Entrevista: Neusa Felix Print
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Thursday, 05 January 2012 11:36

 

 

No ano de 2008, quando a FórmulaTruck perdeu – prematuramente – seu criador, Aurélio Batista Felix, muitos se perguntaram sobre o futuro da categoria. Contudo, poucos sabiam e um número muito menor ainda acreditava que a categoria pudesse não sóse manter, mas crescer ainda mais sob o comando de uma mulher... mais que isso, uma super mulher! Esta é Neusa Navarro Felix, a responsável pela categoria de maior sucesso no país que nos concedeu esta entrevista no final de 2011 e a quem homenageamos às vésperas do Dia Internacional da Mulher.

 

NdG: A senhora teve o prazer e a honra de partilhar boa parte de sua vida com um dos maiores abnegados do automobilismo brasileiro, Aurélio Batista Felix. A senhora se importaria de falar um pouco sobre esse lado humano da sua vida com ele?

 

D. Neusa Felix: Nós nos casamos muito jovens. Eu tinha 19 anos e ele 21. Foram quase 30 anos de casados e bem casados onde Nós trabalhamos muito, vivemos intensamente, fomos muito cúmplices um do outro em tudo. O Aurélio tinha muitos sonhos e ele conseguiu realizar todos, como o que é a Fórmula Truck, que foi um sonho dele e que se tornou uma realidade, por mais louca que eu achasse que fosse esta idéia porque eu achava uma loucura no início. A gente tinha uma transportadora e ele começou a transformar os caminhões da transportadora em caminhões de corrida. Ele dizia pra mim: “confia em mim que vai dar certo”... e deu!

 

NdG: O ‘seu’ Aurélio nunca tinha se metido com automobilismo na vida antes? Como mecânico, preparador, ou outra coisa?

 

 

O Aurélio nos deixou muito cedo, mas a gente sente a presença dele em tudo aqui quando estamos trabalhando. É algo forte. 

 

D. Neusa Felix: Nada! O Aurélio nunca foi piloto, nuca teve oficina pra carro de corrida... nossa vida sempre foi com caminhão. Nem mesmo corrida ele acompanhava muito. Começou a acompanhar mais na época do Ayrton Senna. Quando ele começou a pensar na Fórmula Truck, em desenvolver a categoria, que ele começou a modificar os caminhões, fazer os “Santo Antônio”, criar as especificações dos motores, criar o regulamento, foi tudo idéia da cabeça dele, tudo pensado por ele sozinho. Foi mais uma das coisas que ele “enfiou na cabeça” e disse que ia fazer acontecer.

 

NdG: Certo, mas algo deve ter motivado-o a fazer algo neste sentido: unir automobilismo e caminhões. Isso já existia na Europa quando ele começou. Foi daí que veio a inspiração?

 

D. Neusa Felix: Se já tinha corrida de caminhão na Europa eu não sei e acho que ele também não sabia. Antes do Aurélio até houve umas corridas de caminhão que eu fiquei sabendo depois, mas o que o Aurélio tinha com ele era de se fazer “um esporte para os caminhoneiros”! Hoje eu posso falar isso, mas o Aurélio começou a dirigir caminhão com 15 anos de idade, sem carta, aprendeu com a família e era uma coisa que corria nas veias dele. A dedicação com que ele se deu para esta profissão, para essa vida na estrada... nossa... nessas horas eu lembro dos primeiros anos, quantas vezes viajei com ele, com as crianças pequenas na boléia do caminhão... e hoje a gente está aqui. Com uma categoria que é um sucesso, que hoje os pilotos são na sua grande maioria pilotos, não mais caminhoneiros, que cresceu e continua crescendo.

 

NdG: Vamos pedir para a senhora uma coisa quase impossível: Dá pra descrever o Aurélio sem que a gente acabe a bateria do mp3?

 

D. Neusa Felix: (Risos) ai meu Deus... depois de tantos anos de vida a dois é difícil, mas eu posso dizer que o Aurélio era uma pessoa maravilhosa, muito boa, de um coração imenso, que procurava ajudar todos que ele podia, muito dedicado com tudo que ele fazia, era uma pessoa muito séria e determinada, muito correto, sempre lutou pelas coisas justas e corretas. Todo mundo gostava dele por causa disso. Ele era muito bravo as vezes, bravo pra caramba, cobrava tudo ao máximo, queria tudo sempre perfeito, mas era uma pessoa que distribuía carinho e amizade a todos em sua volta.

