Os Marvados - Parte 2 Print
Written by Administrator   
Monday, 24 November 2014 22:33

Oi, pessoal!

 

Depois de um mês de “licença paternidade”, estou aqui de volta pra falar sobre kart com vocês.

 

Dando continuidade à coluna passada, vou seguir falando dos maiores pilotos de kart que aceleraram nas nossas pistas. É uma tarefa praticamente impossível escolher somente um nome entre as dezenas de feras que competiram no Brasil na segunda metade da década de 70. Vou citar alguns em ordem aleatória e vocês entenderão o tamanho do desafio: Chico Serra, Mario Covas Neto, Maurizio Sala, Dudu Lassance, Mário Sérgio Carvalho, Dárcio dos Santos, Dionisio Pastore, Ruy Croce Guimarães, Décio Bellini, José David, Paulo Carcasci (este continuou competindo e vencendo no kart nos anos 80), Jorge Oswaldo Diaz, Luiz Moura Brito, Zeca Mello... A lista é enorme! Porém, para ser justo com a história, existe um nome que se destaca na mente de cada pessoa quando o assunto é kart no final dos anos 70: Ayrton Senna da Silva. E é dele que vamos falar agora.

 

Final dos Anos 70

 

Ayrton Senna da Silva.

Tenho muito pouco a acrescentar aos milhares de textos já escritos sobre o Ayrton Senna, talvez nada.

 

Todos sabem que ele veio de uma família extremamente abastada, que aos 4 anos de idade já andava em um kart construído pelo pai especialmente para ele, que os 9 participou de uma corrida extra-oficial em Campinas contra pilotos muito mais experientes e conquistou a “pole position” num grid definido por sorteio, que ele venceu sua primeira corrida de kart oficial em julho de 1973 no Kartódromo de Interlagos, que posteriormente teria o seu nome, de sua parceria com o preparador espanhol Lúcio Pascoal Gascon, o “Tchê”, de seus dois vice-campeonatos mundiais e os diversos títulos paulistas, brasileiros, o sul-americano e o pan-americano. Assim, eu vou tentar analisar outros aspectos deste piloto, que é um dos maiores ídolos do automobilismo em todos os tempos.

 

Ayrton Senna e Lucio Pascoal 'Tchê' Gascon. Uma dupla vitoriosa e um mestre que ensinou muito ao piloto.

 

O primeiro aspecto que devemos analisar ao pensar na carreira de Ayrton no kart é a sua precocidade: Ele é provavelmente o primeiro piloto a começar a ter um contato com um kart antes mesmo de saber falar direito. Até o ano de 1970, era proibido que menores de 18 anos participassem de competições de kart, fato que mudou com a criação da categoria 4ª menor, em uma turma formada na Espaka (Escola Paulista de Kart) de Carol Figueiredo e Maneco Combacau.

 

Esta categoria permitia a participação de garotos a partir dos 13 anos de idade, e a primeira corrida foi vencida pelo “titio” Dionisio Pastore. Parêntese: Temos aqui a foto dele após a corrida, com um sorriso parecido com o do Mutley da Corrida Maluca! Voltando ao assunto da precocidade, hoje conhecemos a história de diversos supercampeões que foram colocados no kart antes dos 5 anos de idade, como Schumacher, Alonso e Vettel, mas isso era algo inédito na década de 70 e, seguramente, deu a Senna uma grande vantagem sobre os seus adversários.

 

 

Segundo aspecto: Treino, muito treino! Ayrton teve o privilégio de dispor de uma condição financeira familiar muito favorável, que lhe permitia treinar de kart todos os dias da semana. Costumo dizer que o automobilismo é diferente de outros esportes onde a habilidade inata é predominante, como o futebol, o basquete e o tênis, por exemplo. Obviamente, estão envolvidas algumas qualidades fundamentais, como reflexos, coordenação motora e rapidez de raciocínio, mas o que faz uma grande diferença na qualidade de um piloto são as suas “horas de vôo” na pista. Se você pegar um menino determinado, que tenha grande amor pelo esporte e muita vontade de vencer, e treiná-lo adequadamente, estará formando um campeão. Ayrton Senna tinha tudo isso de sobra...

