Entrevista: Luis Ernesto Morales Print
Written by Administrator   
Friday, 30 November 2018 00:20

Todos os anos o Autódromo Internacional de Interlagos passa por um período de preparação para receber o GP Brasil de Fórmula 1 e há mais de uma década um engenheiro brasileiro trabalha junto com as autoridades da FIA para que tudo esteja pronto antes dos carros entrarem na pista.

 

Esta bagagem técnica, essa expertise com os regulamentos internacionais elevaram o nome de Luis Ernesto Morales a um nível de reconhecimento internacional, que na atual gestão da CBA, foi reconhecido e ele foi convidado para assumir a Comissão Nacional de Autódromos, passando assim a vistoriar e apresentar projetos de melhoria para as praças existentes no país e também para projetos que venham a surgir. Logo em seguida, foi também convidado para fazer parte da Comissão de Circuitos da FIA.

 

Formado em engenharia civil há 35 anos, especializou-se em pavimentos especiais, como é o caso dos autódromos, aeroportos, campos de provas de montadoras e mesmo bases militares, Luis Ernesto nos recebeu no centro administrativo do Autódromo José Carlos Pace para falar sobre este grande desafio que ele tem diante de si, com autódromos que carecem de melhorias e que sofrem com a falta de recursos para executá-las.

 

NdG: Quando se pensa em pavimentos especiais os aeroportos vem logo a mente, assim como pontes tipo a Rio Niterói. Como foi que os autódromos entraram neste caminho? Era um nicho de mercado a se explorar?

 

L. E. Morales: Na verdade foi uma coincidência. Entre 2000 e 2001, devido a esta qualificação que eu tinha com pavimentos especiais surgiu um convite para fazer um trabalho na pista de Interlagos e eu acabei me envolvendo, passando a dar consultoria de engenharia nessa área.

 

NdG: Estando há quase 20 anos neste meio, nunca teve vontade de se tornar piloto?

 

L. E. Morales: Eu fui fazer um curso logo em seguida ao meu início de trabalho buscando mais conhecimento para poder fazer meu trabalho de forma mais eficaz. Então eu me matriculei no curso de pilotagem do Roberto Manzini e fiz o curso de pilotagem. Foi como eu achei que poderia entender melhor o usuário final do autódromo. A forma de se conduzir um carro numa pista, numa corrida, é diferente de como se faz isso nas ruas, estradas e avenidas. Mas daí passar a pensar em ser um piloto e disputar corridas envolve outras questões de disponibilidade de tempo, financeiras e outras que eu não teria como desenvolver, mas a experiência de fazer o curso e ter um pouco da visão de um piloto foi muito importante para fazer este trabalho.

 

NdG: Voltando um pouquinho mais no tempo, quando você estava na faculdade passava pela sua cabeça de que um dia você estaria envolvido com automobilismo?

 

Quando comecei a trabalhar com autódromos fui fazer o curso de pilotagem para entender melhor o que tinha a fazer.

 

L. E. Morales: Não... risos. O máximo que eu fazia era assistir corridas, que eu sempre gostei, acompanho desde a época do Emerson [Fittipaldi], mas nunca pensei que iria estar vivenciando isso que tenho vivenciado nestes anos.

 

NdG: Em 2017 o Presidente Waldner Bernardo tomou posse na CBA. Como foi feito o convite para que você assumisse a Comissão Nacional de Autódromos?

 

L. E. Morales: No final do ano de 2016, durante a época do GP Brasil de F1, ele, junto com o Felipe Giaffone, que é Presidente da Associação de Pilotos e que já tinha uma relação comigo por um trabalho feito no Kartódromo da Granja Viana, vieram até mim e tivemos um primeiro contato Eu não o conhecia. Disse-lhe  que minha função sempre foi uma função estritamente técnica, que eu não gostava de política e ele expôs ser isso o que ele buscava e que, caso eleito, gostaria que eu assumisse essa comissão para melhorar a qualidade dos autódromos do país. Quando conversamos eu disse que não queria ter nenhum relacionamento político, que seria para fazer um trabalho técnico e sem interferência, com liberdade de ação. Ele concordou. Assim, depois dele ter sido eleito, eu aceitei.

 

NdG: Você está há praticamente dois anos na presidência da comissão. Quais tem sido seus maiores desafios?

