Entrevista: Henrique Assunção Print
Written by Administrator   
Sunday, 24 May 2020 19:43

Na história do automobilismo brasileiro as corridas de Endurance tem um capitulo muito especial, principalmente no processo de consolidação do esporte entre os anos 60 e 70. Apesar de ter perdido espaço a nível nacional nos anos seguintes, na região sul e em particular em terras gaúchas, a tradição das provas de longa duração sobreviveram até a chegada da proposta do empresário e piloto Henrique Assunção.

 

Desde o fim do campeonato brasileiro de Gran Turismo, havia uma lacuna em nosso calendário e esta vem sendo preenchida com a expansão das provas de Endurance, que romperam as fronteiras do estado do Rio Grande do Sul e avançaram sobre o país para vir se consolidando como um campeonato que alia várias categorias e promove um belo espetáculo. Crescendo ano a ano, vem atraindo os proprietários dos grandes carros de GT de volta às pistas no Brasil e estimulando o trabalho de desenvolvimento de construtores com seus protótipos.

 

Com o crescente da categoria e grandes expectativas para 2020 – que acabaram de certa forma frustradas por conta da pandemia do coronavírus – o Campeonato Brasileiro de Endurance vem se consolidando como um “espaço democrático”, com a chegada de mais carros de Gran Turismo, tanto da GT3 como na GT4, com a ampliação do grid dos protótipos pode se tornar um destino para jovens pilotos trabalharem e se desenvolverem para, caso interesse, buscar uma carreira internacional. Foi assim que convidamos o promotor da categoria, Henrique Assunção, para esta entrevista e expor sua visão sobre o automobilismo e as possibilidades da categoria que promove.

 

Esse paulistano que muito orgulho tem da família tem como uma de suas filosofias de vida não fechar as portas para ninguém, nunca. Casado e pai de dois filhos, tem orgulho em ter proporcionado a ambos a oportunidade de se formarem, quando ele precisou começar a trabalhar ainda na adolescência. Esse espírito lutador tem movido Henrique ao longo de décadas para conseguir ir transformando seus sonhos em realidade.

 

NdG: Como o automobilismo entrou na sua vida?

 

  Eu sempre tive uma paixão pelo automobilismo e vizinho da minha casa tinha uma oficina de preparação de carros de corrida.

 

Henrique Assunção: Eu sempre gostei das coisas ligadas a motores. Motos, carros, corridas... e é um sonho de todo mundo da minha geração poder trabalhar e ter seu carro, ter sua moto, progredir na vida, não é? Do lado da minha casa tinha um mecânico chamado Rui e ele trabalhou com vários pilotos famosos. Nelson Piquet, Xandy Negrão... e toda vez que eu chegava da rua, na época eu era vendedor, eu ia na sua oficina olhar o que ele estava fazendo e ele sempre estava preparando um carro para competir e eu dizia pra mim: um dia ainda vou brincar disso! Em 2002 eu já estava bem estabelecido, trabalhando bastante, eu consegui fazer um curso de pilotagem e fui brincar com uns protótipos no campeonato paulista.

 

NdG: E aí a brincadeira foi ficando séria...

 

Henrique Assunção: Sim. Fui me envolvendo cada vez mais, fui passando por outras categorias como a Stock Paulista, Porsche, GT3 e fui aprendendo com o tempo como funcionava essa parte de organização, de preparação de uma categoria, de regulamentação, que é uma coisa muito importante do automobilismo.

 

NdG: Uma coisa é ser piloto, outra é ser promotor...

