O canto do Uirapuru (2ª parte) Print
Written by Administrator   
Monday, 12 November 2012 00:47

 

O começo nas pistas... que acabou virando a compra de uma linha de montagem!

 

A Brasinca acabou por me oferecer através do Soler a possibilidade de comprar o projeto todo e fabricar o carro, mas faltava o capital, mesmo com eles vendendo tudo a  preço de custo.

 

O sonho parecia grande demais, mas consegui juntar todo meu capital mais uma ajuda grande e mão forte do meu pai, que era um esportista apaixonado, gostava do assunto e tinha sido concessionário Mercedes Benz em Piracicaba por mais de 20 anos na nossa cidade e onde eu já havia conseguido varias vitórias com Simca.

 

 

Foto das instalações da STV (Sociedade Técnica de Veículos) na capital paulista. Aqui os "Uirapurus começavam a cantar". 

 

Daí saí a procura de um sócio para a empreitada, de repente me vi com tudo nas mãos, apoiado pelo Soler, mais ainda jovem e, obviamente, com pouca experiência para um projeto dessa envergadura.

 

Um tio da minha esposa (Sr. Pedro dos Reis Andrade), após ver e ter guiado o meu carro, quis comprar um também e o levei até a fabrica. Ele acabou fechando negócio na hora! Tinha uma fazenda no Paraná e se divertia nas idas e vindas na estrada com o Brasinca, andando na frente de todo mundo.

 

 

No V Salão do Automóvel em São Paulo, o Uirapuru entusiasmou o público e a crítica com suas linhas arrojadas e mecânica potente.   

 

Uma tarde nos reunimos e apresentei a ele o Rigoberto Soler. Junto com meu pai, falamos sobre o projeto e a idéia de comprar tudo. Decidimos estudar a proposta e no final, juntar forças e capital e negociar com a Brasinca. 

 

Tudo andou muito rápido, inúmeras reuniões em São Caetano do Sul, mas acabamos por fechar o negocio. Arrumamos o local para nos instalar, no bairro do Itaim, em São Paulo, e transferimos todo o projeto que envolvia 23 carros em fase final de construção – estoque de peças para terminá-los, moldes, gabaritos – além do direito de fabricação, patentes, ferramental, funcionários, enfim uma pequena fabrica de um bólido que mudava de casa e tudo feito num espaço de 30 dias!

 

 

Vista do espaço de exposição onde os carros estavam no salão. Mesmo com as grandes montadoras presentes, a STV era atração.  

 

Criamos então a STV (Sociedade Tecnica de Veículos). Rigoberto Soler se reuniu a nós como sócio e diretor industrial, recomeçamos a produção dos carros e, de imediato,  mudamos o nome definitivamente para “Uirapuru”, a marca original do carro mesmo antes de ser chamado de Brasinca.

 

As corridas.

 

Dando continuidade a produção e venda do novo Uirapuru, fizemos algumas modificações de acabamento e correção de alguns defeitos na série feita pela Brasinca, o carro melhorou muito e começamos a estudar rapidamente um novo modelo já projetado que deveria usar o novo motor 4 cilindros da GM que ainda não estava definido. Esse motor veio em seguida a equipar o Opala (4 cilindros) e esse carro era compacto, com linhas mais avançadas... seria um lançamento fantástico.

 

O Mustang acabara de chegar ao Brasil e os nossos preços eram superiores. O problema de venda começava a mostrar sinais e o Uirapuru foi ficando cada dia mais difícil de ser comercializado. Ao mesmo tempo, comecei a preparar o meu carro  para competições  , o meu numero 88 sempre   as modificações foram importantes na parte mecânica (motor  suspensão e freios).

 

 

Nas pistas, o Uirapuru também "cantava alto". Walter Hahn Jr. conquistou o título paulista e voou baixo por Interlagos. 

 

A estréia do carro nas pistas foi nos “1.000 Km de Brasília”. O carro andou no pelotão da frente, mas uma pane elétrica me fez desistir pois o motor falhava continuamente. Contudo, nesta primeira experiência deu para sentir que ele era muito competitivo, e que ainda eram nescessários mais acertos, pois tínhamos um peso superior aos concorrentes  da categoria protótipos (1.180 Kg contra  800/900 Kg dos concorrentes).

 

Em seguida participamos das 6 horas de Curitiba, largamos na frente e por mais  3 horas mantive a liderança disparado seguido pela carretera 26 da Simca com o Ciro Cayres no volante. O Uirapuru andava muito mais, perdia nas freadas fortes no fim das grandes retas, mas na retomada deixava o Simca muito longe. Dessa vez, nova pane: a embreagem hidráulica não suportou e abandonei a prova.