 

L. E. Morales: Olha, é a mudança de conceitos. Quando você fala que é preciso melhorar a segurança dos autódromos isso implica em despesas. Então é buscar estes avanços que são necessários de uma forma progressiva e consciente, buscando dar aos administradores dos autódromos condições para organizar seus orçamentos para colocar o que precisa ser ajustado em prática. Se formos pedir todas as coisas ao mesmo tempo, a maioria dos autódromos não vai ter a capacidade de atender o que estará sendo pedido. A grande maioria dos nossos autódromos são muito antigos, são poucos os novos e o resultado disso é que só temos dois autódromos atualmente com graduação FIA. Interlagos, com grau 1 e o Velocittà, com grau 3. Curitiba tinha grau 3 mas está perdendo por uma questão comercial, administrativa do seu proprietário, mas é um autódromo seguro, tendo um ou outro ponto que poderia ser melhorado e Goiânia, que tem alguns poucos pontos que o impedem de receber o grau 3 da FIA. Os demais autódromos precisam sair de uma conceituação de segurança antiga para os padrões atuais. A segurança dos autódromos precisa acompanhar a evolução dos carros e das categorias que neles correm e os autódromos ficaram parados em termos de segurança por falta principalmente de investimento. Não por falta de vontade. O desafio é como fazer esta modernização com o menor impacto financeiro possível e com os recursos disponíveis em cada local. Temos 14 autódromos espalhados pelo país, com características de gestão diferentes, com visões diferentes, quando tem o poder público envolvido é sempre mais difícil porque a disponibilidade de recursos depende de licitações... o mais importante é conseguir atingir as pessoas responsáveis para que elas entendam as necessidades e entenderem a importância das questões de segurança e com este entendimento conseguirmos começar a fazer as mudanças.

 

NdG: Ter um autódromo em condições de segurança é vital para o esporte e recentemente tivemos a triste desautorização da realização da etapa da Stock Car em Tarumã no último mês de novembro. Como e porque se deu esta proibição?

 

L. E. Morales: Nós estivemos visitando todos os autódromos, fazendo vistorias, inicialmente fazendo um levantamento, identificando os principais problemas e estivemos em Tarumã praticamente um ano e meio antes, levantei estes dados e produzimos um relatório técnico padronizado para cada um dos autódromos, Tarumã inclusive, que seguiram os mesmos critérios. Cascavel, Londrina, Guaporé, Santa Cruz do Sul, Campo Grande, Goiânia, Velopark... todos. Estes relatórios foram entregues todos no início de janeiro deste ano para todos terem tempo de buscar meios para atender o que constava no relatório. Tivemos o cuidado de especificar o que seria de imediato obrigatório e o que viriam a ser medidas complementares, também necessárias, que poderiam ter um tempo maior para serem atendidas, dando tempo para que os administradores tivessem condições de planejar e executar tais obras. Todos, diante das suas condições obrigatórias que foram apresentadas, todos os autódromos trabalharam e conseguiram atender o que foi exposto no relatório. Apenas Tarumã, devido à sua condição específica, com condições mais particulares que os outros, teve na demanda do investimento, na condição financeira, dificuldades para atender as questões técnicas que eram necessárias. A não execução das obras inviabilizaria o evento da Stock Car que é o evento com a matriz de risco mais grave de todos pela condição desta categoria que em Tarumã tem 30 carros andando praticamente no mesmo segundo em um circuito de altíssima velocidade, com alguns pontos críticos de áreas de escape. Para esta condição a matriz de risco de acidentes é alta. Infelizmente tivemos que vetar a corrida da categoria.

 

NdG: Como é feita a análise dessa matriz de risco? Tem uma equipe trabalhando com você para fazê-la?

 

Quando se fala em implantar um modelo de segurança padrão FIA, isso implica em investimentos.

 

L. E. Morales: Eu usei os mesmos parâmetros da FIA. O relatório segue o mesmo padrão FIA que é feito em todo o mundo. É o mínimo que a Federação exige para que se atinjam critérios mínimos de segurança. Por isso fiz questão de ir pessoalmente em todos os autódromos e expor aos administradores o que seria o padrão para adequarmos os autódromos. Eu tenho uma equipe que trabalha comigo que ficou encarregada de desenvolver as plantas e os pontos que constariam nestes relatórios.

 

NdG: A FIA tem para autódromos uma graduação que vai de 1 a 6. No caso da Stock car, ela precisa correr em autódromos em que padrão de graduação. Considerando os aspectos técnicos e de segurança?