 

NdG: A senhora falou sobre o início, quando o Aurélio começou a adaptar os caminhões para correr e que era uma coisa de sua cabeça. Que parâmetros ele usava para fazer isso, como era essa coisa da transformação dos caminhões?

 

 

Tudo que existe na Fórmula Truck saiu da cabeça do Aurélio. Ele não entendia de corrida, mas entendia muito de caminhão.  

 

D. Neusa Felix: Essa é uma das coisas que ninguém entende de como ele, sem ser do automobilismo, ele conseguiu fazer tudo isso. Só que de caminhão ele entendia, e entendia muito e foi analisando o comportamento dos caminhões nas corridas, modificando as peças, reforçando uma coisa, outra... no início o que se via eram os caminhões bem parecidos aos caminhões que rodavam nas estradas do país e que tinham um “Santo Antônio” para proteger os pilotos, mas as primeiras referências eram as dificuldades nas estradas, o que forçava mais, o que quebrava mais e daí se foi comparando com o que acontecia nas corridas e se foi melhorando. Depois, claro, vieram as pessoas que foram se juntando a nós que entendiam da corrida, que trabalhavam com isso e a categoria foi crescendo até chegar no que é hoje. Se a gente olhar um caminhão que corria em 95/96 e colocar do lado um caminhão que corre hoje, a diferença é enorme. Hoje um caminhão da Fórmula Truck é um “carro de corrida”. Hoje a categoria tem várias equipes, com várias montadoras envolvidas, tudo muito tecnológico, mas se você sair conversando por aí pelos boxes, vai ver que o Aurélio ainda tem uma presença muito forte na categoria e todo mundo ainda fala e mesmo sente saudades das engenhocas dele.

 

NdG: A gente sabe e a senhora também falou que a Fórmula Truck tem um regulamento todo particular, onde caminhões com tamanhos diferentes, potências diferentes competem em pé de igualdade. Como é feito isso?

 

D. Neusa Felix: Realmente, temos caminhões com motores de 9 litros competindo com caminhões com motores de 12 litros disputando o campeonato em pé de igualdade. Como funciona isso? Nós temos como princípio da categoria a competição. Se não houver competitividade entre as marcas, não vai haver espetáculo, não vai haver disputa e não é isso que nós queremos, não é isso que o público quer, não é isso que os nossos parceiros querem. Assim, uma comissão de engenheiros das montadoras fazem um trabalho em conjunto para que tenhamos um equilíbrio para todos que participam da categoria. Isso também leva em conta o aspecto de custo. Um exemplo foi o biturbo usado pelo Scania do Roberval Andrade em 2010 que não foi mais permitido em 2011. Além de ter propiciado um certo ganho, havia também a questão que nem todos os motores poderiam recebê-lo para 2011 e também que isso elevaria o custo da categoria. Assim, eliminamos o biturbo para 2011. Outra coisa importante é que os donos das equipes e os pilotos participam da elaboração deste regulamento. No final do ano a gente se reúne e discute com eles também o que pode ser feito para aumentar o equilíbrio e competitividade da categoria.

 

NdG: O que a senhora está falando deveria ser um exemplo para todas as categorias do país... piloto ter voz, piloto ter vez e piloto ser chamado para opinar sobre o regulamento da categoria... como e quando começou isso?

 

D. Neusa Felix: Desde os tempos do Aurélio é assim. Ele sempre pensou no espetáculo primeiro e os pilotos são parte importante deste espetáculo. Além do mais, são eles que estão na pista, que percebem primeiro as diferenças entre um caminhão e outro e a opinião deles é importante não só no aspecto técnico como nos aspectos de segurança.

 

NdG: A Fórmula Truck teve até 2011 seis montadoras (Mercedes Benz; Volkswagen; Volvo; Scania; Ford; e Iveco) participando do campeonato e parece que podemos ter uma sétima – a Sinotruck, chinesa – para 2012. Como é que a categoria conseguiu fazer o que nenhum outro promotor conseguiu até hoje: fazer com que as montadoras queiram participar de uma competição para expor seu produto?

 

 

Fazer o regulamento da Truck hoje envolve a organização da categoria, os engenheiros das fábricas, pilotos e donos de equipe. 

