Kabocha! Print
Written by Administrator   
Friday, 08 January 2016 10:56

Vocês sabem o que é uma Kabocha?

 

Calma... não precisa fazer como aquela personagem da Escolinha do Professor Raimundo e ter uma ataque histérico achando que eu “só penso naquilo”. A Kabocha nada mais é do que uma variedade asiática da abóbora de inverno da espécie Cucurbita Máxima, muito apreciada e também cultivada no Japão. Em algumas culturas ele é reverenciado como um afrodisíaco, mas no caso, a referência e a relação com este artigo está mais para algo broxante.

 

Se um dia os japoneses ficaram conhecidos como “copiadores” de produtos de tecnologia europeus e americanos, há algumas décadas os filhos do sol nascente assumiram uma posição de ponta no mundo da tecnologia e, dentro deste meio, na indústria automobilística. Muitas vezes, produzindo coisas inovadoras.

 

E foi nessa de inovar que os japoneses da Nissan tentaram – mais uma vez – inovar ao buscar estabelecer uma equipe forte na categoria 1 de carros protótipos do Campeonato Mundial de Endurance. O mais uma vez, para quem não lembra, fica por conta do projeto “Delta Wing”, onde eles fizeram aquele comprido como uma linguiça, com uma base triangular na parte traseira. O “Quasimodo” até andava bem de reta, mas fazer curva era e continua sendo um problema sério.

 

A Nissan busca há tempos soluções inovadoras. Foi assim com o projeto "Delta Wing", depois com o NISMO.

 

No projeto que começou a ser pensado ainda em 2013, da mesma forma como foi no projeto do “Delta Wing”, o Nissan NISMO foi projetado com a ideia de se fazer um carro o mais eficiente e equilibrado possível. Foi dentro deste conceito que a equipe de projetistas achou que a melhor opção para se chegar onde a equação reunindo o melhor rendimento aerodinâmico e a melhor transmissão de força para o asfalto seria com um carro de motor dianteiro.

 

Segundo o Professor Pardal e equipe, usar um motor dianteiro daria uma liberdade maior para se criar um perfil aerodinâmico livre de interferências de componentes mecânicos do centro para a trás. Uma vez que um carro com motor central tem muito espaço ocupado pelo motor e seus componentes, a carroceria acaba fazendo um volume grande e obriga que os aerodinamicistas façam sistemas de extração e aerofólios que corrijam as turbulências geradas e isso acaba restringindo possibilidades de formas e desenhos possíveis.

 

O motor dianteiro não é nenhuma inovação, mas o conceito de se mudar a aerodinâmica era, ao menos, interessante.

 

Os ‘Japas’ não inventaram a pólvora (quem fez isso foram os chineses). O carro de corrida moderno com motor dianteiro (um conceito que mudou nos anos 60) não é nenhuma novidade. Na década passada os Panoz utilizaram motores dianteiros e era um carro que brigava de igual para igual com os concorrentes e conseguiu até um quinto lugar em Le Mans e um título de construtores.

 

No papel, a ideia era ótima. Com o motor colocado na dianteira, os projetistas teriam mais liberdade para canalizar melhor o ar, fazendo grandes passagens livres de ar ao redor da parte traseira da carenagem. Além disso, a ideia de usar pneus traseiros mais estreitos e sem necessidade de largas carenagens para cobri-los, então canais maiores podem ser feitos, criando um “efeito gota” no conjunto.

 

durante o segundo semestre de 2014 e o início de 2015, testaram muito nos EUA (Foto: Jalopnik) buscando acertar o carro.

 

O regulamento da LMP1, contudo, não é a casa da mãe Joana. O carro tem dimensões máximas externas (largura, comprimento e altura), mas há pouca coisa restringindo o desenho “interno”, como as passagens de ar e os dutos de ventilação ao redor do cockpit. O projeto do fluxo de ar estão do NISMO estava nas camadas intermediárias, ou seja, entre os painéis externos superiores e o assoalho.

 

Um outro ganho que os projetistas do carro da Nissan consideraram foi usar a seu favor a posição do escapamento. Partindo do princípio dos difusores de extração da F1, onde os gases de escape afetavam diretamente a eficiência do extrator e da asa traseira por conta da saída do escapamento ser posicionada de forma calculada perto destes componentes, no NISMO eles foram postados de forma similar, mas não no extrator traseiro, e sim na região central do carro. Posicionados sobre o capô e levemente deslocados para as laterais.

 

Com direito a foto oficial, o carro foi oficialmente apresentado para a mídia especializada em 2015...

