas no Brasil, como no mundo inteiro vive do dinheiro do marketing que as empresas que investem nas equipes, nos pilotos, no evento em si para que ele possa acontecer. Este dinheiro está ficando cada vez se conseguir, não só aqui, mas em todos os países.

 

Fazer algo como o que a VICAR decidiu fazer, de reunir suas categorias para fazer eventos dom três ou quatro delas correndo juntas no mesmo final de semana foi, a meu ver, uma medida inteligente, pois é uma forma de você minimizar custos e diante das dificuldades que o país está passando, é preciso mesmo se encontrar soluções mais econômicas para que o automobilismo continue existindo.

 

Como vocês disseram e a gente que está no automobilismo viu e sentiu isso, as categorias foram parando nos últimos anos, com seus promotores sem conseguir levá-las adiante. O que o futuro nos reserva depende diretamente de como será o futuro do Brasil nos próximos anos. Se o país melhorar, o automobilismo pode voltar a crescer.

 

Cacá Bueno – Piloto da Equipe A.Mattheis na Stock Car e da Blancpain Series.

 

O problema não está no automobilismo ou não só no automobilismo. O mundo entrou em crise e o país entrou também, um pouco depois, mas entrou. O dólar disparou e uma grande parte dos componentes dos carros de corrida vem do exterior, encarecendo mais uma coisa que já é cara por natureza.

 

Não bastassem os custos externos, ainda temos os custos internos com a inflação disparando e as empresas de um modo geral estão retraindo seus investimentos em marketing em geral, e temos sentido isso muito na área de marketing esportivo . A VICAR tem um negócio e procura gerir seu negócio de formas que ele seja viável.

 

Todo este quadro tem afetado o automobilismo como um todo e unir eventos para que eles aconteçam no mesmo final de semana não só diminui o custo operacional do evento, mas também aumenta o número de atrações para quem vem ao autódromo tendo quatro corridas para assistir no final de semana.

 

O lado negativo é que neste modelo isso tira a oportunidade de alguns pilotos ou de algumas equipes que não tem como poder participar de outros eventos, outras corridas e que, no meu caso, acabou levando a buscar uma alternativa internacional, mas que é algo que não é simples para todo mundo, muito pelo contrário.

 

Tem o lado positivo para público e para o promotor, tem o lado negativo para os pilotos e equipes, mas é o que temos dentro da realidade que estamos vivendo. É o momento que estamos vivendo e acho que a gente não pode criticar a VICAR  por ter feito o que fez. Vamos ser sinceros: você vinha assistir uma corrida de outras categorias que hoje correm junto com a Stock e as arquibancadas estavam vazias! Agora eles estão correndo com público.

 

Como é que você custeia uma categoria que não leva público, que expõe pouco sua marca, seus patrocinadores? As categorias que levam público para o autódromo aqui no Brasil são a Stock Car e a Fórmula Truck. Talvez ter quatro categorias correndo no final de semana seja muito, ter apenas a Stock Car, certamente é pouco. A Fórmula Truck, não sei porque, nunca buscou ter uma outra categoria correndo com ela no autódromo, categorias de acesso, categorias base.

 

Se vocês forem num final de semana na Inglaterra em um autódromo verão que é assim, com várias categorias correndo juntas, num grande festival de velocidade, com várias categorias correndo juntas.

 

Djalma Fogaça – Proprietário e piloto da equipe DF Motorsport na Fórmula Truck.

 

Quando a gente vai falar sobre um assunto como esse seria melhor se a gente tivesse um parâmetro mais amplo do que acontece fora do Brasil. Por exemplo: você acompanha a V8 Supercars na Austrália, mas dificilmente vai saber a realidade do automobilismo do país. Quantas categorias correm junto com eles? Quantos carros tem? Você só sabe da categoria principal. O mesmo a gente pode dizer dos outros países.

 

Sobre a nossa realidade eu posso falar e o que a gente vê aqui é um modelo de automobilismo que é o mesmo há quanto tempo? Dez anos, talvez mais, em alguns casos mais... e com isso vai ficando repetitivo, o patrocinador vai cansando, o público vai cansando... então o promotor tem que ser criativo, tem buscar meios de motivar o meio que o cerca para seu produto continuar em alta.

 

O automobilismo, é um evento de entretenimento para o público e quando eu falo público não é somente aquele que curte a corrida, que vem para o autódromo, que paga o ingresso. É também o cliente que traz convidados para seus camarotes e que são parceiros comerciais, fornecedores...

 

A Stock Car hoje tem um atrativo a mais. Ela tem atrações que não se vê em nenhuma outra categoria e a Fórmula Truck, que sempre teve um grande público, que já foi muito maior que a Stock Car está ficando para trás, ao meu ver, a Stock Car já ultrapassou a Fórmula Truck como show, como espetáculo.