 

D. Neusa Felix: Mais uma coisa que a gente pode atribuir a habilidade do Aurélio em fazer a categoria do jeito que ela é. As montadoras estão com a gente desde o início e eles foram vendo que a categoria poderia ser um grande laboratório para elas e cada vez elas participam mais, investem mais e são grandes parceiras na categoria. Por isso nãos damos tanta importância a elas e a gente tem um marketing de relacionamento muito forte com todas elas. O espetáculo é feito por elas e é preciso dar em troca algo para os clientes, os parceiros e nós buscamos isso, uma amizade, uma parceria, uma cumplicidade. Cada uma delas monta seu Hospitality Center e claro que quanto mais eles puderem atrair de clientes, quanto melhor o caminhão deles andar mais publicidade para eles, para nós é muito bom e para o público também.

 

NdG: A senhora falou no público... o público que a Formula Truck “arrasta” evento após evento é o maior do país há anos se compararmos com as demais categorias do país, mesmo sem ter os “donos da mídia” dando suporte. Outro segredo de sucesso?

 

D. Neusa Felix: (Risos) Aiai... o segredo... o segredo é que a gente faz um espetáculo para o público que vem para o autódromo. Desde as 9 horas da manhã o público que chega cedo tem um espetáculo com show de habilidade com motos, com os caminhões, que o Aurélio fazia e que hoje nossos filhos fazem, com show musical, com o “ truck test”, o desfile dos pilotos e dos caminhões... nossa, só o fato de ser caminhão já chama atenção, né? Quem vem ver pela primeira vez ou mesmo vê na televisão já fica impressionado com o que vê, com os caminhões a mais de 200 por hora e tem toda a interatividade com o público antes da corrida que é o evento principal. Todo o evento é uma preparação para o grande momento que é a corrida então o torcedor tem 5, 6 horas de lazer, diversão e emoção. É isso que faz a Fórmula Truck ser diferente. O público é a razão, o público é a emoção. Eu costumo dizer que a Fórmula Truck é para ser vista no autódromo. Na televisão também é bonito, mas quem vem uma vez assistir ao vivo, volta!

 

NdG: A categoria em 2011 e em 2012 voltou a incluir Goiânia no calendário. Uma coisa que sempre marcou a presença da Truck foi o cuidado e a preparação que a categoria faz no autódromo antes de ir lá correr. Se a categoria faz isso pelos autódromos onde corre, porque os administradores não fazem? Falta dinheiro, coragem ou vontade?

 

D. Neusa Felix: Acho que um pouco de cada. Se você tem um autódromo, ele é um patrimônio da cidade, do estado. Tem que cuidar. Ele tem como gerar renda. Quando a gente vai a uma cidade, a gente arruma o autódromo todo. Como eu disse, a etapa da Truck é para ser assistida ao vivo, no autódromo e se o autódromo não tiver bem cuidado, limpo, arrumado, com uma infraestrutura que dê ao torcedor prazer em estar ali, no ano seguinte ele não volta e em muitos lugares não tem alternativa: ou se faz isso ou não tem onde correr!

 

NdG: A Fórmula Truck tem 10 corridas por ano e sendo o sucesso que é, certamente há mais cidades que gostariam de ter uma etapa da categoria em seu autódromo. Tem como ampliar o calendário?

 

 

Uma etapa da Fórmula Truck é um show e um show para ser visto ao vivo, no autódromo. Na TV também é legal, mas no autódromo... 

 

D. Neusa Felix: O Brasil tem 13 autódromos e não fazemos 10 etapas, sendo 9 no Brasil e 1 na Argentina. Nós vamos a 9 cidades diferentes todos os anos. Não fazemos duas etapas na mesma cidade. Alguns autódromos, infelizmente, já não comportam mais a categoria. Fortaleza é um lugar maravilhoso, mas o autódromo não atende mais. Cascavel é outro lugar para onde sempre levamos grandes públicos, mas que não tem mais estrutura para receber a categoria. Agora vai ser reformado e, depois da reforma, provavelmente nós voltaremos a correr lá. Tarumã é um autódromo maravilhoso em termos de pista, mas a infraestrutura também não comporta mais a categoria. Muitas vezes ouvimos: “se nós fizermos um autódromo a Truck vai pra lá?”. A gente vai! Se tiver estrutura a gente vai, mas a gente tem que planejar tudo muito bem. A montagem de toda a estrutura que levamos toma 2 semanas e a logística tem que ser levada em conta na montagem do calendário, mas, havendo mais locais, vale a pena o esforço. Se tivermos como fazer duas corridas em um mês, a gente faz um esforço e faz.

