Entrevista: Suzane Carvalho Print
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Tuesday, 22 September 2009 23:08

 

NdG: Como foi que surgiu este seu interesse pelo automobilismo?  

 

Suzane: Desde criança.  Eu assistia corridas na TV e no autódromo. Meu sonho era ser piloto, mas não sabia como começar. 

 

NdG: Serio? 

Quando chegamos, a Instrutora Suzane era a Empresária Suzane... estava tratando com um cliente a montagem de um curso.

Suzane: Sim, sério! Eu não sabia como ou o que fazer para ser piloto.  Achava que era algo impossível, mas eu sonhava com isso.  E não podia falar para ninguém, senão iriam achar que eu estava louca. 

 

NdG: E como foi que a sua vida deu esta mudada de direção, dos flashes, e holofotes dos estúdios fotográficos e de gravação, para as pistas? 

 

Suzane: Foi assim: eu estava fazendo massagem, deitada e lendo uma revista de automobilismo quando vi um anúncio de Escola de Pilotagem de Kart. Fiquei louca, pois não sabia que existia isso. Liguei dali da massagista mesmo... e não tinha celular na época. Colocaram aquela extensão, aquele fio enorme atravessando a sala (risos) e eu falei com eles dali mesmo. Matriculei por telefone! As pessoas pensam que kart é coisa de criança, mas vi que tinha uma categoria que era para pilotos acima de 30 anos (Sênior). Entendi então que eu, com 25, poderia correr também. 

 

NdG: E qual foi a sensação? Como foi a primeira aula?

 

"Uma das coisas que eu descobri no kart e que achei deliciosa foi esta questão de acerto de chassi que eu nem sabia que existia". 

 

Suzane: Foi como uma injeção que me transformou.  Logo depois da primeira aula saí do kart  e perguntei quando seria a próxima corrida?! (risos) Tinha que comprar equipamentos, capacete, macacão, preparar motor... e dinheiro para tudo isso?  descobri coisas que eu adorava e nem imaginava que tinha no kart, como acerto de chassi, por exemplo. 

 

NdG: E a sua estréia foi em grande estilo... 

 

Suzane: Pois é, menino (Nota dos NdG: adorei esta parte!), minha primeira competição foi no Brasileiro de Kart de Novatos, em 1989... em Ipatinga-MG.  3 meses depois corri o Campeonato Brasileiro de Sênior em Foz do Iguaçu e fui Campeã Brasileira. 

 

NdG: Correndo contra homens? 

 

Suzane: Sim, claro.  No automobilismo não faz diferença ser homem ou mulher, pois quem empurra o carro é o motor e não a gente.  É preciso sim, ter  resistência física e aeróbica, e muita sensibilidade. 

 

NdG: Qual foi a reação das pessoas à sua volta quando você decidiu correr? Como foi a reação dos amigos, da família? 

 

Suzane: As pessoas não falaram muito sobre isso... alguns acharam estranho o fato de eu ter “sumido”,  mas não foi algo que os amigos falassem muito não.  Acho que ninguém achava que fosse sério.  Não passava na cabeça de ninguém que eu iria abandonar minha carreira de atriz para correr de kart!  Na verdade, nem na minha passava.  Simplesmente me dediquei 100% e quando vi, não tinha tempo para mais nada. 

 

NdG: E a família? Tua mãe achou o que disso? 

 

"Alguns adversários nem sempre encararam numa boa o fato de estarem tomando tempo de uma mulher e nem sempre foram limpos". 

 

Suzane: (Risos) Minha mãe?!? E quem disse que ela soube???  Eu já morava sozinha desde os 19 anos de idade. Sendo assim, já tinha a minha independência, não era uma questão de convívio familiar diário... mas não teve muito apoio, não (risos). Um dia ela foi me visitar e viu um monte de desenhos de kart, macacão e capacete espalhados pelo chão (na época eu fazia os desenhos à mão, pois não tinha computador) e eu disse que era de um amigo.  Depois teve mais foi cobrança de presença na família. Nos tempos da correria de fazer teatro, cinema, televisão, fotografar... isso era visto com mais naturalidade. Agora, deixar de ir em almoço de dia das mães ou churrasco de aniversário, para correr de kart... foi complicado para a família entender. 

 

NdG: e na pista? Os outros pilotos? Como eles lidavam com a sua concorrência? 

