O sistema "paddle shift" da Stock Car. Print
Written by Administrator   
Tuesday, 31 March 2015 09:56

Ao longo da temporada de 1988, a Scuderia Ferrari trabalhou no desenvolvimento de um revolucionário sistema de mudança de marchas para o seu carro de Fórmula 1.

 

Detalhe das "borboletas" atrás do volante. Na direita, marchas pra cima. Na esquerda, marchas pra baixo.

 

O sistema consistia de um dispositivo eletrônico controlado por “borboletas”, colocadas atrás do volante. O acionador da mão direita, levava as marchas “para cima”. A da mão esquerda, “para baixo”. Tal sistema permitia que o piloto mantivesse as duas mãos ao volante todo o tempo, sem ter que tirar uma delas para acionar a alavanca do câmbio.

 

Tendo o piloto brasileiro Roberto Pupo Moreno ao volante do carro de testes, quando o F640 estreou no GP do Brasil de 1989, Nigel Mansell subiu ao degrau mais alto do pódio.

 

O comando dado pelo piloto vem para o módulo de gerenciamento, que vai "entender" o que foi solicitado.

 

Com o passar dos anos, o sistema, que em inglês tem o nome de “Paddle Shift” passou a ser desenvolvido e utilizado por outras equipes, em outras categorias, até chegar aos carros de passeio em algumas de suas versões comerciais.

 

Em 2013 o sistema de câmbio de acionamento por borboletas foi testado e introduzido nos carros da Stock Car no Brasil para a temporada de 2014. No início, todas as equipes tiveram problemas com o sistema trazido pela italiana Magneti Marelli, que junto com a JL, construtora dos carros da categoria, trabalhou em parceria com as equipes para solucionar os problemas apresentados.

 

O módulo envia um comando para o sistema pneumático (pequeno cilindro preto) que vai disparar a pressão de ar.

 

O sistema instalado nos carros da Stock Car no Brasil possuem duas “borboletas” atrás do volante, acionadas manualmente pelos pilotos. O acionamento das mesmas, quando feito, enviam um sinal eletrônico para o módulo de gerenciamento de comando do carro. Este, por sua vez, envia um sinal para o sistema de acionamento pneumático, alterando a pressão no mesmo que faz com que o câmbio mude para a engrenagem (marcha) solicitada pelo piloto.

 

A pressão de ar chega no alterador que vai atuar no câmbio para trocar as marchas.

 

Mas para saber como foi feita a introdução do sistema na categoria, como os engenheiros, as equipes e os pilotos trabalharam para que hoje o cambio “Paddle Shift” funcione nos carros, fomos ouvir os responsáveis pela introdução do sistema, um chefe de equipe e alguns pilotos com diferentes estilos de pilotagem.

 

Bruno Bassani – Engenheiro da Magneti Marelli na Stock Car.

O câmbio que é utilizado aqui na Stock Car é o desenvolvimento daquele câmbio que surgiu na Ferrari em 1989 e é basicamente o mesmo que é utilizado em categorias como a GP2 e outras categorias de turismo pelo mundo que trabalham com a Magneti Marelli.

 

O que o câmbio utilizado aqui na Stock Car no Brasil difere de outros que utilizamos em outras categorias pelo mundo. No sistema que foi introduzido aqui na Stock Car, o sistema atua apenas no câmbio em si. Nos outros sistemas que temos, ele atua no câmbio e no comando de embreagem. Isto exigiu que nós desenvolvêssemos uma tecnologia que não existia no mundo.

 

Foi uma decisão da categoria por razões de custo, que mesmo com todo o trabalho de desenvolvimento de software, de aplicativos, foi uma solução economicamente mais viável. Logicamente que isso foi um desafio para nós, fazer um sistema para funcionar em paralelo com outro sistema.

 

Para fazer todo este desenvolvimento de adequação, de calibração e sincronismo trabalhamos duro. Vieram técnicos da Europa para trabalhar no sistema e apesar dos problemas que tivemos no início, conseguimos solucioná-los e hoje o sistema está aí, funcionando.

 

Nós investimos em termos de capital e força de trabalho para fazer deste novo câmbio da Stock Car em torno de um milhão e oitocentos mil a dois milhões de reais. Temos um corpo técnico aqui no Brasil à disposição da categoria, liderados por mim, mas se for preciso, temos mobilidade para trazer alguém dos Estados Unidos ou da Europa para cá.

