O Grande Zoroastro Avon Print
Written by Administrator   
Wednesday, 02 May 2012 04:41

 

 

Tenho pensado muito no início da minha passagem pelo Automobilismo no Brasil ocorrido na década de 60/70 e no meu grande companheiro Zoroastro Avon.

 

Eu era muito jovem ainda, mas já gostava e tinha fama de “andar depressa” nas estradas  que ligavam Piracicaba a São Paulo, ainda com um  trecho de terra passando por Tupi, Santa Barbara, Americana, Campinas, Jundiaí e depois São Paulo pela antiga Via Anhanguera.

 

Sempre incentivado por meu pai que era também um esportista apaixonado e que também “andava depressa”, fomos juntos assistir as 24 horas de Interlagos de 1961.

 

Eu tinha 17 anos, chegamos logo cedo e dormimos dentro do carro, na verdade eu não fechei os olhos, achava um espetáculo ver os carros naquela a neblina fortíssima sem nenhuma visibilidade, todos andando muito rápido as vezes em fila  e o principal: o som  afinado e espetacular dos motores Simca, que no meio da noite podia se distinguir dos outros carros de muito longe.

 

Foi ali que pude ouvir pela primeira vez o som inigualável de um motor Simca, com os tubos de escapamentos ovais, lado a lado, saindo no centro da traseira do carro e que vinha muito rápido nas mãos do saudoso e grande Ciro Cayres, em dupla nessa corrida com o Bird Clemente.

 

             Zoroastro Avon em ação nas 24 horas de Interlagos de 1961 ao volante do seu Simca número 5. 

 

Porém , logo atrás  eu  notava  um outro Simca, cujas mudanças de marcha se davam exatamente sempre no mesmo lugar e nas entradas de curvas, e como estávamos assistindo num ponto da pista, onde se podia ouvir as trocas dele, desde a entrada da Curva do Sargento, Pinheirinho, Bico de Pato e até a Subida do Box, era impressionante a regularidade e a velocidade com que guiava, não se ouvia  barulhos de pneus, eu diria que guiava com “finesse”.

 

                                               Era ele, o Zorostro Avon!

 

Essa corrida – que foi um marco na minha vida – conseguimos, eu e meu pai, chegar até os boxes, e com muita coragem e ousadia, pude falar pela primeira vez com o Avon, sem ter a mínima idéia do que iria me acontecer num futuro próximo.

 

Ele me recebeu atenciosamente e foi logo me dando dicas na mesma hora, eu disse que queria comprar um carro desses para competir, “o carro é demais”, eu dizia, e ele confirmava “é o melhor dos nacionais e anda muito”, você vai gostar.

 

Quem Diria !!!

 

Daí em diante acompanhei o Avon de perto em várias corridas em Interlagos, e através dele vim a conhecer o meu grande amigo e preparador Claude Bernard (o “Frances”) que tinha trabalhado com o Avon na Simca no depto de testes e motores e era proprietário de uma oficina na Barra Funda.

 

Walter Hahn Junior recebendo um de seus primeiros troféus como piloto. As dicas de Zoroastro foram muito úteis.

 

O Avon era piloto de testes, fazia os trajetos de ida e volta na velha Serra do Mar, que era uma loucura no meio de caminhões pesados, mão única, dia e noite com muita neblina, (daí a facilidade dele em andar muito bem  em Interlagos sob a mesma situação de visibilidade... estava super acostumado).

 

Em fins de 1963, ele me levou até a oficina do Claude (o “Frances”) que se chamava “Oficina 1.600 km”, ficava na rua Lopes de Oliveira, onde já frequentavam algumas pessoas apaixonadas por corridas, como  Rui Santigo, Roberto Gomes (“o Argentino”) e entre eles estava  o meu grande amigo e depois companheiro de corridas, Expedito Marazzi.

 

Foi lá, e com o Avon, que eu comecei tudo. Em meados de 1964, levei um Simca Alvorada novinho, comprado dias antes de um tio, para ser “preparado” as pressas, pois tinha decidido fazer minha primeira corrida de estreantes em Interlagos, era  o Grande Prêmio Constantino Cury.  

 

Recorte de jornal que Valter Hahn Jr guarda com carinho: a sua prova de estreantes em Interlagos, usando os "atalhos" de Zoroastro Avon.

