Automobilismo Brasileiro: O tamanho da crise. (1ª Parte) Print
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Saturday, 28 March 2015 20:15

Com as mudanças anunciadas no final do ano passado, quando a VICAR decidiu reunir as categorias que promove, passamos a ter apenas dois eventos nacionais com forte apelo popular, que “enche autódromo” (os “Eventos VICAR” e a Fórmula Truck), tendo como “sobreviventes em âmbito nacional” a Sprint Cup e a Porsche Cup.

 

Se analisarmos o cenário ao longo da última década, onde diversas categorias deixaram de existir, devemos considerar esta situação como uma evidência de que o nosso automobilismo está falindo?

 

É possível reverter este quadro e voltarmos a ter mais eventos nacionais?

 

Eduardo Homem de Melo – Comentarista da TV Bandeirantes e Bandsports.

O nosso automobilismo não está falindo... ele já faliu há muito tempo! O problema é geral, no país, com todos estes escândalos de roubo, corrupção, empresas quebrando, uma empresa como a Petrobrás numa situação como esta que está e junto com ela vai o automobilismo porque ela patrocina as duas: tanto a fórmula Truck como a Stock Car, e também o Brasileiro de Marcas.

 

Junte-se a isso a direção da CBA, com sua administração omissa, fraca em termos de empenho pelo esporte, uma prova disso foi a forma como deixaram desaparecer o autódromo de Jacarepaguá e a forma como a promessa da construção do autódromo de Deodoro vem sendo conduzida, onde até agora só se tem promessas e nada da obra começar.

 

Neste episódio do autódromo de Brasília, o que fez a CBA para impedir que as obras fossem interrompidas? Hoje não há a menor condição de se fazer uma corrida do que quer que seja, ali. Aí a gente vai vendo tudo isso e chega a conclusão de que o automobilismo está andando para trás.

 

A gente sabe que o primeiro esporte do Brasil é o futebol. É ele que “paga a conta”, apesar do que vimos na copa, com aquela coisa medíocre que foi nossa atuação, mostra que até eles estão passando por uma situação difícil, sem produzir bons times, bons jogadores, e com estas arenas aí que vão ficar às moscas, mas ainda assim eles tem patrocínio, injeção de verbas das televisões.

 

No automobilismo o que temos são categorias acabando por falta de apoio e a VICAR foi obrigada a fazer esta junção das categorias todas em eventos únicos, de forma inteligente para reduzir os custos. De 24, 25 finais de semana eles agora vão usar 12. Eles não estão errados, pelo contrário, estão certíssimos e a CBA é responsável por este estado que o automobilismo se encontra por sua ineficiência.

 

Hoje eu vejo como uma situação sem saída esta na qual estamos. Primeiro peja situação econômica que o país atravessa e depois, se formos considerar esta direção da CBA, que já está em seu segundo mandato e que não fez nada nestes cinco ou seis anos, não vai ser agora que irão fazer.

 

O automobilismo vive dos organizadores, dos promotores, então tinha que haver um empenho da CBA junto com estes promotores e outros que já promoveram para que categorias fossem criadas e não extintas. E qual deveria ser o papel da CBA neste processo? Tem o promotor, o cara que vive disso, que entende disso, que faz automobilismo, que abe onde buscar patrocínio, que sabe como fazer um evento, como colocar este evento na televisão. A CBA tem que se limitar à parte técnica e desportiva. Eles precisavam trabalhar em parceria, em sintonia com estes promotores, dando uma chancela oficial para que estes tivessem meios de conseguir mais patrocínios. Só que aqui, a CBA se mete onde não deve, onde não entende e acaba dando nestas bobagens que a gente vê.

 

Eduardo Antonialli – Assessor de Imprensa da VICAR.

Eu vejo como um problema muito maior do que uma crise no automobilismo. É uma crise no país inteiro. Está todo mundo apertando o cinto, até o futebol, que é o principal esporte do país a gente está vendo muitos times em crise. A maioria dos grandes times do país tem salários atrasados, dívidas com credores, com o governo, com direito de imagens atrasados...