 

Henrique Assunção: Por tudo que eu vivi nas categorias regionais, com as políticas existentes e a falta de reconhecimento e de conhecimento sobre o esporte a motor que todo mundo pensa que é um “esporte de rico”, mas que não é assim. Tem automobilismo pra todo tamanho de bolso. Pode ir desde um carro praticamente sem preparação até um GT3, que é um carro importado. Além disso, nunca é um carro e um piloto. Tem uma equipe por trás do piloto, profissionais, trabalhadores, pais de família. É uma estrutura de geração de empregos diretos e indiretos. Eu me envolvi no automobilismo simplesmente por paixão. Na verdade eu não sou “um promotor”. Eu fundei uma associação de pilotos com os amigos mais antigos da nossa época. Eu estou pra fazer 60 anos e juntos com o Marcel Viscondi e o Xandy Negrão e fomos idealizando este projeto que está como vocês estão vendo e nós estamos juntos aqui.

 

NdG: Apesar de não se auto entitular como “promotor”, você foi conseguindo ao longo destes últimos anos consolidar ao campeonato brasileiro de endurance e este vem ocupando um espaço cada vez maior no cenário nacional. Como se deu esse processo?

 

  Falta conhecimento e reconhecimento ao automobilismo, que muita gente fala que é "esporte de rico", mas não é bem assim.

 

Henrique Assunção: Sim, eu vi no endurance uma forma de atender o desejo de quem tem paixão pelo automobilismo. Aquela pessoa que gosta de pilotar, que quer estar na pista, acelerar, pelas categorias que eu passei, eu achava pouco o que eu tinha. Você dedicar um final de semana que às vezes começava na quinta-feira, muitas vezes ficando longe de casa, de família, deixando teu trabalho, pra correr 40 minutos? Fazer dois ou três treinos de 20 minutos? É muito pouco! Você gasta um dinheiro, que vai desde a preparação do carro, pagamento dos mecânicos, transporte, inscrição, combustível, pneus, etc. e no final, o tempo em que você faz aquilo que realmente te dá prazer é pequeno. Esse foi o caminho, buscar mais tempo de prazer!

 

NdG: O automobilismo do Rio Grande do Sul tem uma tradição muito grande em provas de endurance e você conseguiu uma ligação muito grande com eles. Como foi esse trabalho?

 

Henrique Assunção: Na realidade, meu trabalho teve uma ação nisso. Há quase 30 anos que meu trabalho me leva a viajar de São Paulo para o sul do país com frequência e como em São Paulo a gente só tem praticamente Interlagos pra correr e com as reformas de Interlagos para a Fórmula 1 o calendário foi ficando espremido para o regional. Então com isso houve uma diminuição de participantes, as categorias ficando controladas pelos clubes e sempre que eu ia para o sul eu via o pessoal de lá com 4 pistas, botando os carros pra treinar, tendo corridas, aquela coisa boa e eu comecei a brincar com eles e depois comecei a levar uns amigos paulistas para lá. Eles tendo 4 pistas, um custo muito bom, mais barato do que correr em Interlagos, fazendo aquilo que a gente queria fazer que era ficar na pista e nisso começamos o trabalho com a ideia de “vamos nos unir”. Teve uma corrida que agora eu não lembro se foi em 2011 ou 2012 que nós estávamos lá em 140 pilotos pra uma corrida de endurance. Ali eu tive um “estalo” e propus que a gente se unisse em uma associação e vamos começar a buscar aquilo que a gente quer que é se divertir. Vamos levar para as federações e para a CBA o que nós queremos. Se não vier de encontro ao que a gente quer, a gente não faz. A gente faz corridas isoladas, a gente não homologa campeonato, porque no Brasil tem um sistema a seguir e você tem que segui-las. Mas elas nem sempre te satisfazem. Na verdade, na maioria das vezes não satisfaz nenhuma categoria porque são estatutos muito antigos, e estes estatutos precisam mudar. Esse é o nosso sentimento: o ‘circo’ é feito por os e nós temos o direito de exigir aquilo que a gente precisa. Uma boa pista, uma boa segurança, um bom atendimento, custos acessíveis... e o pessoal do sul abraçou a ideia de uma maneira fantástica.

