Entrevista: Maneco Combacau Print
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Tuesday, 31 March 2009 00:51

 

Paulo Manoel Combacau (a pronúncia correta seria “Combacô”, do francês), o Maneco Combacau, foi um dos precursores do kartismo no Brasil, nos anos 60. Os Nobres do Grid tiveram o prazer e a honra de serem recebidos em sua casa e, como surpresa para o grande mestre, levamos em nossa companhia o seu contemporâneo de pistas – quase sempre improvisadas - Ângelo Alonso e seu filho para um descontraido bate papo sobre o kart no Brasil, que em 1959 completa seus 40 anos na “terra Brasilis”.

 

NdG: Como foi que começou a sua relação com o automobilismo e com o kart em particular?

 

Maneco: Eu tive a felicidade de ser um dos protagonistas da histórica primeira corrida de kart realizada no Brasil, realizada no Jardim Marajoara (bairro da zona sul de São Paulo) em 1960. Alguns registros falam que a primeira prova aconteceu no Rio de Janeiro, mas, na realidade, foi em São Paulo mesmo. Mas eu corri de muita coisa... disputei prova longa, prova curta, com a Dacon, do Anísio Campos, andei de Formula Vê... mas a paixão mesmo sempre foi o kart.

 

NdG: Este início do kart no Brasil, quem foi que descobriu esta nova forma de correr e a trouxe para o Brasil?

 Maneco: A modalidade chegou ao Brasil pelas mãos do Claudio (Daniel Rodrigues), que viu umas fotos numa revista americana (Mecanica Popular) e resolveu copiar (pelo menos o que via). Utilizou chassi tubular bastante simples: basicamente duas longarinas, dois eixos, um suporte para o banco, outro para a direção e um motor traseiro. Como não existiam cortadores de grama aqui no Brasil como existem nos EUA, houve então a opção pelos motores de bombas d’água existentes no mercado (dois tempos e um cilindro, com 4 cv e 125 cilindradas). Com certa dificuldade, os karts chegavam aos 70 km/h. Partir o motor era um drama: Usava-se um pedaço de cabo de vassoura (que era segurado com firmeza por um componente da equipe de apoio) amarrado a uma corda que, enrolada a uma polia. Este componente – normalmente o mais forte do grupo – era o responsável por puxar com toda força a corda para assim acionar os motores, quando o diretor de provas autorizasse. Era normal não funcionar de primeira e o pessoal ficava cansado de tanto puxar e enrolar a corda.O Cláudio procurou o Mario Carvalho, que tinha a fábrica da RioMar, que foi quem forneceu o motor para o kart do Cláudio, o Ross Kart... isso antes de existir a Mini. Tudo isso começou em 1959, levamos 1 ano vendo como o kart funcionava até realizarmos a primeira prova, em 1960.

O Claudio foi que praticamente monopolizou a construção de karts no Brasil, com a Rossi Kart. Em 1966 ele desistiu da fabricação de karts e passou o negócio para as mãos do sócio, James Holland (não temos certeza se a grafia está correta).

Enquanto isso, na primeira metadec dos anos 60,  a Mini foi se estruturando comigo e com o Wilsinho... depois de 6 meses de trabalho, Wilsinho e Combacau começaram a produzir o "Chassi deitado", revolucionário na época. Até quem 1966 o Wilsinho “inventou” de ir correr na Europa e tal e nós acabamos passando os direitos de construção para o Mario... o Emerson entrou na sociedade também, mas foi por pouco tempo. Eu levei 20 karts prontos como sendo a minha parte do negócio, acho que a parte do Wilsinho acabou com o Emerson (Wilsinho e Maneco Combacau passaram os direitos de fabricação do chassis de kart para Emerson Fittipaldi e os irmãos, Mario de Carvalho e Cezar de Carvalho. Em 1967 , Emerson abandonou a fabricação de karts para dedicar-se à Formula "V", na qual competia já há algum tempo). E tinha o outro sócio, que era o Antônio Carlos (Totó) Porto, mas esse era só de papel... não entrou com dinheiro e não sei se recebeu algo.

