Piquet e Salazar: Caminhos Cruzados Print
Written by Administrator   
Sunday, 18 July 2010 13:32

 

 

Depois de conquistar o primeiro título da carreira em 1981, Nelson Piquet vinha fazendo uma temporada sofrível no ano seguinte. A nível de resultados, era comum “ficar na mão” com a fragilidade do motor turbo da BMW, ainda pouco desenvolvido. Piquet sofreu várias quebras em sequência e a disputa pelo título era pouco provável. A partir da metade do campeonato, porém, o piloto brasileiro e a equipe Brabham voltaram à cena com uma grande novidade para a época: os pit stops.

 

Banidos da Fórmula 1 há muitos anos (o último que tenho lembrança foi em 1970, exatamente na corrida vencida pelo Emerson Fittipaldi), os reabastecimentos foram ressuscitados por Piquet e sua equipe, que logo perceberam a vantagem da estratégia. No GP da Inglaterra, o brasileiro sai com meio tanque e dispara na liderança, mas o motor BMW quebra antes da parada programada. A história se repete com o companheiro de Piquet, Riccardo Patrese, e o esperado pit stop da Brabham é adiado para a corrida seguinte.

 

Na França, os pilotos da equipe voltam a enfrentar problemas. Piquet e Patrese quebram já no início, e o reabastecimento fica para o GP da Alemanha. Em Hockenheim, à frente dos executivos da BMW, Piquet estava ansioso para mostrar serviço. Nos treinos, marcou apenas o quarto tempo. Acabou saindo em terceiro, pois o pole, Didier Pironi, sofreu um grave acidente ainda nos treinos e não largou. Na corrida, partiu pra cima dos adversários e na segunda volta já liderava com folga, abrindo uma enorme distância nas voltas seguintes. Com um terço de corrida, a vantagem já passava dos 20 segundos.

 

Quadro a quadro, a barbeiragem de Elizeo Salazar que, segundo o Piquet, tinha que ir dirgir caminhão na Cordilheira dos Andes.

 

A hora do pit stop se aproximava... Ou não. Ao contrário do que esperavam a Ferrari, a Williams e as demais equipes, Piquet, aparentemente, diminuiu a pressão do turbo e passava a administrar a liderança. Naquela altura, ninguém sabia ainda, mas parecia que Piquet havia preparado uma peça (mais uma de muitas) nos demais times. O piloto acelerou tudo no início da prova e dava toda pinta de que iria fazer um pit stop, só que tinha gasolina para ir até o fim.

 

A vitória parecia ser uma questão de tempo e de resistência do motor... mas Piquet não contava com um imprevisto chamado Eliseo Salazar. Um dos últimos colocados, o obscuro piloto chileno dá passagem para Piquet... e esquece de frear! Piquet já estava totalmente à frente quando é bisonhamente atingido por trás por Salazar, numa barbeiragem inacreditável. Os dois carros ficam atravessados na pista e Piquet, sem alternativa, é obrigado a abandonar. Frustrado pela perda da vitória na terra da BMW e possesso com a desastrada manobra de Salazar, Piquet vai para cima do chileno. O que acontece a seguir é uma das cenas mais famosas – e tragicômicas – da história da Fórmula 1.

 

Em menos de dois segundos, Piquet desfere uma sequência de socos e pontapés estabanados e pouco efetivos no pobre chileno, que – espertamente – manteve na cabeça  o capacete. Terminada a explosão, Piquet ainda gesticula e xinga algumas gerações de parentes de Salazar antes de se afastar do adversário. Os dois estavam no extremo oposto do circuito, na segunda chicane, no meio da parte da pista encrustrada na floresta negra. Piquet vem voltando – a pé – quando vê uma Kombi de serviço se aproximando.

 

Ao chegar perto do veículo de apoio, Piquet dá de cara com Salazar, já instalado dentro dele. A reação do brasileiro, mais uma vez, é explosiva e a porrada quase rola (e desta vez sem capacetes na cabeça) novamente. Piquet arranca Salazar de dentro da Kombi enquanto um atônito motorista salta do volante e tenta apartar a briga, no que foi auxiliado por dois bandeirinhas. No meio da confusão, Piquet entra na Kombi... no lugar do motorista! Arranca e volta para os boxes deixando o chileno e o coitado do motorista para trás, no meio da floresta. 