 

L. E. Morales: A Stock se enquadraria como uma categoria para correr em autódromos padrão FIA 3, mas existem dois critérios nesta graduação. Temos a homologação internacional, que é o critério FIA, e tem a homologação de critério nacional, que usa a base da FIA, mas tem características próprias. Neste ano a CBA tinha uma graduação de três níveis e dentro destes três níveis a Stock Car estaria na exigência máxima da homologação nacional. Esta graduação estaria hoje entre os níveis 3 e 4 da FIA. O que também está sendo feito é a mudança deste critério da homologação nacional para que esta seja o mais próximo possível dos critérios da FIA. Este processo tem que ser feito de forma gradual, pois se tentarmos fazer isso de forma drástica isso inviabilizaria a maioria dos autódromos que temos em uso no Brasil. Vamos fazendo aos poucos, inclusive tivemos uma reunião sobre isso na sede da CBA na semana passada onde foi feita uma proposta, e algumas coisas já foram definidas, como a regulamentação de graduação da CBA passando a seguir o que é feito pela FIA e a nacional sendo um pouco mais aberta. Meu objetivo é que no final de 2019 estejam todas seguindo o que determina a FIA. Os Autódromos precisam vir se qualificando para chegar neste padrão.

 

NdG: Tarumã é uma pista de alta velocidade, mas Cascavel também o é. O que difere hoje uma da outra em termos de padrões de segurança?

 

L. E. Morales: A grande diferença são as áreas de escape. É uma conjunção de fatores, não só as velocidades. Apenas para traçar um paralelo, a F1 só corre em autódromos FIA 1. Os carros do WEC, que por vezes atingem velocidades maiores que os F1, podem correr em circuitos FIA 2. É uma categoria grau 2, mesmo andando mais rápido que um F1 em algumas condições. Há uma série de fatores que precisam ser considerados. Neste caso, duração de prova, nível dos carros, peso destes carros, se é um monoposto, turismo ou protótipo, se a corrida tem categorias distintas simultaneamente na disputa, o que gera velocidades diferentes, e com isso o ritmo de prova é diferente. Tudo isso entra na composição da matriz de risco. No caso de Cascavel, trata-se de um autódromo rápido, só que a primeira curva após a reta dos boxes tem uma área de escape muito boa. Tem no seu elemento de segurança, que é a defensa metálica, um elemento apropriado, que tem uma deformação capaz de dissipar a energia do impacto. No caso de Tarumã, não há uma área de escape como a de Cascavel nas curvas 8 e 9 e nem a defensa metálica. O que há é um barranco com pneus encostados neste barranco e sem estar modulados da forma correta. A barreira de pneus precisa seguir um padrão de arranjo para que haja dissipação de energia. Se numa barreira de pneus, no caso de colisão, os pneus voam, explodem, eles dão uma falsa sensação de segurança e que não tem função alguma. Cascavel tem elementos de segurança e áreas de escape que em Tarumã não é o adequado.

 

NdG: Na última vez que visitamos Londrina eles ainda tinham barreiras de pneus trançados, sem amarração e uma barreira pouco efetiva no final da reta oposta. Isso foi revisado para este ano?

 

L. E. Morales: Estas barreiras de pneus sem amarração já estão sendo removidas. Nas áreas críticas já foram instaladas barreiras conforme o modelo passado para eles no nosso relatório, de forma a não explodir a barreira e nos demais pontos eles estão fazendo as alterações.

 

NdG: Nestas suas visitas foi analisada além da pista a parte de estrutura dos autódromos, as instalações?

 

L. E. Morales: Quando adota-se o padrão FIA, pode ser feito uma vistoria completa ou há abertura para que se faça a vistoria de alguns aspectos. Segurança é um deles e é este o nosso foco no momento. É dentro dos limites de segurança, até a segunda linha, que é a do público, que estamos nos concentrando. Estando esta parte feita até o final do ano que vem, daí partiremos para os outros aspectos do autódromo, como são as instalações referentes às atividades esportivas das quais a CBA é responsável. Nisso estão as instalações para direção de prova, comissários, cronometragem, boxes, posto médico, etc.

 

NdG: Sua referência foi a curva do ‘bacião’, a nossa preocupação quando vistoriamos foi a curva de entrada na reta dos boxes, onde há um guard rail mal posicionado para uma saída da curva em tangente. Houve alguma alteração neste ponto?

 

Nas reuniões da Comissão de Autódromos da FIA sempre comparece um representante da FIM. o autódromo é para ambos.

 

L. E. Morales: No relatório que foi feito sobre Cascavel, para este ponto que é uma curva perigosa, foi solicitado a retirada de toda essa defensa metálica e com isso ganhou-se um trecho de 5 a 6 metros o que ajuda e muito no caso de uma colisão naquele ponto. Ela ficou agora num ângulo mais favorável porque o impacto quando se dá num ângulo de até 30 graus há uma dissipação de energia mais eficiente pelo fato do carro deslizar ao longo da defensa metálica. Essa modificação já foi feita.

