A primeira corrida do Barão Print
Written by Administrator   
Friday, 04 November 2016 16:27

A paixão por corridas leva os seus fãs a fazer coisas inimagináveis. Quem não já leu as narrativas de diversos pilotos que, quando moleques adolescentes, pulavam o muro de Interlagos ali no retão do autódromo de verdade, ou lá para os lados da curva 3 para ver as corridas no nosso templo do automobilismo?

 

Privilegiado era Rubens Barrichello, que tinha no quintal da vovozinha (recém falecida) o acesso para a pista através do muro que fazia fundos ali perto da curva 2. Outro dia recebi uma foto do que seria a casa... com o muro com uns 4 metros de altura e protegido com arame farpado e  rolo cortante, mais lembrando uma trincheira de guerra, pra defender o patrimônio contra a violência urbana e a ladroagem fora da política.

 

As aventuras de nenhum desses garotos, entretanto, pode ser comparada com a do nosso ilustríssimo Nobre do Grid, o Barão Wilson Fittipaldi. Se fôssemos colocar no Guinness Book o item, “o que fiz pra ver uma corrida”, o episódio protagonizado pelo Barão: ele foi as escondidas de São Paulo para o Rio de Janeiro em 1935, sozinho e com apenas 15 anos, assistir o Grande Prêmio Brasil, no histórico circuito da Gávea... o “Trampolim do Diabo”!

 

O Barão era fã de carros e corridas e desde os 12 anos sonhava em assistir uma corrida no Circuito da Gávea, onde se reuniam os maiores ases do automobilismo nacional e que atraia alguns nomes do automobilismo internacional. Era a corrida mais importante do país, numa época em que o Autódromo de Interlagos ainda era um projeto em andamento sem previsão de conclusão.

 

Wilson Fittipaldi em uma de suas transmissões. Fotodo acervo pessoal do Barão.

 

Já sabendo via rádio do resultado dos treinos, dos participantes e todos os detalhes da corrida que aconteceria no domingo, no início da tarde do sábado nosso adolescente determinado resolveu “jogar uma pra ver se colava” pra cima da sua mãe, pedindo um dinheiro extra pra fazer uma viagem com o grupo de escoteiros do qual ele era monitor de pelotão... sem mencionar para onde seria essa viagem, o que só veio a dizer depois, avisando que iria com o grupo para uma excursão ao Pico do Jaraguá, saindo no sábado no final da tarde e retornando na segunda-feira pela manhã bem cedo.

 

Dada a “versão oficial”, era hora de dar veracidade ao álibi e, devidamente vestido como escoteiro, com seu uniforme caqui, chapéu e lenço vermelho na gola, nosso protagonista tomou o rumo da Estação da Luz, a fim de pegar o trem, com bilhetes de segunda classe – que dava direito a um “confortável” banco de madeira – que o levaria para a então capital federal. Na época não havia rodovia asfaltada tipo a Dutra e os trilhos eram o melhor meio de se viajar entre São Paulo e Rio... ou ao menos o mais viável. Afinal, avião era algo impensável.

 

O GP Brasil no Circuito da Gávea foi um grande sucesso nos anos 30 e 40. Foto: O Globo.

 

A programação estava toda feita: desceria na Central do Brasil e pegaria um ônibus para a Gávea. A chegada do trem era no amanhecer do dia e a largada estava marcada para às 10 horas da manhã. Seriam quatro horas e meia de corrida. Daí era retornar para a Central do Brasil e pegar o trem de volta, sempre rezando para que não houvesse atrasos.

 

Como diz aquele velho ditado que “Deus protege os bêbados, os loucos e as criancinhas”, não só o trem saiu e chegou no horário na manhã do domingo como, logo que saiu da Central do Brasil nosso escoteiro deu de cara com um ônibus que trazia “Gávea” no seu letreiro frontal. Com esta sorte toda, ele chegou em frente ao Hotel Leblon, local da largada, antes das 7 horas da manhã.

 

Largada do Grande Prêmio Brasil em 1935. Foto: O Globo.

 

Sem saber de nada, de como deveria proceder, se tinha que comprar entrada para assistir a corrida, fez-se valer de seu uniforme e foi driblando a multidão que já se aglomerava no local, passou pelo cordão de isolamento e escolheu uma árvore para, do alto, ter uma boa visão da largada. Acomodou-se em um galho e por lá ficou, cuidando para não dormir. Estava tão excitado que mesmo tendo passado a noite em claro no trem, pensando na corrida, continuou “ligado”.

 

Mas logo após a largada, uma grande confusão fez com que ele descesse da árvore e acompanhou a multidão em direção à Avenida Visconde de Albuquerque. Chegando lá, ainda viu o carro de um de seus pilotos favoritos – Irineu Correa – mergulhado no canal, perto do Jockey Club. O piloto acabou morrendo, mas a corrida continuou, sendo vencida pelo ítalo-argentino Ricardo Caru.

 

Acidente Fatal de Irineu Correa. Foto: O Globo.

 

Ao final da corrida, retornou para a Central do Brasil para retornar à São Paulo, completamente realizado, depois de mais uma noite no banco de madeira da segunda classe. Mais uma vez o sortudo escoteiro fez o trajeto sem atrasos e chegou às seis horas da manhã da segunda-feira, indo direto para o colégio e só retornando para casa após a aula com a maior cara de pau do mundo, contando sobre como foi a excursão ao Pico do Jaraguá.

 

Felizmente não havia redes sociais, facebook, instagram e outras coisas do gênero. Caso contrário, sua narrativa aos colegas de colégio sobre sua grande e heroica aventura no Rio de Janeiro certamente chagaria aos ouvidos de seus pais antes de seu retorno ao lar.

 

Felicidades e velocidade,

 

Paulo Alencar