 

NdG: A senhora falou sobre a logística da categoria. Como funciona este aspecto da categoria sem a qual não tem como se fazer corrida e que é feito pelos “operários do espetáculo” e que envolve uma estrutura enorme, a começar pelo tamanho dos “carrinhos”?

 

D. Neusa Felix: (Risos) Gostei do “operários do espetáculo”. Realmente, é um trabalho enorme. São quase 60 carretas que levam nossa estrutura de arquibancadas, HCs, áreas VIPs e caminhões. Depois que termina uma corrida, já começa a outra, com a desmontagem de toda a estrutura . Desmontar é mais fácil que montar. A montagem da nossa estrutura, dependendo do local, pode levar quase duas semanas então este é o prazo com o qual contamos sempre, chegar no autódromo duas semanas antes da corrida...

 

NdG: Então o, digamos, prazo mínimo entre duas etapas seria de três semanas?

 

D. Neusa Felix: Isso já seria um prazo assim, no limite. Os caminhões de corrida tem que ir para as sedes das equipes ou para Santos para a revisão dos motores, para a recuperação das carenagens enquanto a parte de infraestrutura segue para o autódromo seguinte.  Duas semanas antes da corrida, o [Roberto] Cirino e o Daniel já estão lá para dar início a montagem da estrutura que levamos. Em todo autódromo que fazemos uma etapa da categoria sempre procuramos fazer melhorias permanentes em muitos deles. Fizemos muros de concreto em Guaporé, fizemos uma reforma quando ainda corríamos em Cascavel e isso é parte da forma de trabalho da categoria desde quando o Aurélio comandava tudo.

 

NdG: Sobre essa “forma de trabalho” desde quando o Aurélio comandava tudo, depois que a senhora assumiu, alguma coisa mudou, não? Como foi este processo de transição forçada?

 

 

O Aurélio tinha uma maneira muito dele de trabalhar. Eu não sei se ele concordaria com a forma que fizemos a etapa na Argentina. 

 

D. Neusa Felix: Eu digo a vocês de todo o coração: ele faz muita falta! A gente sente que ele está presente em tudo que fazemos e se ele estivesse aqui, fisicamente, isso aqui estaria a mil por hora, pois esse era o jeito dele trabalhar...

 

NdG: Mas com a senhora a categoria não apenas manteve o ritmo, mas cresceu! O que a gente percebia era que o Aurélio estava presente em tudo o tempo todo. Com a senhora, o que mudou na forma de conduzir a categoria?

 

D. Neusa Felix: Olha, esta forma como ele fazia as coisas certamente contribuiu em muito para sua morte. Ele se envolvia demais, se preocupava demais com tudo, com todos os detalhes. Ele queria fazer tudo e a gente não consegue fazer tudo. Enquanto ele estava no autódromo, fazendo as etapas, fechando contratos eu estava na empresa, cuidando da empresa. Hoje eu estou fazendo as duas coisas e não teria como fazer as duas coisas se eu não tivesse minha filha mais velha que está se envolvendo com esta parte e tem me ajudado e ter uma equipe muito boa trabalhando para a categoria ficar cada vez melhor, cada vez maior e estarmos conseguindo crescer ano a ano. Eu delego poderes. Ele deixou uma equipe boa e eu contratei mais gente para somar e está dando certo.

 

NdG: Foi na sua gestão que a Fórmula Truck cruzou a fronteira e iniciou um processo de internacionalização da categoria. O argentino adora corrida e tem lotado o autódromo a cada etapa. Como foi a reação do público ao ver uma “coisa” deste tamanho a 200 Km/h rasgando a reta do autódromo de Buenos Aires?

 

D. Neusa Felix: Esse era um dos sonhos do Aurélio. Ele foi lá algumas vezes e sempre faltava uma coisa ou outra para fechar o contrato e finalmente, em 2009, a gente conseguiu fazendo de um jeito que eu acho que ele não faria, que foi dividindo o espaço com outra categoria, a Top Race, que é uma categoria deles. Mas foi algo que valeu a pena. A receptividade foi ótima e a reação do público foi impressionante. Valeu muito a pena ir e eu tenho certeza que ele estaria muito feliz com o retorno que a categoria vem tendo lá.

 

NdG: Este processo de internacionalização, é um processo sem volta? O que a senhora tem pensado para o futuro da categoria neste sentido?

 

 

A gente tem 13 autódromos no país, mas três não tem como receber a categoria. Tendo mais autódromos, temos como ir. 