 

A Fórmula Truck precisa criar novas coisas, novos atrativos. Categorias interessantes, fortes, com apoio de montadoras como a Clio da Renault, como o Fiat Racing Festival e outras encerraram atividades. O promotor precisa estar atento para o fato de que o espetáculo não pode ser apenas a sua corrida em si. Ela, sozinha, não se garante. Ele precisa ter um conjunto de atrações e ter outras categorias correndo, ter mais ação na pista, com qualidade, é importante.

 

José Cordova – Proprietário da equipe Cordova Motorsport no Mercedes Challenge.

 

Como evento, a VICAR acabou fazendo como se fazem os eventos ingleses, americanos, onde se juntam diversas categorias pra poder ter um evento com mais corridas, mais atrações. Mesmo pra nós, que temos que ficar nas barracas, como evento, como visibilidade, é melhor.e mostra a nossa categoria para quem vem assistir a Stock Car. Ainda estamos nos acostumando com este novo formato, mas a gente se ajustar é só uma questão de tempo.

 

Agora, o problema continua na falta de categorias de base, que precisaríamos ter e não temos. Você tem um evento com quatro categorias correndo para o público é muito legal. Eles tem corrida o dia inteiro para assistir. O problema é que não tem um promotor, uma montadora, ninguém disposto a investir em uma categoria de base.

 

Não falo apenas em termos de categoria de fórmula, mas também categoria de carros com motor 1.6, de custo baixo, colocar 50 carros no grid como a gente vê na Inglaterra. Lá tem evento com 10 categorias no final de semana. Agora, é preciso se criar isto, dar este apoio, investir para acontecer e ganhar de outro lado. Qualquer categoria aqui das que são geridas pela VICAR o orçamento, o investimento por temporada é muito alto as mais baratas são a Mercedes e a Turismo e ambas são caras, pesa no bolso. O problema é como se fazer estes eventos com categoria de base? Aqui na VICAR é complicado, uma vez que eles já estão com muitas categorias correndo juntas. Se a gente tivesse uma categoria de fórmula com chassi tubular e uma de 1.6 a nível nacional aqui no Brasil seria fantástico. Tem algumas regionais, mas ter nacionais seria importante.

 

A falta dessas categorias acaba prejudicando a formação de pilotos no Brasil porque essas categorias os pilotos conseguem treinar por ter um custo baixo. Aqui, nas categorias da VICAR você tem duas sessões de uma hora de treinos e só. Aí é classificação e corrida. Sem treinar o piloto não aprende. Nos regionais, o piloto aprende uma pista, duas, não aprende muitas pistas, correr em condições de asfalto, de grip, diferentes. Aí vai para a Europa e anda atrás!

 

É preciso fazer automobilismo com condição acessível, que uma temporada custe 150, 200 mil reais no máximo. Aqui nas categorias da VICAR com menos de 600 ou 700 mil você não corre e quando vai correr vê um Rubinho Barrichello com apoio da Renault correndo contra você. Você, novato, vai colocar seu dinheiro nessa disputa? Não vai! A CBA apoia, mas não promove evento. Hoje está tudo na mão da VICAR. Falta uma Copa Corsa, uma Copa Clio, uma Copa Fiat. Isso colocava 50 carros na pista fácil! Mas precisa de apoio e esse não tem.

 

Rodrigo Contim – Chefe da Equipe Hitech na F3, Brasileiro de Turismo e Mercedes Challenge.

 

Essa opção da VICAR em concentrar em um só evento as suas categorias é algo que atinge várias esferas. A VICAR tem a dela, as equipes de cada uma das categorias tem as delas, os pilotos, idem e cada uma tem um interesse. É a televisão, a publicidade, a exposição dos patrocinadores e eu entendo que o negócio tem que ser visto como um todo.

 

Em um primeiro momento eu não tinha gostado desta alteração, obviamente por estar em três categorias e ter todas reunidas como acontecerá por vezes no mesmo final de semana  geraria um acúmulo de trabalho muito grande, obrigaria nos a ter que levar uma quantidade maior de pessoas para o autódromo, complicaria a nossa logística.

 

Pelo lado da VICAR e do evento como um todo, está sendo positivo, seguindo uma tendência internacional e reunindo os eventos ele acaba reduzindo os custos de locação com autódromos e também fazendo do evento uma atração maior para o público. Se num lugar eles iam três vezes no ano, agora estão indo duas ou uma e com um evento com mais atrações o que será um atrativo a mais para o público.

 

Para as televisões acredito que também seja positivo. Ficando tudo no mesmo final de semana não é preciso deslocar pessoal e equipamento tantas vezes para fazer a cobertura e transmissão dos campeonatos... foi uma mudança para todo mundo e todos estão tendo que se adaptar.

 

Uma coisa para quem trabalha com automobilismo como nós na Hitech, que temos equipes em muitas categorias foi bom para nosso pessoal é que a concentração dos eventos em menos finais de semana está proporcionando para nós algo raro que é estar de folga nos finais de semana e podermos ficar em casa com nossas famílias. Com três equipes em três categorias, isso era muito raro até o ano passado. No somatório de tudo, acho que está sendo positivo.