 

Foram vários os golpes desferidos por Piquet contra o chileno... mas, efetivamente, de pouco efeito prático. O melhor veio depois.

 

Onze anos depois, Piquet está na Alemanha para a comemoração dos dez anos de seu título mundial de 1983, conquistado com a BMW. Como não poderia deixar de ser, o tragicômico episódio acabou vindo à tona, virando assunto principal numa conversa com ex-engenheiros e mecânicos da Brabham. Piquet conta sua versão dos fatos, quando é interrompido pelo engenheiro de motores Paul Rosche, responsável pelos motores da BMW. Rosche conta para Piquet que depois do carro voltar para os boxes e do motor ser aberto para revisão, eles constataram que o engenho estava prestes a quebrar! “Duraria mais umas duas voltas, talvez”.  

 

Entre gargalhadas gerais, Piquet perguntou se alguém teria o telefone do Salazar para ele mesmo contar essa... Alguns anos depois, com Salazar trabalhando como comentarista para a TV chilena, convidaram Nelson Piquet para uma entrevista e os dois fizeram a maior gozação do episódio, com Piquet “tomando guarda”. Neste dia ele contou ao chileno que o motor estava prestes a quebrar... no ar, ao vivo! Alguns anos atrás, os dois se reencontraram em uma etapa do mundial de Fórmula 1 e, a pedido dos fotógrafos, relembraram a insólita cena. 

 

Como toda cena tem dois lados, é claro que tem a visão do Salazar... que teve sua carreira alavancada na Europa alavancada por... NELSON PIQUET! 

 

O chileno havia conquistado o duro campeonato argentino de FFord 1600 no mesmo ano em que Piquet conquistara o Inglês de F3 e iniciava sua carreira na Fórmula 1. Em 1979, Salazar foi “tentar a vida” na Inglaterra. Indo assistir provas dos campeonatos locais e tentar uma “colher de chá” de algum chefe de equipe mais bondoso (ninguém o apresentou ao Ron Dennis).  

 

Recentemente os dois se encontraram no paddock da Fórmula 1. Com as pazes feitas há muito, fizeram uma graça para os fotografos.

 

Após a etapa de Thruxton, Salazar pedia carona no acostamento da estrada quando parou uma Alfa Romeo vermelha e o motorista perguntou: “Tá indo prá onde?” O motorista era o Nelson Piquet! Atônito, Salazar respondeu: “Pra qualquer lugar.”  

 

Piquet deu uma carona ao jovem postulante até Londres, onde comeram uma dessas lojas de fast food que nem existiam no Brasil naquela época. No dia seguinte, Piquet apresentou Salazar a Ron Tauranac, na Ralt, uma das fornecedoras de chassi da F3 e que Piquet usou no ano anterior. Ali começava a carreira de Salazar na Europa. Segundo o chileno, Foi o maior golpe de sorte de sua vida! 

 

Na visão de Salazar, o episódio teve uma outra interpretação... “Eu estava na ATS em 1982. O carro era fraco, mas na Alemanha, estávamos andando bem... acho que eu vinha em 8º (Nota: A melhor posição ocupada por Salazar naquela prova foi a 13º, posição que ocupava quando tomou uma volta de Piquet, com 18 carros ainda na pista) quando, na saída da 1ª chicane, vi o Piquet uns 150 metros atrás de mim... ele chegou rápido demais, nunca imaginei que fosse chegar tão depressa. Quando olhei novamente o retrovisor, ele já estava colado. Tentei abrir para dar passagem. Ele colocou por fora (Nota: colocou por dentro na curva que antecedia à chicane). Eu freei um pouco, escorreguei e nos tocamos (Nota: acertou a roda traseira esquerda da Brabham). Aí pensei: ‘Esse foi o cara que me ajudou, é o campeão do mundo e estava liderando a corrida...’ Ele veio para cima de mim, gritando e gesticulando. Quando vi que ele vinha mesmo para briga, nem tirei o capacete... não sou burro! Se fosse outro piloto até teria reagido, mas com ele eu não tive coragem pois sempre achei que devia em muito a ele o fato de estar ali.” 

 

Felicidades e velocidade, 

 

Paulo Alencar    

 

 

Last Updated ( Monday, 09 August 2010 22:31 )