 

Inscrevemo-nos no campeonato paulista de 1966 (categorias Gran Turismo Esporte e Protótipos). Após varias provas onde a disputa foi dura com as Alfa Giulia da Equipe Jolly, a Alfa Zagatto com o Emerson Fittipaldi (como independente) e o Malzoni, com ajuda de fábrica, tendo o Chico Lameirão como piloto, terminei por vencer o campeonato e o Uirapuru, mesmo tendo disputado poucas corridas tornou-se campeão paulista de 1966, nas duas categorias acima e me proporcionou o mesmo. Guardo esse titulo e esse troféu com carinho especial.

 

 

O carro chamava tanta atenção que ganhou a capa das resvistas automotivas mais importantes do país. Aqui, a autoesporte. 

 

A STV por razões diversas, acabou não podendo dar continuidade a fabricação do carro. A produção em pequena escala tornava-se difícil de comercializar, os custos eram altos e começamos entender que a Brasinca na verdade tinha mostrado um resultado econômico na hora da venda e a realidade era outra.

 

O Mustang tinha a rede da Ford a disposição para vender os carros, tentamos o mesmo junto a GM, pois a mecânica era toda dela, mas a montadora não nos permitiu fazer o mesmo isso complicava tudo e a credibilidade do Uirapuru baixava.

 

Fui obrigado a me retirar de tudo por questões de saúde trazidas pelo desgaste do negócio. Meu médico, na época, praticamente me colocou no “estaleiro” por 6 meses. O Rigoberto Soler e meu tio ainda continuaram por algum tempo, vendendo os carros restantes, e ao final encerraram as atividades. 

 

 

Em Interlagos, mesmo os carros importados como as Alfa Romeo da equipe Jolly não conseguiam acompanhar o Uirapuru. 

 

A frustração para todos nós foi grande, o carro deixava de ser produzido e no período total montamos mais 26 unidades, além da série feita pela Brasinca (50 unidades aproximadamente), mas assim mesmo com todas as dificuldades que encontramos durante o período, lançamos a versão cabriolet, que foi a vedete do salão do automóvel de 1966 (foram fabricadas 2 unidades somente), cuja compra foi disputada entre tantos interessados e, se tivéssemos 10 prontos eles teriam sido vendidos no salão mesmo.

 

Fizemos totalmente na STV um carro especial para a Polícia Rodoviária, equipado para perseguições. Já tinha blindagens, um motor com o preparo especial, rádios, metralhadoras camufladas e ferramentas de assalto e salvamento, uma maca para transporte de feridos e banco interno lateral para um vigilante.

 

 

As revistas sempre foram um importante veículo de marketing e a STV usava esta ferramenta pra divulgar o super carro brasileiro. 

 

O projeto desse carro exigiu muito investimento, tínhamos a aprovação total da polícia, porém foi vetado pela secretaria de segurança pública, sem que nunca tivéssemos sabido a razão, mas ao que tudo indicava, tinha sido política, contraria da mesma montadora, que na época fornecia as enormes e pesadas “veraneios” à policia.

 

O nome Uirapuru, foi uma escolha do próprio Soler, ainda nos primórdios, pois se trata do nome de um lindo pássaro cuja descrição coloco abaixo.

 

São palavras do amigo Brar Soler, filho do grande Rigoberto.

“O Uirapuru é uma ave com um canto especial... os bichos da floresta param de se mexer, de andar e de gritar só para ficar ouvindo“.

 

Meu testemunho confirma e posso dizer  o mesmo  até hoje  :

“Quando ele andava nas ruas, parava nos lugares badalados como a Rua Augusta e outros da época ou quando acelerava... todos paravam para vê-lo“.

 

Foi um sonho... mas vivo até hoje, 47 anos depois!

 

 

Uma das apostas da STV foi fazer um projeto para equipar a Polícia Rodoviária Federal com um carro realmente eficiente. 

 

Nosso carro e o meu Uirapuru 88 (campeão paulista), foi um verdadeiro esportivo de raça e atingia um dos objetivos principais do seu criador, Rigoberto Soler: “era um carro que durante a semana podia satisfazer os seus mais exigentes proprietários na época, e nos finais de semana...  era capaz de ganhar corridas.”

 

Pude provar e tornar esse sonho dele realidade, quando numa das provas do campeonato de 1966, ao ter problemas com meu carro de corridas na hora da largada, alinhei o carro do cantor e amigo Juca Chaves... e venci a corrida! Comemoramos essa vitória como a maior de todas.

 

 

O carro era tão bom que uma das vitórias conquistadas por Walter Hahn Jr. foi com um carro de rua, sem preparação ou alívio. 

 

“Se a produção tivesse continuado , hoje nós estaríamos com um carro que poderia ser  considerado de primeiro mundo“ (Brar Soler)

 

Abraços,

 

Walter Hahn Junior 

 

 

Last Updated ( Saturday, 24 November 2012 12:15 )