 

NdG: Nós entendemos que a segurança da competição pode passar por outros aspectos também e na nossa visita vimos uma condição muito séria nos boxes com o grau de infiltração de água na laje acima deste, podendo comprometer a segurança de quem está trabalhando ali. Este problema foi visto?

 

L. E. Morales: Este problema nos foi alertado pelo próprio pessoal de Cascavel e fomos ver que foi chamada uma empresa e foi recuperado este trecho onde havia esta infiltração e o problema, aparentemente, foi sanado. Na nossa próxima vistoria vamos fazer uma análise mais aprofundada deste ponto. Eles fizeram novas colunas, recuperaram a estrutura, inclusive mandaram fotos do resultado da obra. Este trabalho foi feito antes da última etapa da Stock Car em Cascavel este ano.

 

NdG: O autódromo de Goiânia carece de alguns detalhes para conseguir a homologação como FIA 3. Nós temos a informação que foi gasto na reforma que recuperou o autódromo, 62 milhões de reais. Contudo, depois disso, já tiveram que ser feitas diversas reformas no asfalto? Qual foi a sua avaliação quando deparou-se com Goiânia?

 

L. E. Morales: No caso de Goiânia, no final do ano passado, quando fui fazer a vistoria pouco antes da corrida da Stock Car, eles já tinham feito três reparos mas o asfalto estava soltando em alguns pontos, além dos três que não tiveram sucesso. E foi colocado que teriam que fazer um trabalho correto, do contrário não haveria o próximo evento. Um novo trabalho foi feito este ano, em maio, com nosso acompanhamento. Foi feita uma frezagem no asfalto, foi feita uma análise do solo para buscar encontrar o erro na produção e aplicação do asfalto. O asfalto comum de rua ele tem um projeto diferente. Ele sofre esforços praticamente constantes de tração e velocidades, enquanto em um autódromo ele tem uma ‘race line’ e os carros passam de um lado para o outro da pista em altas velocidades, provocando esforços tangenciais no limite de corrida. O asfalto que foi colocado não foi preparado para estes esforços e por isso estava se soltando. Foi feita uma revisão do projeto, esta foi passada para a administração do autódromo e a partir destas informações o asfalto foi refeito e as informações que recebi, inclusive das motos, é que ficou em excelentes condições.

 

NdG: Há 4 anos que destruíram o autódromo de Brasília. Recapearam uma parte, mas desde então, quando as obras foram suspensas, nada mais foi feito. Mesmo sem “estar autódromo”, você chegou a ir lá?

 

L. E. Morales: Eu tenho acompanhado bem de perto a situação de lá. Nos foi pedido uma consulta técnica a respeito do que lá existe, atualmente e a situação hoje é que há um asfalto que está 60% executado, faltando o restante do recapeamento e a partir daí, serem instalados os elementos de segurança necessários. Defensas metálicas, barreiras de pneus, áreas de escape, etc. existe um documento do que precisa ser executado e como deve ser executado e este caderno de trabalho foi elaborado para ser atendido tanto o grau 1 da FIA como o grau A da FIM. Nela a pista sofre uma redução de sua extensão para 4,5 Km aproximadamente. A questão de segurança é viável e sendo feitas as instalações de paddock, boxes, centro médico, sala de imprensa e os itens que diferem um FIA 2 de um FIA 1, Brasília pode receber a classificação máxima. Os boxes teriam que ter 8 metros de abertura com 18 de profundidade, com 25 boxes neste padrão e mais um centro de controle de provas. A parte de público pode ser toda provisória, montada de acordo com o evento.

 

NdG: Mas no projeto atual a reta mais longa tem um pouco mais de 700 metros. Não seria muito curta?

 

L. E. Morales: A FIA exige que da linha de largada até a primeira curva se tenha pelo menos 250 metros e que o grid esteja todo na reta. Isso é a parte técnica. No caso da parte desportiva, retas maiores de mil metros não são recomendadas. O ideal é que elas fiquem entre 800 e 900 metros. Então um pouco mais de 700 metros não é um problema.

 

NdG: Mas tem muitos circuitos com retas maiores. Até de rua como no Azerbaijão, que tem mais de 1800 metros e no que vão fazer no Vietnã, com 1500 metros... a FIA não estaria sendo incoerente?

 

Quando se fala em padrão fia o primeiro aspecto a ser considerado é a segurança, depois vem o restante.

