Entrevista: Ricardo Zonta Print
Written by Administrator   
Tuesday, 25 July 2017 19:29

No automobilismo do Brasil o público em geral, pelo menos nos últimos 30 anos (45 se formos fazer uma conta baseada no primeiro título mundial conquistado), uma falta de consideração, uma injustiça, uma falta de reconhecimento é lugar comum é corriqueira: Se não foi campeão mundial de Fórmula 1, não foi um grande piloto! É justo dizer isso de um piloto que foi campeão mundial em três categorias distintas? Jamais!

 

O curitibano Ricardo Zonta, aos 41 anos de idade, mais de 30 de velocidade e há 11 anos na Stock Car conquistou três títulos mundiais. Em 1997 foi campeão da Fórmula 3000, que seria o equivalente a atual Fórmula 2. No ano seguinte, foi campeão do mundial de GT da FIA, ambos com a salvaguarda da McLaren. Em 2003, conquistou o título da World Series, a mesma categoria que projetou o tetra campeão Sebastian Vettel alguns anos depois.

 

Ricardo já percorreu os quatro cantos do mundo, mas em todas estas escalas aprendeu a valorizar as coisas simples e verdadeiras, como família, amigos e a Deus. Casado, pais de uma menina de 1 ano e 8 meses, Ricardo leva – longe das pistas – a vida de uma pessoa como qualquer um de nós.

 

Além de suas atividades na pista, há alguns anos Ricardo passou a fazer parte da Diretoria da rede de supermercados Condor, uma das maiores do Paraná, que é presidida por seu pai, um novo desafio para este piloto que nunca fugiu de enfrentá-los. Filho mais novo de três, no caso duas irmãs, depois de muitos desencontros de agenda, conseguimos fazer esta entrevista.

 

NdG: Porque o automobilismo e não outro esporte? O que te levou para as pistas?

 

Ricardo Zonta: Desde criança meu pai me estimulava com coisas ligada aos carros. Desde os três anos ele me colocava no colo e saia com o carro e ele deixava eu “dirigir”. Ele via que eu virava o volante e isso chamou sua atenção. Ele meio que viu que tinha algo ali e ele sempre gostou de carro, de corrida, mas na época o negócio da família não era tão grande. Nos anos 80 foi que ele conseguiu ter condições para “brincar” com os Hot Dodge em velocidade na terra em Umbará, região onde nasceu e eu queria fazer o que ele fazia: ser piloto de ‘Dojão’ na terra e ele me deu um kart no final de 1986. Na minha primeira corrida, em 1987, eu ganhei. Eu só tinha 11 anos e corri contra meninos de 13 e 14 anos. Eles juntaram os grids dos novatos com os dos graduados... e aí ferrou, né? (risos) Meu pai achou que eu era bom e eu comecei a correr regularmente, mas tinha uma condição: tinha que ir bem na escola para correr e teve um ano que eu não estava indo bem na escola e o kart ficou no cavalete por dois anos. Em termos de formação como piloto isso foi muito ruim.

 

NdG: Você então foi “aluno do kartódromo de São José dos Pinhais” (cidade da grande Curitiba que tem uma pista pequena e muito seletiva)?

 

Quando eu era criança, queria ser piloto de "dojão" como era meu pai nas pistas de velocidade na terra.

 

Ricardo Zonta: Sim. Como lugar pra aprender a pista do ‘baú’ é excelente e tem vários pinheiros dentro do traçado.

 

NdG: Como todo piloto, quando garoto, você foi “paitrocinado” e temos visto os valores subir e a necessidade do patrocínio ser cada vez maior para se conseguir ir longe nas pistas. Existe um “limite da sanidade”?

 

Ricardo Zonta: O meu “paitrocínio” foi só até a Fórmula 3 aqui no Brasil. Só que o meu “paitrocínio” não era grande e meu esquema era quase que de fundo de quintal. Eu tinha um chassi antigo e uma mão de obra bem básica. A gente viu que aquilo não ia levar a lugar nenhum e no meu segundo ano eu conversei com meu pai e fui direto: ou a gente para por aqui ou eu preciso ter uma chance num esquema profissional para ver se eu tenho condições de ir em frente ou não, se eu sou bom ou não. Foi aí que eu fui para a equipe do Cesário e tinha um problema: meu “paitrocínio” só dava pra correr metade da temporada e até lá eu tinha que arranjar patrocinadores para bancar o resto da temporada. O Cesário sabia e topou me colocar num dos carros. Na terceira etapa uma empresa petroleira passou a me patrocinar e eu tive a verba pra terminar a temporada e foi fundamental este patrocínio para poder seguir para a Europa e estabelecer uma carreira por lá. Eles continuaram me patrocinando até a Fórmula 3000, quando eu fui procurado pela McLaren e assinei um contrato de três anos com eles.

 

NdG: Vendo o que acontece hoje em dia e, com essa vivência no mundo empresarial além dos anos como piloto, como você vê esse caminho para as categorias top fora do país?