 

Dionisio Pastore, vencendo em 1970 depois que menores de 18 anos puderam passar a competir de kart.

 

Terceiro aspecto: Acesso aos melhores equipamentos. Ayrton sempre pôde contar com o que havia de melhor em termos de chassis, motores e pneus, bem como os melhores profissionais para prepará-los. Todos sabem que no automobilismo o equipamento representa mais de 70% do resultado final de uma competição, e é impossível vencer corridas sem um equipamento minimamente competitivo. Tendo dito isto, quero trazer duas informações relevantes a respeito do peso que o Senna tinha nos resultados que atingia na pista: Durante sua carreira vitoriosa no kartismo brasileiro, não foram poucas as vezes em que pilotos e pais de pilotos reclamaram com o Tchê que o Ayrton tinha melhores motores, que ele dava preferência ao “42”, apelido de Senna na época. Quando isto acontecia, Tchê simplesmente trocava as etiquetas de identificação dos motores, e dava ao reclamante o motor de Ayrton... que ganhava a corrida do mesmo jeito! No ano de 1981, o regulamento das competições internacionais de kart mudou, aumentando a cilindrada da categoria principal, onde Senna corrida, de 100cc para 135cc.

 

Com esta decisão, que muitos dizem ter tido a influência total da IAME, maior fabricante mundial de motores de kart na época, a fábrica DAP, pela qual Ayrton competia, ficou com uma grande defasagem em termos de performance, pois não conseguiu fazer com motor com 135cc, mas apenas 126cc. A IAME já fabricava motores com esta cilindrada desde o final dos anos 60 para o mercado norte-americano... Mais de 90% do grid do mundial utilizava os motores Komet K29, feitos pela IAME e ainda assim Ayrton conquistou o quarto lugar no Mundial de Kart realizado em Parma, na Itália, pista de altíssima velocidade. Angelo Parrilla, dono da DAP, reconhece que este feito foi maior do que vencer alguns mundiais.

 

Algumas curiosidades sobre a carreira de Senna no kart:

1) Ele demorou a vencer o seu primeiro campeonato brasileiro: Foi somente no ano de 1978, na pista de Tarumã, que Ayrton venceu seu primeiro brasileiro de kart., já com 18 anos de idade. Ele bateu na trave duas vezes, em 1976, no Maqui-Mundi (Rio de Janeiro) e 1977, no Kartódromo do Guará, em Brasília. Em 1976, foi derrotado pelo campeão local Dudu Lassance e em 1977 pelo mestre Waltinho Travaglini. Nas duas derrotas, tentou vingar-se de seus carrascos jogando-os para fora da pista na última bateria... Sim, ele nunca soube perder! Seu maior adversário no kart sempre foi o paulista Mário Sérgio Carvalho, filho do dono da Kart Mini, o “seo” Mário. Mário Sérgio foi um piloto espetacular e freqüentemente vencia Ayrton na pista, assim como com muita freqüência os dois acabavam batendo e depois “saíam na mão”.

 

Ayrton Senna (#7) e Mario Carvalho (#8). As vezes, a disputa também acontecia atrás dos boxes...

 

2) Seu estilo de pilotagem era heterodoxo, muito similar ao dos pilotos de rally, com derrapagens controladas que faziam o motor literalmente apagar. Não eram poucos os que o apelidavam de “vaca brava”. O inglês Terry Fullerton, ao vê-lo pilotando pela primeira vez na pista de Parma em 1978, pensou que Ayrton estava exagerando demais nas atravessadas e imaginou que não estivesse andando rápido, quando o brasileiro na verdade igualava o seu recorde de pista. Nesta mesma época, no Brasil, Ayrton tinha uma grande vantagem de equipamento com relação aos demais na categoria POC 100cc, e a aproveitava para dar shows: Largava na pole, abria uma grande vantagem, depois tirava o pé deixando todo o mundo ultrapassá-lo e então vinha passando um a um, atravessando mais do que o de costume, para por fim vencer. Em uma dessas vezes, se deu mal... Um de seus adversários, o “caipira” Ruy Croce Guimarães, conhecido como “Gatico”, avisou-o antes da prova: “Se ocê vié fazê graça pra cima di mim, dando aquelas atravessadas na curva da balança, eu vou colocá por dentro e te passá di novo.” Ayrton não levou a ameaça a sério e se deu mal... Depois de dar o costumeiro show, quando vinha dando a sua super atravessada na famosa freada da Curva da Balança do Kartódromo de Interlagos... Gatico freou no último metro, ultrapassou-o por dentro e venceu a corrida!