 

Para ser o motor do carro foi escolhido um V-6 de 3 litros biturbo a gasolina, similar ao do GT-R de rua. O sistema híbrido ajuda a tracionar as rodas com uma potência que combinada com o motor a gasolina podendo chegar a 1.500cv. O plano inicial era chegar à 2.000cv, mas limitações impediram este número. A Nissan está optando pelos sistemas de maior acumulação de energia permitido pelo regulamento, os sistemas entre 6 e 8 MJ. Com isso, mais energia recuperada é utilizada.

 

Estava tudo certo... só faltou “combinar com os russos”! O carro passou por uma longa bateria de treinos nos Estados Unidos ao longo do ano de 2014, buscando corrigir os “problemas não previstos na prancheta”, que na verdade é no computador. Em corridas de longa duração, tudo funcionar certinho o tempo todo é complicado e nos treinos as coisas não correram tão bem quanto eles gostariam. Tanto que a Nissan adiou sua estreia na temporada 2015 do Mundial de Endurance, deixando para ir para a pista, efetivamente, apenas nas 24 Horas de Le Mans, em 13 de junho, deixando de participar das 6 Horas de Silverstone, em 12 de abril, e das 6 Horas de Spa-Francorchamps, em 2 de maio. Nos testes realizados já em 2015 em Sebring, o NISMO foi 10 segundos mais lento que um protótipo da LMP1 seria, e para piorar, não usou o obrigatório sistema híbrido.

 

... mas para o público, a apresentação foi espetacular: 90 segundos de comercial no intervalo do Super Bowl!

 

Isso, contudo, não impediu a montadora japonesa de fazer um enorme investimento em publicidade, com um comercial de um minuto e meio no evento onde o segundo de comercial é dos mais caros – senão o mais caro – do mundo: o Super Bowl, a final daquela coisa que os americanos chamam de futebol. Foram 12 milhões de dólares pela exposição da super produção que os publicitários conceberam!

 

Em Junho, na hora da onça beber água... ficou exposto que os problemas do NISMO eram mais sérios do que até mesmo os mais pessimistas poderiam imaginar. O primeiro dos três carros da equipe ficou mais de 20 segundos atrás do pole position, virando um tempo mais próximo dos carros da LMP2 do que dos próprios carros da LMP1... e sem usar o sistema híbrido!

 

Apesar da apresentação, o carro dos japoneses apresentava mais e mais problemas. O sistema híbrido nunca funcionou. 

 

Se foi ruim nos treinos, foi ainda pior na corrida, com os carros da LMP2 conseguindo ter um ritmo de corrida mais consistente e uma quantidade de problemas muito menor do que os três carros da Nissan. Sem ter medo de ser piegas, a carruagem dos sonhos pensada pelos japoneses virou uma abóbora... ou, no caso, uma kabocha!

 

O resultado levou a marca a anunciar, logo depois das 24 Horas de Le Mans que eles não participariam das etapas posteriores do campeonato para reavaliar o projeto e tentar encontrar as respostas para o caminhão de perguntas que caiu na cabeça dos japoneses.

 

Na única participação em competição, o NISMO teve um desempenho pífio nas 24 Hs de LeMans (Foto: F1 Fanatic)

 

Feitas as contas (imaginem o prejuízo), a Nissan anunciou que estaria fora do Campeonato Mundial de Endurance (FIA WEC) por tempo indeterminado. Mesmo depois de ter voltado aos testes e ter andado no COTA, em Austin (vai ver que chegaram à conclusão que o carro continuava com ritmo de LMP2) com uma versão evoluída do NISMO. Não há uma definição quanto a um possível retorno da marca ao campeonato. Ao invés de “pagar mico” nas corridas, os engenheiros, técnicos e pilotos vão se debruçar num intenso programa de testes (não só nos EUA, como também noutros circuitos) até que se extraia um desempenho no mínimo satisfatório.

 

É... mas o buraco era mais fundo e depois de um ano tentando subir uma cachoeira remando um barco furado, a japonesada da Nissan – certamente à contragosto – colocou uma pá de cal no projeto NISMO e optou por cancelar seu projeto no Mundial de Endurance.

 

Primeiro, a Nissan retirou-se do campeonato de 2015. Tentou melhorar o carro. Não conseguindo, enterrou o projeto.

 

Através do comunicado, a equipe afirmou que vai manter o foco em outras categorias – como o Super GT, certame japonês de turismo, onde a Nissan triunfou em 2015 e em fornecer motores para a categoria LMP2, onde carros equipados com seus propulsores andaram bem no ano passado.

 

Eu gostaria mesmo era de ver a planilha do quanto de dinheiro eles gastaram nesse projeto para não dar em nada...

 

Abraços,

 

Mauricio Paiva