 

D. Neusa Felix: No segundo semestre de 2011 eu fui ao México e estamos pensando em levar a categoria para fazer uma corrida lá. O processo ainda está muito no começo. Para 2012 o que nós iremos fazer é transmitir as corridas aqui do Brasil na TV mexicana. Estamos planejando fazer um show, uma apresentação da categoria junto com uma etapa da NASCAR (Corona Series) e daí pensar em fazer uma etapa no México em 2013 e, dependendo das condições, quem sabe, fazer alguma coisa nos Estados Unidos, uma apresentação... estaremos perto e daí , vale a pena tentar. Esse agora é um sonho da Neusa (risos), mas acho que se ele estivesse vivo, seria um sonho dele também.

 

NdG: A senhora falou que a Fórmula Truck é um espetáculo feito para o público, para ser assistido no autódromo, mas que também é bonito pela televisão. A categoria tem uma parceria de muitos anos com a TV Bandeirantes... mas não incomoda a senhora o fato das demais redes de televisão não sequer noticiar os resultados das corridas disputadas?

 

D. Neusa Felix: É uma coisa que chateia sim. Acho que a imprensa deveria tratar a categoria como assunto jornalístico. É um evento esportivo, que leva um grande público a um autódromo... e as outras empresas de comunicação  em geral e a globo em particular simplesmente ignora a nossa existência. Não sei o que tanto os incomoda... alguma coisa deve incomodar, não? Mas eu vejo que não é só conosco, que outras competições sofrem o mesmo problema e aonde fica o jornalismo nessas horas?

 

NdG: Esta questão do “boicote” e a anterior, o calendário, levantam um ponto interessante: É verdade que os pilotos da Truck assumem um compromisso de não correr em outras categorias? É algo que existe mesmo e, se existe, porque existe?

 

 

A gente tem planos para ampliar a exposição da categoria. Correr no México, depois, talvez, nos EUA... agora são sonhos da Neusa! 

 

D. Neusa Felix: Existe. Isso faz parte do regulamento da categoria e temos algumas razões para fazer isso. Vou dar um exemplo: digamos que o Wellington Cirino corresse na Fórmula Truck, na Stock Car e na GT3, que é o que acontece por aí. Ele estaria tirando a vaga de dois pilotos que estão querendo correr porque ele está correndo em três categorias! Temos hoje uma lista de pilotos querendo andar na Truck e não temos vaga, não tem equipes para absorver, não tem caminhão pra todo mundo. Isso deve acontecer nas outras categorias também. Um outro ponto importante também é a questão dos calendários. A gente não tem problema de calendário como outras categorias tem. Quando vamos na CBA fazer o fechamento dos calendários é um problema porque eles tem que se organizar para os pilotos que correm em duas, três categorias e eles marcam corridas para a mesma data em circuitos diferentes. Um piloto da Formula 1 não corre na Fórmula Indy, corre? Nem mesmo na GP2. Ele é piloto daquela categoria.

 

NdG: Entendemos este ponto de vista, D. Neusa, mas nos anos 70, um piloto que corria na F1, corria na F2 e no mundial de protótipos para juntar três salários e ganhar dinheiro. Hoje, na F1, alguns pilotos ganham, outros pagam para correr. O que vemos no automobilismo brasileiro são os pilotos fazendo algo semelhante ao que os pilotos faziam na Europa 40 anos atrás. O piloto que corre na Fórmula Truck ganha bem o suficiente para não precisar correr em outra categoria?

 

D. Neusa Felix: Assim como é em qualquer categoria, que é um piloto de ponta, ganha bem, ganha mais que os outros. Se o piloto consegue trazer um bom patrocínio para sua equipe, ele vai ganhar em cima disso também.

 

NdG: Essa questão do conflito de datas do calendário nos reporta a outra coisa: No calendário de 2011 foram 7 datas  (Nota dos NdG: para 2012 serão apenas 3) em que as duas categorias que mais levam público aos autódromos no país correram etapas, concorrendo uma contra a outra, tirando público nos autódromos e na TV uma da outra. Foi algo acidental, foi algo proposital, foi algo ruim para ambas?

 

 

A gente tem uma política de exclusividade com os nossos pilotos. Tem muito piloto procurando onde correr e não acha vaga. 