 

Suzane: Isso é uma coisa complicada, pois homem não gosta de perder para mulher nem no “palitinho”, e depende da maturidade de cada um.  Nas categorias mais elevadas como Indy Lights, eu era mais respeitada.  Mas nas categorias em que os pilotos não são profissionais, alguns me viam como o “adversário a ser batido”. Em alguns casos, até literalmente como no carioca de turismo, em que o meu adversário na disputa pelo título pagou dois concorrentes para me tirarem da pista nas últimas duas provas! 

 

NdG: O Nelson Piquet foi uma pessoa próxima durante uma parte da sua vida. O convívio com ele te incentivou?  Ele te ajudou em alguma coisa?  Te deu uns toques? 

 

Suzane: Ele, particularmente, não incentivou, mas o fato de eu estar ali vendo a Fórmula 1 de dentro da pista, claro que fez com que minha vontade crescesse. Depois ele só me deu uns toques tipo como fazer exercício para o pescoço.  Mas os grandes parceiros, de ajudar mesmo, trocar informação, gente com quem eu ligava para discutir acerto de carro na época que eu estava na Itália e nos Estados Unidos, por exemplo, foram o (Roberto Pupo) Moreno e o Felipe (Giaffone). Posso dizer que são os dois amigos que tenho dentro do automobilismo e que aprendi com eles. 

 

NdG: Em que categorias você correu? 

 

No "conteiner-escritório", Suzane consegue guiar - hoje - os primeiros passos de muitos jovens que sonham em ser pilotos. 

 

Suzane: O começo foi no kart, onde corri metade de 89 e 90. Em 90 fiz a Alpie, escola de pilotagem de F1600 em São Paulo e a Spènard David, de Fórmula 2000 no Canadá e corri algumas provas lá. Essa foi a primeira vez que uma brasileira correu fora do Brasil.  Em 91 fui para a Itália, correr o Italiano de F-2000. Em 92, de volta ao Brasil, corri o Brasileiro e o Sul- Americano de Fórmula 3, na categoria B (carros mais antigos) e fui campeã de ambos os campeonatos. Depois disso passei por uns apertos financeiros com patrocinadores... corri torneios de curta duração e provas isoladas durante algum tempo. Em 97 consegui melhores patrocínios e disputei o Carioca de Turismo no grupo A. Em 98 fui para a Inglaterra, onde disputei o Inglês da Fórmula Palmer Audi e o de Vectra. Em 99 e 2000 corri meia temporada da Fórmula Indy Lights Panamericana. Então faltou patrocínio novamente e só voltei às pistas em 2002, quando disputei três etapas da Copa Clio mas não deu prá segurar a barra com os custos e tive que parar. 

 

NdG: Então você, como a quase totalidade dos pilotos, além de correr, na pista, teve que correr muito, fora delas, atrás de patrocínio? 

 

Suzane: Sempre.  Nunca tive empresário.  Na minha primeira participação, no brasileiro de kart, já cheguei toda patrocinada... o kart cheio de adesivos mas nem sempre foi fácil. Durante o plano Collor , quando ele segurou a grana de todo mundo, os patrocinadores simplesmente sumiram! Não havia dinheiro prá nada. Lembro que naquele ano sobrevivi do meu trabalho de fotógrafa e cheguei a vender coisas como meu oboé, para correr o Carioca de Kart, onde fui Campeã.  Também tive outros tipos de contratempos como patrocinadores que assinaram contratos e não cumpriram com o programado. Na hora do vamos ver; nada de grana. Em outros casos, como em uma categoria que disputei, foi passada uma previsão de custo “X” e o custo real era o triplo ou mais que isso... para andar no meio do pelotão! Para andar em condições de vencer, seria preciso mais do que isso... larguei o campeonato depois de 4 etapas.  

 

NdG: Você lembra de quanto era necessário para fazer uma temporada na Fórmula 3 naquela época que você correu? Conseguiria converter para valores de hoje? 

 

Suzane: (Risos) Com este intervalo de tempo todo e um monte de moeda, não tem como!  Na hora em que estou concentrada, sei cada centésimo de cada piloto, mas depois que saio da pista, você não vai acreditar, eu não consigo lembrar nem do tempo que virei.  Eu desligo totalmente depois que passa o fato. 

 

NdG: O Kimi Raikonen também é assim... 

 

Suzane: Sério? 

 

NdG: Sim. Muita gente achava que ele fazia isso, de dizer não lembrar de tempos, alguns setups, coisas do tipo, em conversas com outros pilotos mas, depois de um tempo, perceberam que era verdade. É uma boa referência ter algo de um campeão do mundo de Fórmula 1, não? 