 

Ricardo Zonta: Hoje é difícil reconhecer talentos. O nível dos pilotos está muito próximo, os pilotos tem simuladores, existem escolas de treinamentos especializados. Com isso, aquele talento natural, que o garoto, o jovem tinha e tem com ele acaba se mascarando no meio de outros pilotos que são “treinados” pra fazer aquilo. Então para uma empresa apostar no talento de um piloto hoje em dia, o risco dela errar é grande, porque ele pode ir bem em uma categoria ou outra, mas pode chegar num ponto, numa determinada categoria, que ele não vai mais conseguir manter o alto nível. O talento natural vai evoluindo e se adaptando. Mas o foco no treinamento está tão grande que o talento, que aparecia já de cara, hoje não aparece mais. Além disso, o equipamento tem feito a diferença. Um piloto com muito recurso, com mais equipamento, mascara aquele piloto as vezes com mais talento, mas com menos equipamento, porque está tudo muito próximo.

 

NdG: Um piloto que foi seu contemporâneo, o Pedro Paulo Diniz, ganhou um apelido nada elogioso e era chamado de “piloto de carrinho de supermercado”. Você tem na sua família o mesmo seguimento, porque você “escapou” de ser chamado assim também?

 

O "Paitrocínio" sempre existiu e existirá. Hoje é difícil se identificar talentos por conta dos programas de treinamento.

 

Ricardo Zonta: Acho que primeiro de tudo é que a empresa da minha família era pequena na época, enquanto o Abilio Diniz, pai do Pedro, era o maior empresário do ramo no Brasil. Então todo mundo sabia o poder financeiro que eles tinham na época. O que as pessoas não veem é que o Pedro Paulo fez um bom trabalho na F1, mesmo tendo um patrocinador como a Parmalat, que todo mundo sabe que foi essencial para ele entrar na Fórmula 1, mas se formos analisar a F1 hoje, ou mesmo há algum tempo, tem muitos pilotos que só chegaram na categoria assim. Mas como é aqui no Brasil... rotularam ele com este apelido.

 

NdG: Você assinou um contrato com a McLaren e foi correr para eles já na F.3000. Como era essa relação com eles, como era lidar com Ron Dennis?

 

Ricardo Zonta: Foi ele mesmo que veio me oferecer o contrato! Até quando nos sentamos a primeira vez para conversar a primeira lembrança era o que o Ayrton [Senna] tinha feito dentro da McLaren e eu via o Ron Dennis como o chefão mesmo, o cara mais poderoso da F1 e ele me ofereceu um contrato de três anos e nesse contrato eu era piloto da equipe de F.3000, piloto de testes da F1 e piloto reserva. Eles gostaram tanto que depois de dois testes que eu fiz eles me levaram como piloto reserva para o Japão... eles estavam confiantes no meu trabalho e isso foi muito importante para eu poder mostrar do que eu era capaz e conquistar títulos como eu conquistei.

 

NdG: Você venceu o campeonato que seria hoje o equivalente à Fórmula 2 derrotando um piloto que, algum tempo depois ficou muito “badalado”, o Juan Pablo Montoya, que também corria numa “equipe Junior”, no caso, da Williams. O que você mostrou a mais que ele pra ser campeão?

 

Ricardo Zonta: Olha... foram circunstâncias. Nós tivemos uma grande disputa no campeonato. No início, eu tive um problema sério, ficando sem pontuar nas três primeiras corridas e foi campeão com uma etapa de antecedência. Foi um ano muito bom pra mim. Foi a melhor equipe que eu sentei, eu estava muito bem preparado psicologicamente para ganhar aquele campeonato. É preciso dizer o Juan Pablo é um piloto muito talentoso e rápido. Além disso, ele era muito confiante e focado, era um adversário duro de ser derrotado. Hoje ele treina o filho e ele pode ser uma referência para qualquer piloto. Era o primeiro ano do contrato com a McLaren já dar resultado com um título foi muito bom.

 

NdG: E no ano seguinte você foi campeão de novo, no mundial de gran turismo, correndo com um McLaren GT, em cima do Mark Webber. A gente não pode não perguntar: porque o Ron Dennis não te colocou na F1?

 

Foi o próprio Ron Dennis que me procurou e ofereceu um contrato de três anos com a McLaren.

 

Ricardo Zonta: Bem, eu tinha um contrato de três anos com o Ron Dennis e ele tinha dois pilotos nos seus carros, a equipe estava bem, vencendo, ganhou com certa facilidade eu diria o campeonato de 1998, com um carro perfeito, com o projeto do Adrian Newey e para 1999 ele iria manter a dupla de pilotos que tinham sido campeão e vice... porque ele trocaria os pilotos? Então eu me antecipei e quando recebi o convite da BAR, aceitei e acho que ali eu cometi o erro da minha vida. Eu não tinha experiência nenhuma como piloto oficial e era uma equipe nova, era um projeto que vinha da Reynard, tinha um orçamento bom, mas um carro muito frágil, que quebrava muito e em alguns casos levando perigo para os pilotos, como uma quebra de suspensão e uma batida forte que tive. Isso mexeu comigo... eu não tinha confiança no equipamento e comecei a perder a confiança em mim mesmo. Ali eu dei um passo maior do que devia. Se eu tivesse ficado um ano como piloto de testes da McLaren eu teria aprendido mais, me preparado melhor e mesmo que não tivesse ficado na McLaren, as coisas poderiam ser diferentes.