 

D. Neusa Felix: Eu na vejo por esse lado. Por exemplo, quando fizemos o calendário da Truck de 2011, eu vi um calendário que a Stock tinha feito e que estava no site deles e procurei fazer com que as etapas não coincidissem. Quando eu encaminhei o calendário para a CBA depois eu fiquei sabendo que eles tinham enviado outro que era bem diferente do que eu tinha visto, inclusive com a corrida de encerramento deles marcada para Curitiba no dia da nossa penúltima etapa. Eles disseram que por conta da Rede Globo não poderiam mudar as datas e eu achei por bem não mudar as minhas também. Eles tem problemas com o encontro de datas com as outras categorias e não temos profissionais, que não são pilotos, que trabalham ligados à Stock e isso não é bom para ninguém. Agora para 2012 acho que vamos conseguir coincidir só duas ou três datas. A questão de Curitiba foi tranqüila, pelo menos para nós. Nós tínhamos um contrato de 2 anos assinado com o autódromo e apenas exercemos nossa opção de data. Eles tiveram que mudar.

 

NdG: Agora a gente vai fazer uma pergunta delicada: Quando custa fazer uma etapa da Fórmula Truck?

 

D. Neusa Felix: Ai... delicada mesmo. Custa muito, viu... Cada cidade que a gente vai tem um custo. Tem a questão da distância, o tamanho da estrutura... aqui a gente não precisa montar as arquibancadas, em outro autódromo a gente precisa. Cada autódromo tem seu valor de locação, se o autódromo é mais longe, gastamos mais para ir e voltar... mas eu posso dizer que custa muito (risos), mas eu não vou dizer o quanto, valores, tá? A praça mais cara continua sendo São Paulo, mas ali é outro mundo.

 

NdG: São Paulo... outra coisa que nós temos acompanhado há algum tempo é que existe um lobby poderoso querendo tirar a Truck de São Paulo. Como está sendo conduzido este assunto, vamos ter corrida em 2012 em Interlagos?

 

 

Em 2011 tivemos muitas etapas que coincidiram com a Stock. Isso não é bom nem pra eles e nem para nós. Em 2012 não deve ser assim. 

 

D. Neusa Felix: Vamos sim, com certeza. Esse assunto realmente existiu um questionamento muito grande sobre os possíveis danos que os caminhões poderiam causar no circuito por causa da Fórmula 1. Em 2008 nós fomos fazer a etapa lá e levamos técnicos do IPT para analizar o asfalto antes e depois da prova e ficou constatado que não houve nenhum tipo de dano ao asfalto. Levamos este laudo para a SPTuris para garantir que não haveria danos ao autódromo. Assinamos na época um contrato de 4 anos e até 2012 estamos garantidos. O prefeito e os administradores do autódromo tem um carinho muito grande pela categoria e foi feito um estudo do quanto é positivo para a cidade a realização da etapa da categoria. A prefeitura só ganha, a cidade só ganha e eu espero assinar mais um contrato de 4 anos para mantermos a corrida de lá.

 

NdG: Última pergunta... porque já tomamos tempo de mais da senhora e tem uma multidão pronta para me linchar (risos). Se é bom para São Paulo, é bom para as outras cidades. Já houve algum convite, já se estudou a viabilidade de se fazer uma corrida de rua?

 

D. Neusa Felix: Convite até houve. Salvador chegou com uma proposta para fazermos uma etapa lá, mas não tem como. O caminhão é muito grande, muito pesado e quando teve a Indy em São Paulo pensaram em fazer uma preliminar e a gente viu que é inviável. Eu não sinto segurança em fazer e não vale a pena se correr o risco. Eu acho que seria interessante, mas não tem como.

 

NdG: Dona Neusa, não temos palavras para agradecer estes 45 minutos de entrevista e saiba que ficamos ainda mais fãs da senhora depois disso tudo. Na nossa vizinha Argentina, onde a categoria faz tanto sucesso, o maior estadista do país foi uma mulher, Eva Peron, a famosa Evita. A senhora está para nosso automobilismo como ela está para a história de seu país. Que a Fórmula truck cresça cada vez mais.

 

 

Ai meu Deus... Evita é muito né? Mas hoje eu fico muito feliz por tudo que vem acontecendo na Truck, pela equipe que temos. 

 

D. Neusa Felix: Ai meu Deus (risos) não acho que sou isso tudo não, mas muito obrigado... 45 minutos? Passou que eu nem senti. Foi muito bom falar com vocês. 

 

Last Updated ( Thursday, 05 January 2012 13:10 )