 

O Avon, entusiasmado, colocou um ‘Santo Antônio’, fez o escapamento igual aos dos carros de corrida da Simca, novo acerto de carburador, alguma melhora de amortecedores e só, o carro tinha que ser de série. Colocou o numero 5 (era o numero dele) e me disse rindo: “Esse aqui vai ser o  primeiro da serie, você vai andar na frente de muita gente”.

 

Eram 22 participantes inscritos, e durante quase a prova inteira disputamos a liderança entre 5 pilotos muito distantes do restante do grupo e junto comigo estreava também o Expedito Marazzi além e a presença de uma figura histórica  brasileira: Ivo Noal.

 

Consegui um terceiro lugar muito próximo dos 2 primeiros, também com Simca. Foi a partir dessa corrida que a coisa foi pra valer. O Avon, entusiasmado, por conta própria me inscreveu no Grande Premio Simon Bolívar, de 1964.

 

O Simca foi desmontado inteiro, foi feito um super motor com todas as peças conseguidas na Simca, suspensão, freios, aliviamentos, coletor dupla carburação do Rally, diferencial curto, enfim, era uma cópia de um carro da equipe da Simca.

 

Acima, disputando o segundo lugar com a Berlineta de José Ramos no Grande Prêmio Simon Bolivar. 

 

O Avon e o Claude trabalharam muito nesse carro, depois de pronto e testado na rua, o Avon e eu colocamos o numero 88 e ele foi dizendo: “é o dobro de 44 , o Ciro vai gostar”, mas ele que se cuide!

 

Era muita pretensão na época, mas ele era “o cara”. “Metido”, mas entendia como ninguém do comportamento do Simca e como fazer os motores.

 

Depois de tudo pronto, fomos amaciar o motor como era costume na época, pois não tínhamos acesso a dinamômetro. Resolvemos fazer uma ida e volta  até o Rio, dias antes da corrida, seriam 800 km.

 

Saímos à tardinha de São Paulo, rodando no inicio devagar e, aos poucos, aumentando gradativamente a velocidade, sobretudo dando carga nas subidas e aliviando longamente nas descidas, e tudo o Avon explicava o porque. Ele sabia cada reação do carro.

 

Chegamos no Rio de Janeiro, tomamos um lanche rápido na Avenida Brasil, abastecemos e voltamos no mesmo instante, sempre alternando os regimes do motor com cargas diferentes  e continuando a aumentar os regimes cada vez mais  forte.

 

Uma foto com as feras devidamente identificadas. Mestre e pupilo lado a lado e alguns dos melhores pilotos da época. 

 

Nos últimos 100 km antes de chegar em São Paulo ele parou o carro e foi dizendo: “Waltinho , tu vais ser meu pupilo, você agora vai guiar com tudo que sabe e daqui pra frente vai ser de pé em baixo, e você não vai tirar enquanto eu não falar, não me tira o pé, vamos ver o que anda esse motor. Se vira com o transito, mas cuidado”.

 

Aquilo foi como uma “bandeirada de largada”. Tínhamos rodado 800 km, limitando o motor com todo carinho e cuidado e depois disso acelerar tudo? Foi emocionante ver o resultado da preparação e da potencia que o motor tinha, o medo de quebrá-lo desapareceu, a confiança nele foi total!

 

Que prazer de dirigir esse carro, o dia clareando, eu via a agulha do velocímetro do Simca escondido no final do painel por muito tempo, o conta-giros a 5.500/6.000 RPM, com um cambio de 3 marchas, não se sabia por onde andava a velocidade, mas o carro andava demais, o som do motor e das cornetas do escape agora eram  outra coisa – e com uma estabilidade incrível – o Simca deslizava. Pelos cálculos, a coisa devia estar por volta de 170/180 km em plena Via Dutra, tudo isso em 1963!!! 

 

Nas 12 horas de Interlagos, mestre e discípulo dividiram o volante do Simca. Walter Hahn Jr. realizava um sonho. 

 

Tínhamos combinado que iríamos fazer o treino juntos ele me daria mais dicas, mas 2 dias antes, o Avon teve uma crise de apendicite. Foi internado rapidamente e eu fiquei sem “instrutor” para as primeiras voltas em Interlagos, pista que eu conhecia pouco e guiando tudo errado.