 

L. E. Morales: Quando eu digo que entre 800 e 900 metros em um circuito permanente é uma condição adequada segundo a FIA. O caso de um circuito de rua é preciso se adequar às condições que se oferecem. Uma reta com quase 2 Km é o ideal? É preciso ver se há largura suficiente e se há restrições. Uma reta muito longa onde se atinge uma velocidade muito alta, é preciso ver como será feita a primeira curva e a de Baku é uma curva de 90°. O caso de Baku foi a forma como o organizador quis mostrar a cidade, que é muito bonita e fizeram uma reta enorme que deu certo. Eu vejo como algo interessante haver diversidade, se sair um pouco do padrão, desde que se respeite os limites de segurança.

 

NdG: Um autódromo recebe competições de carros e motos. Há um entendimento entre FIA e FIM para que os autódromos sejam construídos e adaptados para receber as duas gamas de competição?

 

L. E. Morales: Na reunião da Comissão de Circuitos da FIA, já há alguns anos, participa um representante da FIM para que se compartilhe os mesmos critérios de segurança e assim seja possível o circuito receber competições de ambas as federações. A busca é que as medidas que a FIA venha a tomar nas questões de segurança não comprometam ou inviabilizem a realização de provas de motociclismo com segurança nos circuitos. O COTA, nos Estados Unidos é um caso, assim como Silverstone, Barcelona, Áustria e outros que recebem a Fórmula 1 e podem receber a MotoGP. Tendo a formulação dos projetos o cuidado na concepção das áreas de escape e dos elementos de segurança, com espuma ou “air fences”  para que os pilotos de motos, que podem vir a se chocar contra estes elementos, não sofram impactos físicos danosos, especialmente em se tratando de cabeça e coluna.

 

NdG: Voltando para nossas coisas, o que você pensa sobre montagem e segurança de circuitos de rua para nossas categorias? A Stock quer voltar a correr na rua...

 

L. E. Morales: Da mesma forma como tivemos a Fórmula Indy que correu no Anhembi, existem elementos que permitem que se faça uma corrida de rua com segurança. A F1 corre em Singapura e Mônaco em circuitos de Rua, na Austrália é um parque, que tem características de circuito de rua. Desde que se faca todo o planejamento e instalação dos elementos de segurança necessários, eu sou favorável. É uma forma de se abrir novas praças e atrair um público diferente e a um custo mais baixo do que fazer um autódromo. Eu não vejo problema nenhum.

 

NdG: O antecesso do atual Presidente da CBA, Cleyton Pinteiro, dizia que campeonatos brasileiros tinham que ser disputados em todo país. E nós temos uma “fronteira” a superar que são os autódromos do nordeste do país. É possível colocá-los em condições de receber grandes eventos?

 

L. E. Morales: Estive em visita a ambos e fizemos relatórios com os mesmos critérios para que ambos pudessem ter um mínimo de condição de segurança para poder receber um evento no padrão de uma Stock Car. Não são solicitações absurdas, mas são obrigatórias. São pequenos pontos críticos que se não forem feitos não habilitarão o autódromo a receber um evento de maior porte, com carros mais velozes. As informações foram passadas, os presidentes de federações estão em contato com os administradores dos autódromos e daí eles vão trabalhar para me apresentar um cronograma para a execução destas intervenções.

 

NdG: Mas as questões em Caruaru e Eusébio vão além da segurança. Os boxes não tem como receber as categorias de turismo nacional...

 

L. E. Morales: O autódromo tendo uma pista segura e em condições para fazer um evento, pode se tirar os boxes e se instalar tendas. Agora, sem o mínimo, que é a pista com segurança, não tem nem como se começar a conversar. Com a pista aprovada, é possível se buscar soluções para realizar o evento. Hoje o grande desafio deles é trazer o autódromo para uma condição segura. Enquanto eles não conseguirem isso, não adianta falarmos de boxes se não houver uma condição segura de tráfego de pista.

 

NdG: Usando seu termo, “condição segura”, já foi feita a visita no autódromo da Paraíba?

 

L. E. Morales: É o ultimo que falta ser visitado. Estamos programando uma ida até lá agora no início de dezembro. Eu quero estar lá na primeira semana porque eu quero incluí-lo na leva de relatórios que será emitido ainda neste ano sobre o que foi visto e revisto nos autódromos já visitados. Estas visitas precisam ser conduzidas com muito cuidado porque as pessoas que estão envolvidas com o seu autódromo tem o entusiasmo, tem a dedicação, mas as vezes tomam iniciativas sem antes consultar as pessoas que possam dar informações mínimas sobre como fazer a coisa corretamente. E é preciso muito cuidado no lidar. O autódromo para quem o constrói, como é o caso de um autódromo privado é como se fosse um filho e eu não posso chegar lá e dizer “seu filho é feio”. Eu tenho já algumas informações, mas não faço pré-julgamentos sem eu mesmo olhar e avaliar e só então emitir um relatório para que se busque as condições mínimas de pista para receber eventos nacionais. Inclusive o Beto Monteiro, piloto da Copa Truck deve ir comigo, ele que é da região, o Carlos Col me ligou para irmos juntos lá porque o objetivo é fazer com que o que houver de correções a serem feitas possam ser feitas, de forma mais simples e objetivas, para que o autódromo possa ser um autódromo seguro.