 

3) A famosa pintura de capacete de Ayrton Senna, criada pelo designer Syd Mosca, não foi feita exclusivamente para ele: Nos mundiais de kart da época, era comum que os representantes de cada país levassem em seus cascos as cores da bandeira de seu país. Assim, para o Mundial de Kart de 1979, disputado no Estoril, Syd fez o desenho para a equipe de pilotos brasileiros que competiria lá, formada por Ayrton Senna, Mário Sérgio Carvalho e Dionisio Pastore. Os três tinham capacetes idênticos. Após o Mundial, Dionisio voltou para a sua pintura tradicional, com um desenho em que predominava o vermelho e o branco, enquanto Mário Sérgio e Ayrton continuaram usando os capacetes do Mundial. Existem várias fotos de Mário Sérgio atribuídas erroneamente a Ayrton...

 

Jogo dos erros: Quem é quem? De cima pra Baixo, Mario Sergio, Ayrton Senna e Dionisio Pastore (com Fulerton). 

 

4) O veto ao titio Dionisio: Para o ano de 1979, Dionisio havia conseguido uma vaga na equipe DAP para disputar o Mundial de 1979 ao lado de Ayrton Senna, por meio do piloto Massimo Mella, sobrinho de Angelo Parrilla. A vaga, obviamente custava caro: US$ 10.000.00, um dinheirão para a época, mas Dionisio tinha o dinheiro, afinal ele também vinha de uma família privilegiada. Passagem comprada, tudo pronto para ir para o Mundial, e vem a surpresa: Angelo liga para Dionisio dizendo que o valor da vaga tinha aumentado para US$ 20.000.00! Não havia tempo para conseguir o dinheiro e, na verdade, tampouco existiam vagas competitivas para a prova. Dionisio acabou disputando o Mundial com o que havia de “sobras” da equipe Swiss Hutless, sem direito a pneus especiais e com os motores Petry, que ninguém na equipe quis utilizar, mas que acabaram se mostrando muito bons. No final, Dionisio terminou o Mundial numa ótima décima terceira posição, tendo andado entre os 6 primeiros na final até levar um toque. Já o kart que ele iria utilizar, foi ocupado pelo holandês Peter Koene, que foi o campeão! Mais tarde, o “titio” soube que quem barrou a sua participação na equipe DAP foi Ayrton, que não queria correr o risco de perder o título para outro brasileiro.

 

Ayrton (de boné) e Dionisio (de óculos escuros) em Uberlândia, 1979. Rivais e cúmplices.

 

5) Os ladrões de pneus: Esta quem me contou foram o José Ávila e o Dionisio... Ainda no ano de 1979, foi disputado o campeonato brasileiro de kart em Uberlândia. Ayrton venceu com facilidade na categoria POC 100cc e disse para o Dionisio: “Agora só falta você vencer na POC 125cc pra gente comemorar”. Dionisio replicou: “Tá difícil, pois o filho do Adroaldo, dono da Pneubrás, veio com uns pneus especiais para cá”. Decidiram, então, que iriam pegar alguns daqueles jogos de pneus, que estavam dando sopa amarrados por uma lona em cima de um carro estacionado na praça da cidade. Ávila diz que os dois voltaram ao hotel com a Belina de Ayrton lotada até o teto de pneus de kart... Eles roubaram todos! No final das contas, com medo de ser pego na vistoria, Dionisio correu com os Pneubrás comuns, deixando os especiais escondidos no hotel. Assim, venceu o Brasileiro de Kart daquele ano e depois quase todas as corridas do Paulista no segundo semestre, desta vez usando aqueles pneus roubados em Uberlândia.

 

Na próxima coluna, falaremos dos “Marvados” dos anos 80!

 

Abraços,

 

Rodrigo Bernardes

 

 

Last Updated ( Monday, 01 December 2014 15:58 )