 

 

"Na parte prática, eu vou para a pista junto com o aluno e empurro, dou 'totó', faço ele sentir coisas que ele pode encontrar na pista."

 

Suzane: Sem dúvida! (risos).  No meu caso, acho que é a questão da concentração, pois eu não lembro nem do que aconteceu na corrida. 

 

NdG: Das categorias que você correu, em qual você se sentiu mais confortável, mais feliz? 

 

Suzane: Olha, depende.  O Indy Lights era um tesão de guiar.  Eu pisava e sentia os 500 cavalos me empurrarem, o pneu grudar no chão e pedir mais aceleração. A Fórmula 3 tem um chassi que te deixa acelerar nas curvas e me deu os títulos que me fizeram entrar para o Guinness Book e para a Enciclopédia Barsa. Agora, o Kart é algo inigualável. Sou apaixonada pelo kart, vou correr até os 120 anos de idade, e quero morrer liderando uma corrida (terei que criar uma categoria “acima dos 100”).  Estou até pensando em fazer uma tatuagem em mim. 

 

NdG: A saída das pistas foi com satisfação ou você achava que poderia ter ido mais longe? 

 

Suzane: Eu só parei de correr porque a grana acabou.  Nos últimos anos eu saí vendendo carro, moto, apartamento... fui até onde deu!  Então resolvi montar meu próprio negócio. 

 

NdG: Hoje você tem um Centro de Formação e Treinamento de  Pilotos. Como surgiu a idéia de criar este Centro, como foi o caminho? 

 

Suzane: Foi exatamente quando acabou o dinheiro para correr.  Eu falei que teria que fazer algo no fundo do mar ou no espaço, para não ver carros na minha frente.  Mas não teve jeito, fui trabalhar com o que mais gosto e descobri um novo prazer: o de passar adiante o conhecimento adquirido ao longo dos anos. 

 

NdG: Seu Centro é no Rio de Janeiro, um estado que teve seu autódromo mutilado e seu kartódromo destruído, tudo por conta da construção de instalações para outros esportes (Uma arena poliesportiva, um parque aquático e um velódromo para os jogos Pan Americanos). Como é tentar formar pilotos diante de um cenário que aponta para o pior: Uma possibilidade real de fechamento do autódromo? 

 

Suzane: Aqui nós preparamos pilotos de todo o Brasil e recebo também alunos de várias partes do mundo.  A pista onde fica a base da escola não é homologada, mas é boa para dar aula, já que podemos trabalhar todos os dias, o que é impossível em São Paulo, por exemplo.  No estado, temos a pista de Guapimirim, e em outrubro reinaugurará o Kartódromo de Volta Redonda.Dou também muitas aulas de Direção Defensiva/Evasiva. 

 

NdG: Você acompanha o automobilismo local? 

 

Suzane: A Federação do Rio tem feito um esforço muito grande para manter o automobilismo carioca vivo.  Perto de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, o Campeonato tem poucos participantes, pouca divulgação... isso é por causa da política que não deixa que tornemos a pista viável econemicamente, já que o interesse do governo é acabar com ela.  Tínhamos um autódromo de padrão internacional e um dos melhores kartódromos do Brasil, e hoje temos apenas meia pista. 

 

NdG: Não seria melhor se partir para fazer um autódromo em um local menos cobiçado pela especulação imobiliária? Menos cobiçado? 

 

Suzane: O que a maioria das pessoas não consegue entender e ver, é que um autódromo pode ser um excelente negócio. A ele podem estar integrados um shopping center, hotéis, restaurantes, espaços temáticos, escolas de formação de motoristas, mecânicos e pilotos, e não voltados apenas para competição.  Pode ser uma atração turística como é em todo o mundo.  Sendo bem gerenciado, pode dar muito retorno. Aqui na região, indo mais para o lado de Mangaratiba, tem muito espaço e locais que seriam viáveis. 

 

NdG: Você acompanha a carreira de algum piloto que tenha se iniciado aqui no seu centro de treinamento? 

 

Suzane: Tem vários correndo por aí, e claro que fico super feliz! 

 

NdG: Como você analisa o cenário do automobilismo Brasileiro em seu todo? (Desde o kartismo até a saída dos pilotos para correr no exterior, passando pelas categorias de turismo) 

 

Suzane: Nos últimos anos o automobilismo brasileiro não só cresceu como ganhou respeito e credibilidade no exterior. 