 

NdG: Quando se fala em segurança de autódromo, em defensas metálicas, barreiras de pneus e outros recursos, pensa-se em carros e motos. Mas como fazer um autódromo seguro para corridas com caminhões?

 

Para o dono ou o administrador o autódromo é como um filho e não posso chegar lá e dizer: "seu filho é feio"!

 

L. E. Morales: Na reunião do código desportivo que tivemos na semana passada eu apresentei uma proposta, e esta foi aceita, de que se criasse uma graduação específica para a as corridas de caminhão. As questões referentes à segurança neste caso precisam ser tratadas de forma isolada por não estarem enquadradas em nenhuma das classificações existentes. Fizemos esta classificação aqui no Brasil e este assunto também está sendo discutido na FIA de forma bem cuidadosa porque se olharmos a própria classificação FIA de autódromos ela não menciona os caminhões, eles não se enquadram em nenhuma delas e foi uma conversa que eu tive em uma reunião da FIA e o que eu ouvi foi que eu estava mexendo em um assunto complicado. Porque isso? Os autódromos foram construídos para corridas de automóveis, não de caminhões. Se na origem, no projeto, na construção, tem sim como fazer um muro que suporte o impacto de um caminhão. Nas rodovias nós temos muros que suportam a batida de um caminhão... e com carga! Eles tem uma extensão maior, pode ser feito um dimensionamento tal que o caminhão bata e volte para área de escape sem quebrar o muro. Eu vejo isso nas estradas aqui em SP e RJ, onde tem muito tráfego. Como os autódromos não foram projetados nem construídos para receber corridas de caminhões, apesar de Interlagos ter sido preparado para elas, posteriormente, onde as grades de proteção suportam o impacto de um caminhão e isso aconteceu alguns anos atrás na reta dos boxes e o que foi feito aqui foi para a FIA como referência de especificação de grade de segurança para os próximos autódromos. Os pontos críticos dos autódromos precisam estar preparados para receber este tipo de situação. alguns anos atrás, em Guaporé, um caminhão bateu num muro que era de alvenaria, o mesmo que não existisse. Essas áreas de elementos que parecem ser de segurança e não são é que precisam ser mudadas. Termos uma classificação exclusiva para caminhões é necessária para que possamos adequar os pontos críticos dos autódromos com este padrão.

 

NdG: Ver um muro de tijolos num autódromo dos anos 70 é uma coisa, ver em um autódromo recém construído como foi na etapa de inauguração de Curvelo em 2016 é outra. Você ainda não estava na CBA, mas nestes 2 anos, como foi seu trabalho com os mineiros?

 

L. E. Morales: Eu já estive em Curvelo umas 6 vezes. Em abril de 2017, quando recém havia assumido eu fui até lá e já tinha acontecido uma corrida da Stock Car, que foi um desastre, e eu fui ver o autódromo. Tinha uma curva em descida com a geometria errada, com uma área de escape mal dimensionada... infelizmente o proprietário fez um trabalho sem uma orientação técnica...

 

NdG: O que nos espanta é que ele tinha o Bruno Junqueira como consultor... será que eles ouviam o piloto?

 

L. E. Morales: A presença do piloto sempre é importante, tanto que eu viajarei para João Pessoa com um representante da Associação de Pilotos que é o Beto Monteiro. Eles tem uma visão importante do que é o cenário em competição, mas só a visão do piloto não é suficiente para se projetar um autódromo. É como você contratar um arquiteto para construir sua casa. Você vai me dizer o que você quer, como quer usar sua casa e eu, arquiteto, vou um projeto, dentro das regras da engenharia, da arquitetura, para atender o seu desejo. O piloto é o usuário. Ele não tem a obrigação de inclinação de curvas, de geometria, de como é projetada uma barreira, um muro, uma área de escape. Então não é culpa do piloto consultor que acompanha um projeto dele sair ou não com falhas. Ter um piloto para me dizer onde seria a linha da trajetória ideal vai me dar subsídios para eu projetar os elementos de segurança. A presença é importante, mas não vai dar a garantia da segurança do autódromo. A fórmula está na engenharia.