 

No caso do automobilismo a regra é a mesma e sem a mesma exposição, o mesmo apelo de imagem, de mídia que tem o futebol. Varias categorias foram extintas. Algumas que surgiram duraram quatro, cinco anos, outras nem isso. No ano passado tivemos a copa do mundo e ano que vem teremos as olimpíadas, eventos que canalizaram muitos patrocínios, reduzindo os investimentos em esportes que não fazem parte destes eventos.

 

Voltando a questão da crise, como disse, vejo como uma crise do país e não apenas econômica, mas também cultural. Apesar de tudo, ainda temos dois promotores conseguindo fazer eventos que conseguem atrair grandes pilotos, grandes públicos e que uma puxe a outra, apoie a outra. Vejo as duas com um bom relacionamento, tanto que tivemos quatro pilotos da Fórmula Truck na corrida de duplas em Goiânia.

 

Quanto mais categorias fortes tivermos no Brasil,  melhor será para o automobilismo. No momento, estamos todos fazendo o que é possível no momento para que as categorias possam ter o máximo de visibilidade e divulgação. Esta crise no país não pode durar pra sempre.

 

Fabio Seixas – Jornalista do Sportv e da Folha de São Paulo.

Infelizmente este é um processo que nós que cobrimos o automobilismo estamos vendo há algum tempo. O automobilismo vem se tornando cada vez mais caro, mais inacessível e se a gente olhar para trás e ver como foi a trajetória dos pilotos que levaram o automobilismo brasileiro a ser um automobilismo de referência, de sucesso, vamos ver que havia um custo mais acessível e um número de praticantes muito maior.

 

Isso é matemática: se você tem mais pessoas praticando um determinado esporte, você vai ter mais possibilidades de garimpar grandes valores. Se você tem menos gente praticando este esporte, vai ficar na dependência do surgimento de um fora de série. Além disso, sem referências, como vai atrair novos praticantes para o esporte?

 

Esta polarização, colocando as categorias do automobilismo no controle de duas ou três empresas, apenas vai fechar ainda mais este círculo. Concorrência é algo que costuma ser saudável. Quanto mais empresas você tem em um ramo de atividade, acaba obrigando as empresas a trabalhar mais, se esforçar mais, buscar excelência para conquistar um público consumidor. Assim também tem que ser o automobilismo: capaz de atrair mais e mais público e nisso vem tudo. Vem mais exposição, mais interesses de patrocinadores, mais retorno.

 

Esta concentração de categorias nas mãos de poucas pessoas, de poucas empresas, pode acabar criando uma condição de se ter um produto de qualidade pior e se isso acontecer, o cenário que já é preocupante vai ficar ainda mais preocupante. Para agravar tudo isso, eu não vejo, e já deixei de ver há muito tempo, qualquer possibilidade de uma ação da CBA para que alguma coisa mude neste cenário.

 

Luis Ferrari – Assessor de Imprensa da Porsche GT3 Challenge Cup.

Eu acho que como em qualquer cenário de crise, haverá dificuldades para todos os setores da economia e nós estamos vivendo um cenário de crise, apesar disso, tem gente chorando e outras vendendo lenço. Estamos passando por uma crise econômica, uma crise política e o automobilismo não iria passar ao largo dela.

 

Eu gostei da iniciativa da VICAR. Eu não via o campeonato brasileiro de marcas e pilotos como um campeonato com grande apelo popular. Trazer este campeonato para correr junto com o campeonato da Stock Car pode dar uma sobrevida pra esta categoria e, eventualmente, trazer outras montadoras para o campeonato. A Stock já teve ‘bolhas’ outras montadoras, hoje só tem duas, mas, quem sabe, não poderão vir outras.