 

NdG: E como foi tirar isso do plano do desejo para o plano da realidade, tratar com a parte estrutural que são as federações e a CBA?

 

  Devido ao meu trabalho pude conhecer o automobilismo gaúcho e comecei a correr lá, depois levei amigos e depois veio o endurance.

 

Henrique Assunção: Eu, felizmente conheço muita gente e tenho um bom relacionamento no meio e na base da humildade a gente foi conseguindo trazer os apaixonados por automobilismo para nosso lado. Por isso que o brasileiro de endurance é isso que temos. Já chegamos a ter 7 categorias e atualmente são 5. são categorias melhores, com carros melhores e grandes pilotos. Uma coisa boa de quem trabalha como nós é que quem quiser trazer seu carro que vai ter como correr com a gente.

 

NdG: Você falou da relação com as autoridades. Como foi o processo de homologação da categoria com a CBA? Ela abraçou a categoria? Ajudou vocês?

 

Henrique Assunção: 100%! Se não fosse a CBA não teríamos consolidado a categoria. Dadai foi totalmente aberto e entendeu a nossa filosofia, nossa proposta e o que a categoria precisava e buscava e nos deu apoio total. Ele é uma pessoa que está tentando mudar muita coisa. A consolidação de uma categoria é um processo lento e dificultoso, mas estamos indo na direção certa.

 

NdG: Você falou sobre autódromos, eu o Rio Grande do Sul tem quatro autódromos e se a gente espreme um pouco são 5 com Rivera. Corrida precisa ter segurança e sobre segurança, como você analisa a segurança dos autódromos no Brasil?

 

Henrique Assunção: Esse foi um dilema que a gente teve que enfrentar esse dilema porque no automobilismo custo pesa e, por exemplo, fazer uma etapa em Interlagos é mais caro do que fazer uma corrida em Curitiba. A questão da segurança é importantíssima e nós priorizamos a segurança e isso vai muito além da pista. A gente corria com pneus as vezes com 300 voltas e isso não ocorre mais. A gente começou a crescer e fomos criando regras. A gente ia pra qualquer pista que quisesse nos receber, as vezes tivemos etapas bancadas pelos clubes que levavam a corrida para uma determinada pista e nós íamos por amizade, por camaradagem, mas a categoria foi crescendo, recebendo carros mais velozes e isso precisou mudar. Nosso desejo seria fazer uma corrida em cada autódromo, sem repetir pistas, mas isso não é possível por conta da tecnologia dos carros que hoje estão na categoria. A tecnologia evoluiu, a conectividade evoluiu e as nossas pistas não evoluíram.

 

NdG: No evento do brasileiro de endurance nós temos carros muito velozes como os GTE e os protótipos construídos pelo Moro. Esse modelo tem espaço no Brasil para seguirmos algo como é o WEC ou os GT deveriam ter uma prova e um evento só para eles?

 

  Uma competição de automobilismo tem custos e segurança é um que a gente não pode economizar e tem que levar a sério.

 

Henrique Assunção: Não. Eu vejo o endurance na sua essência. Ela ter quatro ou cinco categorias correndo juntas é um modelo que existe em todo o mundo. O importante neste tipo de evento é termos regulamentos para agrupar os carros dentro de categorias que busquem o equilíbrio e a competitividade. Temos protótipos diferentes e GTs diferentes e buscando trazer mais qualidade ao evento. Não acho que os GTs precisem de um evento separado. Juntos nós somamos.

 

NdG: As categorias de GT tem um desafio para permitir a competitividade entre as marcas e este é buscado pela equalização. Como é feito isso por vocês?

 

Henrique Assunção: Esta é uma grande essência nas competições de endurance. As categorias já estão inicialmente separadas e sabemos quem compete contra quem. Hoje temos um regulamento que está entre 70 a 80% aperfeiçoado e temos trabalhado constantemente para deixa-lo o mais justo e correto possível. Não existe uma fórmula perfeita. Uma boa fórmula é a relação peso/potência. Aí você restringe ou libera. Não vamos mexer em eletrônica e focamos em analisar os motores dos carros de GT3 e GT4. Os fabricantes quando desenvolvem seus projetos já trabalham dentro de um regulamento já existente e o que fazemos é seguir aquilo que a FIA coloca como regra. Nada mais.