 

NdG: Nessas 6 visitas, como foi a interação entre vocês?

 

Curvelo era inviável como autódromo. Depois que assumi a comissão na CBA fui lá 6 vezes e fizemos grandes mudanças.

 

L. E. Morales: Conversei com o proprietário, o Marco Tulio e ele tem consciência de que cometeu alguns erros, ele entendeu perfeitamente as questões de segurança que precisavam ser alteradas, foi daí que a variante construída para que se eliminasse o trecho mais crítico do circuito foi projeto meu, adotando critérios de circuitos de rua e ele custeou a obra pessoalmente, fez a correção dos muros de alvenaria, que era um grande problema e que margeavam o circuito, revestindo os mesmos com telhas de alumínio que podiam se configurar em lâminas ao invés de defensas metálicas. Em uma eventual batida aquilo poderia ser configurar numa faca e ir para dentro do carro. A onde eu vou eu mostro o ponto que precisa ser melhorado, mostro do que se trata e como deve ser feito e aí vamos ver com quais recursos podemos contar, como o dono ou administrador deve fazer, pode fazer. Não chego e apenas determino uma forma e uma condição para ser feito. Eles foram extremamente sensíveis ao que eu expus, removeram todas as telhas metálicas, fez a variante que eu projetei, mandou vir pneus para substituir os pneus de caminhão que estavam lá e não pode, isso não existe, eles não funcionam como proteção e temos eles em vários autódromos e que não tem homologação FIA. As barreiras novas foram feitas no modelo correto, os problemas nos pontos críticos foram corrigidos e isso ao custo te um investimento alto para que o autódromo, nesta nova configuração, se tornasse seguro. Caso as alterações não fossem feitas a Stock Car não iria correr lá, seria vetada a ida como foi em Tarumã, a Truck, por iniciativa própria, não foi, só foi este ano, depois de feitas as modificações e de serem colocadas barreiras extras de pneus, pois tem a questão das árvores [Pequizeiros] que precisam ser protegidas não podem ser retiradas. O importante é que tudo que eles fizeram nos últimos dois anos não fizeram nada sem pedir orientação prévia. A consequência foi que o autódromo mudou de padrão de segurança.

 

NdG: Como membro da Comissão de Autódromos da FÎA, você tem acompanhado o que está acontecendo na Argentina, onde eles estão construindo e reformando autódromos? Eles estão com 3 circuitos FIA 2...

 

L. E. Morales: Tenho sim. A Argentina tem muitos autódromos, mas um grande número deles numa condição de segurança extremamente precária. Eles estão imbuídos em fazer uma mudança neste perfil, atentos às questões de segurança, com construção de novos autódromos além destes três que vocês mencionaram e estes estão em estudo e os projetos já chegaram à nossa comissão na FIA. É uma mudança de mentalidade muito positiva, um trabalho muito bem feito, mas que ainda carece de alguns pontos. O autódromo de Buenos Aires, por exemplo, é um problema enorme.

 

NdG: Eles tem um projeto para enquadrar o Hermanos Galvez no padrão FIA 1...

 

L. E. Morales: Sim, e isso é possível, mas vai ter um custo elevado.

 

NdG: Acho que eles fazem mais barato do que nós. O Autódromo de San Juan custou  menos de 18 milhões de dólares. Eles construíram um autódromo FIA 2 por um valor menor do que se gastou em Goiânia pra nem se ter o grau 3. O que estamos fazendo errado?

 

L. E. Morales: Eu não posso avaliar o que eles fizeram realmente uma vez que eu não fui neste autódromo, assim como eu não acompanhei o trabalho que foi feito em Goiânia desde seu início. Mas você pode gastar até mais, 100 milhões, por exemplo, para atacar pontos que não são aqueles pontos mais críticos. O processo acontece da seguinte forma: o proprietário ou investidor recebe o caderno de encargos da FIA e ele vai trabalhar dentro dos parâmetros que ele deseja para atingir a graduação que ele deseja focando nos pontos do caderno de encargos. No caso de Goiânia é provável que eles não tenham seguido este caderno de encargos e tenham gasto parte deste valor em outras obras que não interferem na graduação FIA. Eles fizeram as obras e depois chamaram o inspetor. Quando ele foi até lá e apontou os pontos que precisariam ser corrigidos. Ele veio fazer o Velocittà, que eu era responsável e depois foi para Goiânia. Perguntou se eu iria e eu disse que não, na época eu não era da CBA. Ele me disse depois que falou com eles, perguntando, porque não o chamaram antes de fazer ao invés de chamá-lo depois... não eram muitos pontos, mas que são pontos que precisam ser tratados. Este é meu objetivo de trabalho: orientar para eles fazerem o que tem que ser feito e conseguirem o grau 3 no ano que vem.