 

A gente não pode ter uma visão fatalista da situação. Eu sou assessor também do Super Kart Brasil, que é um super evento de kart no país e que duas semanas atrás, na reabertura do kartódromo de Interlagos, levou 103 pilotos pra pista. Não era campeonato brasileiro nem nada, era uma das etapas do SKB. Meninos de 8 a 11 anos andando o final de semana e vindos do país inteiro. Eram pilotos de 13 estados diferentes, de todas as regiões.

 

Se a gente tem pilotos assim, no país inteiro, investindo no kart, é preciso que os promotores vejam isso e criem meios para que esses meninos continuem correndo depois de adultos. Não adianta ficar chorando e reclamando. Potencial tem, é preciso trabalhar e fazer o automobilismo cada vez mais forte.

 

Livio Orichio – Correspondente Internacional do portal Globo.com.

A primeira providência para se mudar o cenário atual do automobilismo brasileiro seria termos uma entidade com credibilidade, com ‘lastro’, ou seja, a Confederação Brasileira de Automobilismo ser gerida por um grupo de pessoas que, de fato, se interessem pelo bem do automobilismo em primeiro lugar.

 

Se olharmos para o nosso esporte a motor, não se vê nenhum projeto da Confederação Brasileira de Automobilismo chegar nas mãos de uma montadora. O Brasil produz hoje cerca de três milhões de automóveis por ano. A Europa inteira faz onze milhões, atualmente. Temos um número elevadíssimo de montadoras no mercado nacional, mais de 20, com certeza. Quantas estão envolvidas diretamente em competição? Quase nenhuma!

 

Porque isso acontece? Será que não tem empresários competentes, capazes de promover um evento? Obviamente que temos e pessoas da mais alta competência. Porém, não temos uma entidade com crédito para dar suporte a este projeto e ir, junto com o empresário, apresentar este projeto e a montadora levá-lo a sério e se interessar, investir acreditar que aquele investimento dará retorno para a montadora e que vier a tomar parte deste projeto.

 

Aqui no Brasil o automobilismo sobrevive, em boa parte, do idealismo de alguns indivíduos, que partem para projetos pessoais, evidentemente pensando em ganhar dinheiro e não há mal nenhum nisso, mas que quando precisam do suporte da Confederação Brasileira de Automobilismo, só se dão mal. Pagam taxas que não são baratas e não tem retorno nenhum.

 

Milton Alves – Assessor de Imprensa da Fórmula Truck.

Essa é uma questão extremamente complexa e está intimamente ligada a situação econômica pela qual passa o país, que um momento complicadíssimo. Todo dia é um escândalo novo, uma denuncia nova. Todos sabemos que o país passas por uma crise financeira e o automobilismo não teria como deixar de ser afetado. Ele faz parte do todo na sociedade brasileira.

 

Qualquer pessoa minimamente ligada ao automobilismo sabe que, sem dinheiro, não se faz automobilismo. Existe uma ‘máxima’ que diz que “automobilismo é um esporte onde se coloca dinheiro sob o capô e ele sai pelo escapamento”.

 

Eu não respondo pela VICAR, estou apenas relatando a minha visão. Ela uniu dois eventos onde ela tinha duas despesas, dois aluguéis de autódromo e ela “enxugou” este custo. Se foi uma decisão correta ou não, se vai dar certo ou não, só o tempo vai dizer. Eu vejo isso como um reflexo da condição atual que vivemos no país.

 

Ficamos com apenas dois eventos de grande porte no país? Sim! A Fórmula Truck é o maior evento de automobilismo em termos de público no país. Talvez o campeonato da Porsche pudesse levar público, mas os próprios pilotos da categoria não tem interesse que isso aconteça. O evento tem divulgação, tem transmissão na televisão, mas não tem arquibancada. É algo que eles preferem assim e ninguém pode interferir nisso.

 

Apesar deste “enxugamento”, acho que estamos longe do fim do automobilismo. Eu penso que a Confederação Brasileira de Automobilismo deveria ter uma atuação maior neste cenário e criar condições para que o automobilismo cresça, principalmente nas categorias de base. O Kartismo é a base de tudo, mas depois tem que haver categorias de monopostos com uma potência menor do que a dos Fórmula 3. Se o piloto vai para o turismo, tem o Brasileiro de Turismo.