 

Nós estamos presentes em todas as etapas do campeonato da categoria, prestando um serviço de acompanhamento, monitoramento e prontos para atuar caso seja necessário em qualquer coisa que eles precisarem. É um serviço que está incluído no pacote de serviços que prestamos à todas elas, inclusive com um estoque de peças para reposição caso se faça necessário devido a algum problema identificado ou a um acidente que o carro sofra e danifique algo (Nota do NdG: Consultamos alguns chefes de equipe e nos foi informado que este suporte técnico, sem incluir a reposição de peças, está em seis mil reais por ano, por carro).

 

Toda tecnologia tem sempre espaço para desenvolvimento e nós temos pesquisado em como estar sempre oferecendo um produto melhor aos nossos parceiros. Da mesma forma que servimos, recebemos o feedback das equipes, da JL e estamos acumulando dados. No ano passado foi o ano da implantação e dos ajustes. Este ano é oano da consolidação, vamos ganhar robustez. Daí pra diante podemos pensar em aplicações práticas de aprimoramento.

 

Zequinha Giaffone – Diretor Executivo da JL, construtora dos carros da Stock Car.

Quando decidimos fazer esta mudança no sistema de câmbio tivemos várias reuniões com a VICAR, com os chefes de equipe,com a Magneti Marelli e chegamos a conclusão  que seria algo positivo para a categoria. Por isso partiu-se pra decisão de mudar o câmbio. Foram feitos alguns testes antes do ano passado , de estrear com o sistema e no ano passado passamos a utilizá-lo.

 

As mudanças do sistema de câmbio sequencial para o câmbio com “borboletas”, mecanicamente falando, não é algo tá grande. A maior complexidade está na parte de eletrônica e realmente, nós tivemos problemas na parte de eletrônica do câmbio, mas foi algo que estava praticamente resolvido depois da quarta ou quinta etapa do campeonato.

 

Até 2013 o piloto tinha ali na mão a alavanca do câmbio que ele, ao acioná-la, atuava no sistema com uma haste, que trocava as marchas. A saída desta alavanca para o câmbio por “borboletas” faz com que o piloto, quando aciona as “borboletas” ativa um sistema pneumático e este faz a troca das marchas.

 

Eu vejo como um ganho para a categoria e a médio prazo para as equipes também. A manutenção do sistema é tecnicamente elaborada, mas não é cara e o investimento que as equipes fizeram, em três ou quatro anos terá sido compensatório se formos levar em conta os custos da manutenção do sistema mecânico que era utilizado antes.

 

Juan Carlos Lopez (Micos) – Chefe da Equipe Mico’s Racing

Nós tivemos diversos problemas no ano passado com o câmbio “Paddle Shift”. Era um ‘setup’  que precisava ser colocado no módulo do sistema de gerenciamento onde ele, o sistema, precisava se “fazer entender” com o módulo.

 

O pessoal da Magneti Marelli trabalhou nisso durante todo o ano para encontrar onde estava o problema e foi difícil porque hora funcionava, hora não e isso dificultava o trabalho de todos... deles e nosso.

 

Eu acho que o estilo de pilotagem de cada piloto também interferia nos problemas de como o programa respondia. Aqui na equipe, tivemos muito mais problemas no carro do Julio Campos do que no carro do Antônio Pizzonia. Foi assim em outras equipes também, com um carro tendo mais problema que o outro.

 

O importante foi que eles conseguiram chegar a uma programação em que o sistema e o módulo de gerenciamento passaram a funcionar em sincronismo, independente da forma de pilotagem de cada piloto e hoje está funcionando bem.

 

Allam Khodair – Piloto da equipe Full Time.

Eu posso dizer que nós sofremos muito por aqui com este problema. Eu tive problemas até a última etapa da temporada e nós fomos até neste ano, nos testes de Curitiba em fevereiro com estes problemas.

 

A gente trabalhou muito, tem trabalhado muito, temos visto todas as possibilidades para fazer o sistema funcionar bem para este ano, procuramos ver o que de melhor em termos de equipamento poderíamos ter para que todo o sistema funcionasse bem e estamos apostando nisso.

 

Algumas equipes conseguiram solucionar seus problemas mais rapidamente do que outras e nós ainda estamos trabalhando e eles, da categoria, também para que todos os carros de todas as equipes não tenham problemas.  Nós tínhamos problemas do tipo, a marcha não entrar ou entrar e acelerar o carro e isso complicou minha vida no campeonato.

 

Em termos de guiada, pra mim, não mudou quase nada. O que mudou é que com o câmbio de “borboletas” não tem mais como você fazer o “punta-taco” com o pé e eu sempre fiz isso e de forma pesada nas curvas. Agora o sistema “faz direto”, é só você trocar as marchas. Freada ficou nos mesmos pontos que eu fazia. Com  ele funcionando, vai tudo bem.