 

NdG: Nós estamos às vésperas de perder aquele que por muitos anos foi o segundo melhor autódromo do país, que é o de Pinhais. Quando foi a última vez que você esteve lá e o que você viu?

 

L. E. Morales: Eu fui lá duas vezes. Apesar de não ter mais a equipe que dava a manutenção no autódromo, ele estava bem de uma forma geral, com alguns pequenos pontos para serem feitos, mas que conseguiriam renovar a graduação FIA 3 em fevereiro sem maiores problemas, só que o pedido não foi feito por assuntos internos deles que é um direito dos proprietários. Agora, a falta de manutenção adequada vai levar a uma degradação e eu retornando lá no próximo ano verei a real condição do autódromo.

 

NdG: Você esteve lá em Curitiba recentemente para ver uma outra área para construção de outro autódromo. O que você pode falar sobre isso?

 

L. E. Morales: Foi uma iniciativa de pessoas ligadas à Federação que está buscando iniciativas para viabilizar um novo autódromo. É uma área grande e eles estão conscientes em fazer um projeto que atenda todos os quesitos de segurança que um autódromo deve ter. Foi bem positiva a visita, foi bem interessante a nossa conversa e o presidente da Federação, Rubens Gatti, tem sido um excelente parceiro. É uma pessoa que entende de obras, é um engenheiro e com isso fica muito fácil conversar sobre aspectos técnicos e eles querem saber o mínimo necessário para fazerem bem feito. Depois da nossa conversa era ver se o interesse continuaria e o interesse continuou. Logicamente não posso avançar o local nem todos os detalhes uma vez que eles pediram sigilo, mas pediram que fosse feito o primeiro estudo da Comissão de Autódromos e assim eles poderem calcular uma base de valor, de investimento, para poderem dar os próximos passos.

 

NdG: Em Santa Catarina tem um projeto, assinado pelo Herman Tilke, para um autódromo no Beto Carrero. E há um outro grupo trabalhando com um projeto em Balneário Camburiu, que tinha, não sabemos se ainda tem, o Cacá Bueno como consultor. Houve algum contato dos catarinenses contigo?

 

Valores são relativos. você pode gastar muito dinheiro e não atender os padróes da FIA. É preciso ser objetivo.

 

L. E. Morales: Neste período que estou na CBA estive apenas vendo uma possibilidade para um circuito de rua para uma eventual etapa da Fórmula E, mas o projeto não avançou e estive lá no Beto Carrero visitando o kertódromo, mas não foi falado nada sobre o autódromo. Nem este e nem nenhum projeto na região eu fui consultado.

 

NdG: Quais os desafios que você tem pela frente?

 

L. E. Morales: É continuar o trabalho de vistorias periódicas e constantes para que os autódromos implementem o que foi solicitado inicialmente e dêem os passos seguintes para termos a implantação do padrão FIA de segurança nos nossos autódromos e com isso criarmos uma dinâmica de que a questão de segurança tem que ser vista todos os anos e ao longo do ano. Não é fazer algo este anos e achar que só vai se fazer algo daqui há alguns anos. O cuidado tem que ser constante. Como se dá este processo: quando ocorre um acidente é feita uma análise deste acidente onde se busca identificar aspectos que não foram observados anteriormente e que necessitam então de atualizações. Tendo as conclusões, medidas complementares são tomadas ou algumas alteradas para que acidentes não venham a acontecer. A aviação trabalha da mesma forma. Meu objetivo é que em 2019 tenhamos avanços em todos os autódromos e que este avanço continue até chegarmos no padrão FIA em todos os autódromos do Brasil.

 

NdG: Interlagos passa por este processo e isso de não se cuidar regularmente é a causa de Interlagos fechar por tanto tempo antes de cada GP Brasil?

 

L. E. Morales: Interlagos é um autódromo da década de 40 e precisava passar por atualizações. Hoje falta muito pouco para atingir o padrão que foi proposto. O que precisa ser feita é a manutenção de segurança no mesmo padrão que já existem. Ou se faz isso mensalmente, seguindo o critério exigido para se manter o padrão FIA ou se faz de forma concentrada, que é uma característica local. Sempre se tenta minimizar ao máximo o impacto disso no funcionamento do autódromo para não prejudicar os demais eventos.