 

Uma coisa que pouco se fala é nos campeonatos regionais. Eles são essenciais para a manutenção do automobilismo no país. Infelizmente os regionais nem sempre conseguem se estabelecer. Nas regiões sul e sudeste, eles são fortes, em outros locais, quando existem, lutam para sobreviver. A CBA precisa ser uma fomentadora do automobilismo e não somente uma “arrecadadora”.

 

Sérgio Lago – Narrador do canal Fox Sports.

É uma pergunta complicada... Eu vejo que as categorias principais do Brasil tem uma característica em comum e que é muito boa: elas dependem pouco do governo. Eu tenho uma convivência muito próxima da realidade do automobilismo norte americano, mas também acompanho o automobilismo brasileiro e acho que esta forma de agir, como uma empresa deve ser mais difundida.

 

Fazer automobilismo é complicado, seja lá onde for. É um esporte que tem muitos custos e não é nada barato. Eu digo que o exemplo da NASCAR é muito positivo. É tudo particular. É uma empresa e toda empresa para sobreviver tem que gerar lucro. E todos poderem ganhar com isso. É preciso atrair o público para expor os patrocinadores, para custear as despesas do autódromo. Tem que fazer um preço bom, promover bem o evento e fazer daquele evento uma coisa atrativa para a família, então o espetáculo tem que ser legal para todos.

 

Essa junção das categorias da VICAR me lembra as minhas idas à Jacarepaguá, onde tínhamos corridas o dia todo, várias competições, a arquibancada estava cheia... a gente via a pista inteira da arquibancada. A gente não ia pra ficar uma hora, uma hora e meia na arquibancada. A gente ia para um programa longo.

 

É preciso tornar o programa no autódromo atrativo para se passar o dia nele. Um autódromo raramente fica dentro da cidade. Você tem que se deslocar para chegar lá, tem que estacionar, tem que pegar um ônibus ou um metrô, caminhar... então tem que ser um lugar legal e um programa gostoso. Se todos trabalharem para fazer do evento automobilismo algo legal, ele cresce, dá lucro, todos ganham e ele se fortalece.

 

Claudio Carsughi – Comentarista de Automobilismo da Jovem Pan e Sportv.

O automobilismo brasileiro está passando por um momento extremamente difícil. O fato de termos apenas a Stock Car e a Fórmula Truck como categorias que tem um público cativo bem definido. Qualquer outra tentativa de se estruturar uma categoria tem esbarrado numa barreira que são os custos muito elevados, tanto de organização como de manutenção.

 

A Porsche Cup é uma categoria para ricos, que tem seus Porsches e vão lá correr, que querem se divertir e não há mal nenhum nisso, é algo que acontece muito de categorias assim na Europa e outras partes do mundo. É um mérito dos automóveis clubes e organizadores que conseguem mesmo trazer patrocinadores para estes eventos.

 

O grande problema que eu vejo no Brasil é que não há uma categoria com o gasto mais ou menos reduzido possa abrir caminho para um piloto se desenvolver e partir para a Europa, fazer uma carreira profissional no exterior e, eventualmente, chegar à Fórmula 1, que ainda é o sonho dourado da grande maioria.

 

A Fórmula Truck não tem nada a ver com a Fórmula 1. A Stock Car também não é um caminho para a categoria, Quem tem um pouco de qualidade e algum dinheiro, é forçado a ir embora do país e aqui fica o restante, que não teve como ir ou de permanecer por lá.

 

Eu não vejo uma possibilidade re reviravolta no cenário atual à curto prazo, principalmente com a crise econômica que se abate não apenas sobre o Brasil, mas vários outros países. É um problema, por enquanto, insolúvel.

 

 

Last Updated ( Monday, 01 June 2015 18:10 )