 

NdG: Tendo sido alguns pilotos já conhecidos e respeitados pelos seus feitos os primeiros a correr de kart, eles se sentiam bem naqueles carrinhos em que praticamente ralavam no asfalto? Eles viam futuro naquilo?

 

Maneco: Eles olhavam com uma certa desconfiança... Para a primeira corrida o Ciro e o ‘seo’ Chico foram convidados, mas não quiseram correr. Mesmo assim, o “brinquedinho” fez sucesso e foi tomando o gosto dos mais novos como o Emerson, o Chiquinho (Lameirão), o Pace... se bem que o Pace era gordinho na época e sofria por conta do peso extra.

 

NdG: Como foram as primeiras provas? Quem organizou? Como foi fazer todo o esquema para realizar uma corrida de uma categoria que era totalmente desconhecida?

  

Da construção do primeiro kart até a primeira corrida, foram vários meses, quase 1 ano: 

 

Maneco: A estréia da categoria aconteceu devido a um campeonato organizado pela Centáuro Moto Clube. Era constituído por três etapas: agosto, setembro e outubro de 1960. Todas as etapas aconteceram na cidade de São Paulo: duas no Jardim Marajoara e a última no estacionamento do parque Ibirapuera. As corridas eram nas ruas, sendo os circuitos demarcados apenas por fitas. Uma saída do traçado e o piloto ia direto para a guia (meiofio em alguns estados do Brasil).Na primeira prova participamos eu, o Wilsinho (Fittipaldi), o Claudio, os Irmãos Greco, o Euclides Pinheiro, entre outros. Foram, ao todo, 16 pilotos, e fomos divididos em dois grupos de 8. daí os 4 primeiros se classificavam e os 8 melhores disputavam a final. Eu venci a primeira prova. Além dos pilotos que participaram na época, teve um ator que era famoso na época… Alberto Ruschel (que fez o filme O Cangaceiro), que era amigo do Claudio. O Ciro Cayres e o Chico Landi também foram convidados, mas preferiram não participar. E foi ele que proporcionou o acidente mais sério, logo na primeira bateria. Quando o dublê de piloto perdeu o controle do seu kart, voou sobre a calçada, desabou barranco abaixo. Mas nada de grave aconteceu com ele.Mesmo com o acidente a prova teve continuidade e foi vencida por Cláudio Daniel Rodrigues, seguido pelo garoto Wilsinho Fittipaldi, que tinha 17 anos (correu com uma autorização por escrito do Barão Fittipaldi) na época e em terceiro cheguei eu. Todos os três se classificaram para a prova final.Havia um bom público para a prova final. Participavam da cobertura da corrida a revista Quatro Rodas, jornais, a Rádio Panamericana (que hoje se chama Joven Pan) e colunistas como Cláudio Carsughi. Assim que teve início, Wilsinho Fittipaldi largou na frente e liderou até ser ultrapassado na quinta volta por Henani Brettas, que chegou a abrir uma boa vantagem até a 13ª volta, quando a corrente de seu kart se rompeu. Wilsinho e Cláudio Daniel passaram então a disputar a liderança e mantiveram uma luta feroz até a linha de chegada, com Cláudio vencendo por uma diferença de meio kart.Cláudio Daniel ficou com a glória de ter ganho a primeira corrida. Wilsinho Fittipaldi conquistou a primeira etapa e o Julhinho (Julio Tower) “Esparadrapo” terminou como campeão.

NdG: Mas, pelo que conta a história, a Mini era a grande potência do kart. Vocês tinham concorrentes?

Maneco: Olha, concorrentes nós tínhamos... só que os pilotos da Mini eram a nata do kartismo. Nós tínhamos o Emerson e só aí já desequilibrava tudo. Mas haviam grandes pilotos... o Waltinho (Travaglini), o Marivaldo (Fernandes) o Pace... o Wilsinho ainda correu muito pois o Emerson teve que fazer 17 anos para correr (na época menores de idade não podiam correr e o Barão assinava um termo de responsabilidade por eles)... E depois desta geração vieram outros... o Mario saia pegando todo mundo para correr para ele. Quem era bom até corria meio que de graça, de outros ele tirava algum... do Marivaldo ele tirava um monte! (risos). E nisso a Mini foi se consolidando até ser esta potência que é hoje (A Mini é a terceira maior fabricante de Karts no mundo).