 

Átila Abreu – Piloto da Equipe AMG Motorsport.

Pra ser bem sincero, eu preferia o outro câmbio do que este daqui. O câmbio sequencial te dava mais possibilidades do que este daqui. Você pode usar mais freio motor, jogar uma marcha a mais pra uma ultrapassagem ou uma defesa de posição, subindo pais o giro. Claro que corre o risco de quebrar o motor, mas você consegue mais do carro nas curvas.

 

No “paddle shift”, se você tentar colocar uma marcha acima de uma determinada velocidade que não está programado para aquela marcha entrar, você vai acionar a “borboleta” e não vai acontecer nada. Você tem que trabalhar mais justo para a marcha sempre entrar na hora que ela está programada para isso.

 

É uma questão de adaptação. Estar com as duas mãos no volante o tempo todo é uma coisa boa, ajuda no controle do carro não ter que estar tirando uma mão do volante. Lógico que isso facilita a vida dos pilotos e é uma tendência nos carros mais rápidos este tipo de câmbio e o piloto tem que se adaptar a isso.

 

A gente vê este tipo de câmbio nos carros da GT, da DTM e a Stock Car, obviamente não quis ficar pra trás e introduziu o sistema aqui. O que mudou pra mim foi pouco, eu sempre preferi frear com o pé esquerdo e agora eu posso frear tranquilo que quando precisa fazer o “punta-taco” o sistema faz isso sozinho. Com o câmbio sequencial, eu freava com a esquerda e toda vez que mudava a marcha eu dava um toque no acelerador para ela entrar mais fácil. Ficou mais fácil... eu preferia do outro jeito onde o piloto fazia mais diferença.

 

Ricardo Maurício – Piloto da Equipe Eurofarma RC.

Na verdade toda mudança buscando evolução é bem vinda, mas tem seu período de adaptação e aqui na Stock Car não ia ser diferente. Não tendo havido um período de testes talvez como deveria antes, na temporada passada algumas equipes, alguns pilotos tiveram problemas, mas que depois foram se acertando.

 

Agora já está tudo bem, tudo certo, todos os carros andaram bem, sem problemas lá em Curitiba nos testes de fevereiro e agora acredito que não teremos mais problemas como aconteceram no ano passado. Eu também tive problemas. Lembro que na segunda corrida do ano passado eu não conseguia reduzir as marchas.

 

O sistema deixou a guiada muito mais fácil. A freada ficou muito mais precisa. Em algumas curvas ele faz mesmo a diferença, como na primeira curva de Cascavel, o “bacião”, onde dá pra frear um pouco mais dentro, especialmente com uma curva difícil como aquela, ter as duas mãos no volante é uma vantagem.

 

Eu acho que todos conseguiram virar tempos mais rápidos por ter um controle melhor do carro com as duas mãos no volante e como a entrada das marchas ficou muito precisa, facilitou a vida dos pilotos e a pilotagem ficou mais prazerosa também. Eu não mudei meu estilo de pilotagem com este sistema. Para mim foi muito bom.

 

Valdeno Brito – Piloto da Equipe A. Mattheis Shell Racing.

Nós tivemos problemas, mas acho que todo mundo teve. O importante foi que não levaram muito tempo para solucionar os problemas e agora está tudo bem. Em termos de adaptação, não foi difícil. Pra falar a verdade, foi bem mais fácil porque facilitou a vida da gente dentro do carro.

 

O sistema dispensa o uso de embreagem para a reduzir as marchas e faz o “punta taco” sozinho e para mim, que já vinha acostumado com ele das corridas com carros de Gran Turismo em 2012, onde a BMW que eu pilotava já tinha este sistema e tenho certeza que nenhum dos pilotos aqui na categoria teve problema pra se adaptar.

 

Com o sistema funcionando bem como está funcionando agora, acredito que todos estejam bem adaptados e conseguindo andar rápido. Os problemas que surgiram não existem mais e estamos todos em condições de igualdade este ano. Vai ser um campeonato bastante disputado.

 

Em termos de guiada, de pilotagem, eu usava um giro mais alto para ajudar das reduções para fazer as curvas, usava o freio motor, com o câmbio sequencial era o piloto que dizia o tempo da redução. Com isso a gente levava o giro no limite, as vezes até passava um pouco, mas isso ajudava na freada. Com o “paddle shift”, na redução, o giro não vai ultrapassar o limite programado daquela marcha. Com isso o piloto tem que frear mais no freio do que no motor. Este aí foi o ponto em que eu precisei me adaptar, mas tudo bem.