 

NdG: A Porsche Cup no Brasil trabalha com um esquema “one team” e eles tem uma competição de endurance na temporada deles. Este campeonato deles é algo que compete com a categoria GT no brasileiro de endurance?

 

Henrique Assunção: De forma alguma! Eu andei na Porsche dois anos e é uma categoria totalmente diferente e mesmo eles promovendo algumas corridas de endurance na temporada não compete conosco. Primeiro porque é uma categoria de carros iguais. É uma competição muito acirrada, as vezes perigosa, e o endurance que eles fazem hoje é a busca do que venho falando: o piloto pagar e poder andar mais, divertir-se mais. Uns até tem patrocínios, mas a maioria são os próprios patrocinadores e o Dener [Pires, promotor da Porsche Cup] viu que tinha que entregar isso também. Não há concorrência ou intenção de concorrência. Cada categoria tem um perfil único. No nosso caso, temos categorias diferentes e dentro delas carros diferentes. Temos no nosso regulamento uma determinação que, para criarmos uma nova categoria é preciso que tenhamos 5 carros para termos uma nova categoria e caso apareçam, teremos mais uma categoria no evento.

 

NdG: Você falou sobre mídia, sobre patrocínio. Como você vê, hoje, o retorno de mídia que a categoria vem conseguindo?

 

  Acho o modelo do nosso evento excelente. Tem espaço para todos, todos se divertem a um custo acessível e tem competitividade.

 

Henrique Assunção: Está vindo de forma natural. Não estamos fazendo nenhum trabalho específico além do que foi estabelecido com nossa administração, que tem um excelente grupo de trabalho, formado por quatro pessoas de muita competência, também vou buscando através das minhas redes de relacionamento com amigos, empresários, mas é importante que se entenda que nosso produto não tem uma finalidade de retorno lucrativo, a categoria não foi feita buscando um retorno financeiro pra alguém, nosso produto é pra divulgar as marcas envolvidas e o fundo que conseguimos hoje é distribuído dentro da nossa associação. Trabalhamos sem fins lucrativos e distribuímos o que ganhamos. O nosso trabalho baseia-se em três pontos: segurança, evento e partilha. O que faturamos em cada evento é distribuído entre os associados.

 

NdG: Como você vê as perspectivas da categoria?

 

Henrique Assunção: É seguir nesse caminho que estamos seguindo. Ter um evento, uma competição com muita segurança, proporcionando corridas cada vez melhores, mais diversão para aqueles que vem correr no endurance, buscando uma solidificação, o que no Brasil é sempre algo muito difícil, mas estamos sendo procurados por grandes marcas, grandes fabricantes, algumas montadoras estão procurando conhecer mais nosso trabalho e a gente vai escolher o que é bom para a categoria.

 

NdG: Quanto custa hoje para fazer uma temporada no brasileiro de endurance? Sabemos que cada categoria tem uma média de valor, claro, mas você pode nos dar uma ideia?

 

Henrique Assunção: É bem isso que você colocou. Depende de qual categoria, qual carro. Uma temporada na Protótipos 1, por exemplo, pode estar em torno dos 600 mil, mas esse é o valor para um carro e um carro pode ter até quatro pilotos e é isso que deixa a categoria interessante. Você pode correr com um super carro por um valor até menor do que você correria um regional com um carro 1.6. quem entra vai poder brincar bastante, com um carro top em uma categoria super competitiva e vai ficar mais tempo na pista do que numa outra categoria. Em outras categorias o custo é mais baixo e mais acessível para quem quiser vir para quem quiser vir correr com a gente.