NdG: Por quanto tempo você correu ou esteve diretamente envolvido com o kart?

 

Maneco: Eu corri de 1960 a 1985. Corri com os que começaram, com a geração que veio a seguir, corri com o Chico (Serra), e até mesmo contra o Senna, o Mario... o Rubinho e o Christian, mas estes só nas provas longas e corri também no superkart. Eu tive a felicidade de ver todos todos os pilotos que suegiram nestes anos.

 

NdG: Sabemos que é difícil falar sobre pilotos melhores e piores, mas você, nestes 25 anos, se tivesse que destacar 5... cinco pilotos: quem você citaria?

 

Maneco: Teve muita gente boa ao longo destes anos... mas ponho sem medo o Emerson, o Senna, o Stits, o Waltinho e o Rubinho.

 

NdG: O Barrichello?

 

Maneco: Sim. O Rubinho era bom pra caramba. Ele tinha um diferencial e coloco-o sem medo entre os maiores da história do país.

 

NdG: Nos anos 80 apareceu uma categoria nova por aqui: O superkart. Qual foi o seu envolvimento e o que esta idéia fez no meio do kartismo?

 

Maneco: O Superkart foi criado no início de 1982 e, depois de ver que a idéia funcionava, foram realizadas algumas corridas no segundo semestre daquele mesmo ano (foram realizadas três corridas, todas no segundo semestre). O que não esperavamos foi o sucesso tão grande como o que aconteceu e que resultou em um “boom” no marketing das corridas no Brasil. Era um chassi desenvolvido pela Kart Mini, com dois motores dois tempos de 125 cm³ e carenados. Os karts “normais” tinham apenas um motor e não tinham carenagem. As carenagens davam uma aspecto arrojado aos karts e abriam espaço para que fossem colocados patrocínios.

 

NdG: Com dois motores o kart devia andar que era uma loucura, não?

 

Maneco: E como! Os Superkarts andavam muito, muito mesmo. Pilotos como Wilsinho Fittipaldi, Affonso Giaffone, Zeca Giaffone, Carol Figueiredo, eu e outros kartistas que corremos nos anos 60/70 entramos fundo nessa. A categoria era – inicialmente – para pilotos veteranos e tinha entre seus objetivos dar um novo ânimo ao kartismo, que vinha passando por uma crise devido aos altos custos e pouca divulgação. É importante se dizer que o apoio do Mario de Carvalho, dono da Mini, foi fundamental para o sucesso da categoria.

 

NdG: Foi o superkart que levou o Emerson de volta as pistas, não foi?

 Maneco: De certa forma sim. Em 1983, a categoria passou a ter um Campeonato Paulista e entre seus participantes estava ninguém menos que Emerson Fittipaldi. A verdade é que o Rato tava numa draga danada naquela época.  Aí “o bicho pegou para valer”: As corridas eram transmitidas ao vivo na TV (Record), as arquibancadas lotavam e o superkart ganhou no final do ano um torneio extra, com corridas disputadas na Praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu. Pilotos como Lian Duarte, Alex Dias Ribeiro, Chico Serra, Jayminho Figueiredo e muitos outros que estavam na ativa em diversas categorias nacionais e internacionais foram se integrando ao grupo. Teve prova com mais de 50 inscritos… mas, por segurança, apenas 30 largavam. Até o Senna, que acabara de ganhar o campeonato inglês de F3 quis participar…

NdG: Você falou do Senna, que foi um dos maiores kartistas do Brasil. Ao longo destes anos, vimos nossos maiores pilotos, os vencedores dos grandes campeonatos pelo mundo, oriundos e consagrados como grandes kartistas. O kart mostrou-se e mostra-se como uma categoria escola e base indispensável para a formação de um futuro campeão ou isso pode acontecer sem o piloto ter vivido esta experiência?

 

Maneco: Todos os nossos campeões de F1, de F3 na Europa, de F Yndy nos Estados Unidos foram grandes campeões no kart. Isso já fala por si só.

 

NdG: Há algum tempo o kartismo passa por uma crise. Faltam pilotos? Falta motivação? Falta dinheiro? O que está provocando isso?