 

Fiz o que pude nos treinos e fui muito bem na classificação, mas acabado o treino fui correndo fui até o Hospital das Clinicas, descrevi onde eu tinha errado e ele, recém operado, sentou na cama pegou uma folha de papel e caneta, desenhou o Autódromo  de Interlagos inteiro e, com calma, foi me descrevendo em detalhes, onde e como fazer cada tomada  de curva, e onde sair delas , onde frear curva por curva (sempre  na placa dos 50  mts!), e por aí vai. Eu reli essas anotações inúmeras vezes durante aquela noite, decorei tudo, fechava os olhos e me imaginava guiando o meu carro que tinha acabado de conhecer os limites.

 

Em seguida, me deu o endereço de um amigo dele num hangar no Campo de Marte e disse “você vai lá, fala em meu nome e arruma 100 litros de gasolina de aviação de 100 octanas, é para e a corrida. O Claude vai acertar de novo a carburação. Vai ser bárbaro. Tu vai andar na frente”! Ele não pode assistir a corrida, mas vibrou ao saber o resultado!

 

A corrida (Prêmio Simon Bolívar) foi melhor do que o esperado, pois consegui um 3º lugar. O meu carro, na largada, disparou na frente. Foi uma experiência fantástica! Comemoramos muito e a partir daí o Avon esteve sempre a meu lado.

 

Acima, Walter Hahn Junior tem o capacete retirado por ninguém menos que Chico Landi. Elogios que dividiu com Zoroastro Avon.  

 

Numa das corridas de Piracicaba, onde obtive uma das minhas 3 vitórias, logo após a chegada, o “Seu Chico” veio falar comigo e além de perguntar quem tinha feito aquele motor, disse em seguida algo que nunca vou me esquecer:

 

“Eu nunca  ouvi um motor Simca tão afinado como esse, e num gesto inesquecível  me ajudou a tirar o capacete e foi dizendo: ‘parabéns campeão você fez uma corrida e tanto’, andar na frente de um DKW com motor de fábrica em circuito de rua não é fácil” e isso vindo do Chico Landi e na frente de meu pai... era o começo! 

 

Fizemos varias corridas em dupla com o Simca 88, onde o Avon foi meu parceiro e  nós 2 gostávamos de corridas longas e nelas, pude ver como ele guiava forte e regular, conseguia tirar o máximo sem quebrar o carro, freando com cuidado, mas  freava pouco... e sem nunca ultrapassar os limites do motor.

 

Posso dizer que aprendi muito do que sei com o Avon e, durante os anos seguintes, com ajuda dele, do Claude e da nossa famosa “Equipe 1. 600 km”, pudemos  conseguir ótimos resultados sobretudo as 3 vitórias de Piracicaba, lutando com os pequenos e valentes DKW da equipe da Vemag ou com motores preparados pela fábrica dado a particulares, ideais para circuitos de rua, pois eram muito mais leves que o Simca.

 

 

Um dos momentos mais importantes para a carreira automobilística de Walter Hahn foi o Prêmio Victor, entregue por JM Fangio. 

 

O Avon foi um Grande Piloto, talvez pouco lembrado, mas muito admirado e estimado pelas pessoas que puderam conviver com ele. Era um esportista de verdade, grande conhecedor de mecânica e apaixonado pelo Simca, cuja paixão ele me fez  absorver também.

 

Acho que posso dizer, e deixo aqui registrado, que o Avon foi o mentor/iniciador  da Simca do Brasil em corridas e dos resultados obtidos posteriormente, pois  mesmo antes de fazer parte da equipe de corridas da fabrica, ele foi sem duvida o  primeiro a descobrir o potencial do carro e caminhos da marca nas competições no Brasil.

 

Ele antecedeu a todos nós, pilotos da Simca, bravamente, pois conhecia como ninguém esse automóvel fantástico: o Simca Chambord!  Parabéns, Grande Avon. Você foi um Grande Companheiro, Grande Professor e um Grande Piloto!

 

Saudades...

 

Walter  Hahn  Junior

 

 

Last Updated ( Sunday, 06 May 2012 05:25 )