 

Renato Martins – Proprietário e Chefe da equipe RM Competições na Fórmula Truck.

 

Eu vejo isso como uma situação de momento, mas de um momento que está se prolongando. Há algum tempo estamos passando por uma crise generalizada e o setor automotivo está sofrendo as consequências disso. Com tudo o que está acontecendo, o patrocínio está muito difícil e este ano está pior até do que no ano passado, quando tivemos a copa do mundo para concentrar ainda mais as atenções no futebol.

 

O que a VICAR fez foi reunir seus eventos em torno do maior deles, que é a Stock Car, que apesar das dificuldades vem se mantendo, mas que sabemos bem que um número considerável de equipes vem passando por problemas financeiros não só pelo auto custo da categoria mas também pela escassez de verbas para publicidade. Você vai lá bater na porta do pessoal do marketing e não tem ninguém lá dentro!

 

Apesar de todo este cenário, de momento negativo, eu acho que o Brasil tem muito campo para crescer no meio do automobilismo. Apesar do momento atual, eu vejo esta concentração de eventos que a VICAR optou por fazer como uma loucura, mas a questão é que este formato barateou os custos deles. Eles tinham 20 datas em que alugavam os autódromos para seus eventos e agora tem quantas? 12? É uma economia!

 

A Fórmula Truck segue o caminho inverso correndo sozinha e eu penso que deveríamos ter uma outra categoria correndo junto conosco há algum tempo. Não apenas para reduzir os custos, dividindo despesas, negociando um produto diferente com a administração do Autódromo, além de oferecer mais atrações para o público.

 

Agora, isso depende muito da boa vontade dos organizadores em negociar os termos, os espaços dentro do autódromo, as televisões, mas se a VICAR consegue fazer com tanta gente junta no final de semana, a Fórmula Truck também tem condições de fazer.

 

Acho que a Truck poderia ter uma corrida no sábado e uma preliminar no domingo pela manhã. É uma questão de adequar o cronograma. A categoria tem muitas atividades, tem volta rápida, visitação nos boxes, mas a Stock Car também tem e eles conseguem. É preciso tentar e procurar sempre estar fazendo algo melhor.

 

Samir Nasr – Sócio da Equipe Amir Nasr Racing no Brasileiro de Marcas.

 

Eu não sou muito favorável ao modelo que está sendo utilizado hoje. Eu acho que “espremeu” demais as categorias, diminuiu o grid de algumas uma vez que elas estão correndo no mesmo final de semana e não são todos os pilotos que conseguem, como alguns poucos estão fazendo, correr em mais de uma delas.

 

Por outro lado, a Stock Car atrai uma quantidade de público que para as categorias que tinham menos visibilidade naturalmente se beneficiam, mas reunir tantas categorias no mesmo dia criou complicações para as equipes. A exposição é positiva, fazer uma parte do campeonato, metade, por exemplo seria suficiente. O Marcas, a Fórmula 3 tem 8 etapas. Fazer quatro com a Stock e outras quatro não. Exporia o campeonato, cortaria custos, mas não deixaria o autódromo tão lotado. Do jeito que decidiram fazer foi muito ao extremo.

 

Quanto ao modelo do automobilismo brasileiro estar falido ou não, eu acho que vem passando por uma decadência muito grande, principalmente em termos de categorias de base. A parte profissional , de pilotos com quilometragem está concretizada, tem uma estrutura adequada para eles, mas o modelo que precisaríamos para formar novos talentos para que eles cheguem ao platamar dos melhores pilotos da atualidade está muito aquém do que é preciso.

 

Parece que ninguém está vendo que o país precisa de categorias de base... base mesmo, de formação, para o piloto que sai do kart. Com isso eu vejo a “molecada” perdida. Eu não acho que a Fórmula 3 seja a melhor opção para um garoto que sai do kart. Ela é uma categoria de ascensão, é pra quem está trabalhando para ir embora tentar uma carreira no exterior.

 

Aquela categoria de base em que a gente observa o garoto, avalia o potencial para ver qual caminho será o melhor para ele não existe. Uma teria que ser sequência da outra. Este formato que a Stock Car implantou de monomarca, mono preparador, “monotudo”, sem treinos entre as corridas é muito negativa. Piloto aprende treinando, sem treino não adianta.

 

Tem que treinar muito, aprender a desenvolver o equipamento. Isso é o que propicia a formação, o aprimoramento não só do piloto, mas também do mecânico, da equipe. Algo que era positivo e importantíssimo que nós tínhamos 10 anos atrás foi perdido. Não temos mais e o resultado disso está aí: quem é o piloto brasileiro se destacando no automobilismo mundial? 

Last Updated ( Monday, 01 June 2015 18:22 )