  

Ter uma estrutura competitiva no kart nos dias de hoje, implica em uns 20 mil reais por mês: 

 

 

 

 

 

 

Maneco: O kart é uma coisa muito gostosa. Eu me diverti com o kart durante 25 anos da minha vida mas, se formos pensar para dar condições do kartismo continuar existindo, é preciso se ter cuidado com os rumos que estão sendo tomados. Os fabricantes, os patrocinadores, as federações precisam criar meios para que o kart não só sobreviva, mas que ele cresça. O problema é que as pessoas que ocupam os cargos diretores das federações, clubes e etc. são as mesmas desde que eu consigo me lembrar e estas pessoas precisam se reciclar, abrir os olhos e abrir espaço para novas pessoas e novas idéias.

 

NdG: Como você vê o futuro do kart no Brasil?

 

Maneco: O kart mudou muito ao longo destes anos. Aquele kart em que se corria praticamente em igualdade de condição não existe mais. Hoje o esquema para se correr de kart está tão profissionalizado e tão caro que, para se montar um esquema vencedor – e isso ainda vai depender do piloto, estou falando só de equipamento e pessoal técnico – é preciso um investimento da ordem de uns 20 mil reais por mês. Deste jeito, só tendo mesmo um patrocinador ou um “paitrocinador” com muita condição para gerar isso.

 

NdG: Estamos num “beco sem saída”?

 

Maneco: Alternativa existe... Se quisermos popularizar o kart e torná-lo acessível e não só isso, equilibrado, os fabricantes deveriam partir para a fabricação de um kart “standard”, com equipamento simples e que mais interessados pudessem adquirir. Isso seria para as categorias menores, deixando as de cima com liberdade de ação.

Assim como no futebol, tem garoto que “dá pra coisa” e outros que não. E isso se vê nas categorias de base. Assim, essas categorias para 10, 12, 13 anos, correriam todos com karts standard. Daí, para a graduados B e depois para a graduados A, se começaria a liberar o equipamento mais caro. Assim o pai do garoto não iria gastar uma fortuna a cada ano por tantos anos e o grid das categorias de cima seriam mais cheios e com pilotos melhor formados.

Eu lembro que muito garoto não podia correr porque os pais não deixavam, achavam perigoso e tudo mais. Aí surgiram estes kartódromos “in door”. E esses mesmos pais foram lá correr e gostaram!

Se a crise mundial virou até a Fórmula 1 ao avesso, o que vai acontecer com o kart é incerto. Cada vez tem menos piloto, cada vez ta mais caro, como disse o Ângelo (Alonso), hoje, para ter uma estrutura competitiva é preciso investir algo em torno de 20 mil reais por mês e o piloto ainda por cima tem que ser bom!

Se seguirmos neste caminho, corridas de karts no Brasil vão se limitar as provas comemorativas tipo as 500 milhas, as festas de final de ano e os caras que tem grana para brincar, alugando a pista e os carros de vez em quando. Como competição, se continuarmos assim, o futuro do kart de competição no Brasil é incerto.

 

NdG: Então temos como mudar este cenário?

 

Maneco: Só tem jeito... mudar tudo! Ou mudam as mentalidades (ou as pessoas) que dirigem o kart, ou mudam a estrutura, com este sistema de excesso de categorias e esta coisa de colocar meninos de 8 ou 10 anos pra competir como é hoje.

Kart tem que começar como sendo brincadeira para as crianças, não competição! Colocam pra competir o menino ainda muito novo e aí o garoto depois de uns anos perde o gosto, perde o pique... e no esquema atual, perde a grana do pai! O garoto que brincar de kart e começar a competir apenas com 16 ou 17 anos, esse vai tomar gosto pela coisa e vai chegar com vontade nas categorias de Fórmula. Agora, tem que deixar o kart barato, standard. Pra popularizar e assim aparecerem os pilotos com talento. Esses aí vão se destacar. Além disso, precisa haver uma categoria entre o kart e a Fórmula 3 Sul Americana. Se a situação permanecer como está, podemos estar caminhando para um cenário pior ainda.

 

Essa foi uma deliciosa viagem no tempo... em breve, outras virão!

 

 

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Last Updated ( Sunday, 10 October 2010 10:18 )