 

NdG: Mas apesar de tudo isso as pessoas reconheciam teu talento, você foi chamado para a Toyota. Quem eram as pessoas que viam o teu talento e apostavam em você na F1?

 

Ricardo Zonta: Depois que eu fiquei fora do grid e ganhei o campeonato da World Series em 2003 eu fui convidado para correr na Toyota. Foram praticamente 5 anos trabalhando com eles, uma temporada como titular e outras como reserva, trabalhando no desenvolvimento dos carros, eventualmente substituindo um piloto. Foi um período muito positivo na minha vida.

 

NdG: Você foi um piloto que andou bem de tudo. GT, Fórmula, anda bem de turismo... como é que “vira a chave” pra se adaptar e andar tão bem logo de cara como você faz?

 

Ricardo Zonta: Tem que ter muita sensibilidade. Por exemplo, o carro da Stock Car é um carro muito estranho e difícil de se adaptar. Pilotos que andaram bem em fórmula como eu, o Pizzonia e o Barrichello, por exemplo, chegamos na categoria e tivemos que nos adaptar, mudar a forma de pilotar e levamos um tempo pra andar na frente... e nem sempre conseguimos andar na frente. O carro impõe os limites ao piloto e você precisa aprender a ser o mais rápido possível dentro destes limites. É aí que você consegue andar bem em qualquer carro.

 

NdG: E qual dos carros é mais difícil de pilotar: O fórmula, o GT, o Turismo ou o do Grupo Condor?

 

Ricardo Zonta: (risos) Olha, é claro que lá a gente está bem assessorado, temos uma diretoria muito boa, profissionais muito bem preparados, mas é algo desafiador. O varejo é algo muito dinâmico e competitivo. Qualquer ação que você faz o troco da concorrência é imediato e como eu estou na área de estratégias do grupo tenho aprendido bastante neste sentido. Essa área de campanhas, ofertas, tudo isso passa por mim e requer um cuidado muito grande, tem que estar em cima toda hora.

 

NdG: É disputa de freada?

 

Ricardo Zonta: Uma disputa de freada que depende de outras pessoas também. Na pista você depende de você e do carro, lá tem muitos fatores envolvidos.

 

NdG: Você teve e tem um convívio com o Jacques Villeneuve desde os tempos de BAR. Ele foi dono da equipe. O fato dele ter feito isso te levou a vir ser dono de equipe, no caso aqui no Brasil?

 

Depois de conquistar dois títulos mundiais eu não tinha espaço na equipe e assinei com a BAR. Foi o erro da minha vida!

 

Ricardo Zonta: Quando eu voltei para o Brasil eu ainda não tinha um cargo na empresa da família. Eu tinha tempo disponível para fazer alguma coisa e além de correr como piloto na Stock Car, meu pai me motivou a fazer algo a mais, que eu tivesse uma equipe e aprendesse na equipe a ser empresário. Fazia sentido: se eu tivesse prejuízo com a equipe este seria menor do que se eu errasse e desse prejuízo no Condor. Foi um caminho que eu vejo ter sido de grande valia ter seguido. Foi uma boa escola.

 

NdG: E como escola, você tirou nota azul ou vermelha?

 

Ricardo Zonta: (risos) Tirei nota azul. Enquanto estive à frente da RZ Competições ela deu lucro. Quando eu saí da administração tivemos um prejuízo. Mas foi uma grande experiência e eu aprendi bastante.

 

NdG: Falando de gestão, focando no automobilismo, o que os homens de negócios das pistas podem aprender com homens de negócio como seu pai?

 

Ricardo Zonta: São dois mundos muito diferentes, não tem como fazer um parâmetro sobre como é gerir um e outro negócio. No nosso negócio nos vendemos produtos, uma equipe de automobilismo vende espaços. O patrocinador vai ter interesse na equipe que tem resultados. O produto, o dono coloca em todas as redes de varejo para vender. No caso da equipe, o normal é um patrocinador escolher uma equipe apenas. O que elas tem em comum é a busca para trabalhar com o menor custo possível e assim buscar uma maior margem de lucro.

 

NdG: Se contarmos do tempo do kart, são 30 anos de macacão e capacete. O que ainda te motiva a acelerar?

 

Ser dono de equipe foi um grande aprendizado para eu entender o que é ser empresário e isso me ajuda na empresa.

 

Ricardo Zonta: Tudo isso que está aqui em volta. O ambiente, a corrida, a vontade vencer.