 

NdG: Nós temos uma jovem piloto no Brasil que, neste ano, está disputando o campeonato da Indy Light nos Estados Unidos: A Ana Beatriz Figueiredo. Dependendo de seu desempenho, há uma boa possibilidade de ela vir a disputar a categoria principal no ano que vem e competir contra a Danica Patrick. Caso a Mika Duno participe de toda a temporada, serão três mulheres correndo numa das principais categorias do automobilismo mundial. Como você vê este cenário? 

 

Suzane: Seria fantástico! E nas 500 milhas de Indianápolis já temos esta participação de três mulheres com a Sarah Fisher. Eu conheço a Bia desde quando ela começou. Já tive oportunidade de conversar com ela e com os pais dela algumas vezes, com o pessoal de apoio que trabalhou com ela ao longo do kart... ela é muito boa e pode chegar ao topo. Torço muito por isso.  Que seu empresário consiga a verba necessária, e que eu não consegui. 

 

NdG: Antes de você, o Brasil já teve dois grandes nomes femininos nas pistas: Graziela Fernandes e Maria Cristina Rosito. Você já encontrou com elas alguma vez? Conhece algo sobre a carreira delas? 

 

Suzane: A Graziela eu não tive oportunidade de conhecer. Ouvi falar de forma superficial e confesso que não sei muito sobre a carreira dela. A Cristina eu conheço. A via correr pela TV antes que eu me transformasse em piloto também, e ela sempre disputou a ponta.Grande piloto e grande pessoa. Continua correndo e estamos com um projeto para formar dupla na GT3. 

 

NdG: Noooooossa! Isso vai ser fantástico. A torcida vai ser grande para que este projeto vingue. Vamos falar de presente e de futuro. Você está lançando uma nova edição do seu livro CURSO DE PILOTAGEM DE KART – PILOTANDO E ACERTANDO UM  KART,  quando e onde vai ser?  

 

No final da entrevista, como sempre fazemos, presenteamos a Suzane com uma camisa dos Nobres do Grid. 

 

Suzane: Vai ser no dia 23 de julho, em Curitiba. Aproveitarei que estou completando 20 anos de automobilismo  para celebrar a data e disputarei o Campeonato Brasileiro de Kart, que foi exatamente onde comecei,  para lançar o livro.  Espero ter tanto sucesso no campeonato quanto no livro. (Os Nobres do Grid cobriram o Brasileiro de Kart e o lançamento do livro. Veja a matéria especial sobre os 20 anos de Suzane Carvalho nas pistas. A sorte faltou no Campeonato, mas em compensação, o livro ficou muito bom e já está vendendo muito bem, mesmo antes de eu trabalhar a divulgação). 

 

NdG:Você tem outros projetos, de outros livros? 

 

Suzane: Sim.  Existem ainda outros livros a serem publicados: o CURSO AVANÇADO DE KART, o CURSO DE  PILOTAGEM PARA CRIANÇAS - o primeiro no estilo, no mundo;  O SEGREDO DE DIRIGIR BEM - voltado para o público em geral; o meu biográfico (mas este ainda vai demorar!), o de CRÔNICAS E POESIAS e o COMO CUIDAR DE SEU HAMSTER, pois eu crio hamsters desde sempre, e a literatura é praticamente inexistente. 

 

NdG: Existe algo que, depois de todos estes anos, com a experiência de vida acumulada, que, caso você pudesse, teria feito ou deixado de fazer ou feito de uma forma diferente? 

 

Suzane: Caramba!  Sim, com certeza. E a maior delas teria sido aceitar o teste com um Fórmula 1. A Larrouse me convidou para testar o carro deles em 1993 e eu acabei não aceitando com um certo medo se que fosse apenas uma jogada de marketing e eles me dessem um equipamento muito ruim.  Hoje entendo que eu deveria ter feito essa jogada de marketing, pois as equipes, que seriam meu alvo, sabem como funcionam esses “testes”.  A Minardi também me chamou para correr por duas vezes, mas ali envolvia muita grana. Mas, mesmo sem ter sentado e ido para a pista com um Fórmula 1, posso dizer que, tecnicamente, eu cheguei lá. Consegui a Superlicença e o direito de correr. Sou a única mulher no Brasil e umas das poucas no mundo que conseguiu isso.

 

Leia também a matéria especial "20 anos da Mulher Maravilha". Clique aqui.

 

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Last Updated ( Sunday, 10 October 2010 10:25 )