Regras Que Não São Regras, Mas Se Tornam Regras... será? Print
Written by Administrator   
Tuesday, 10 September 2019 23:31

Caros leitores, não tem como não falar sobre a polêmica ultrapassagem de Lucas di Grassi sobre Ricardo Mauricio na prova do Milhão da Stock Car, mas antes, quero manifestar meu sentimento ao mundo do automobilismo e à família do jovem Piloto Anthoine Hubert da Fórmula 2. Uma morte sempre nos sensibiliza, mas a morte de um Piloto deixa muito triste todos os automobilistas, principalmente quando ele é tão jovem.

 

Então, vamos às polêmicas da ultrapassagem do Di Grassi sobre o Ricardo Maurício, mas para “tentar” explicar todos os fatos, temos que saber de todas as versões e principalmente o que “é verdade ou verdadeiro” destas versões.

 

Vejam o destaque que eu dou na frase acima, sobre o que é verdade e o que é verdadeiro, verdade é o fato e verdadeiro é como entendemos ou vemos este fato, algumas vezes podemos estar equivocados acreditando estarmos certos. Veja o desenho abaixo:

 

      Foto 1: O que é certo? O que é errado? A perspectiva pode apresentar respostas interessantes e corretas.

 

Sobre a ultrapassagem, vou colocar aqui o meu entendimento (verdade ou verdadeiro) e em seguida tentar explicar os fatos, principalmente sobre a ótica do Di Grassi,  dos Comissários Desportivos e ainda avaliando tudo sobre a “minha” ótica, através das experiencias que adquiri ao longo dos meus 44 anos de automobilismo.

 

São tantos assuntos dentro do mesmo fato que, para não perder o foco,  vou registrar abaixo tudo o que devo falar.

Vamos falar sobre:

- a ultrapassagem, foi “legal” ou não? (que foi bonita de ver ninguém discute);

- os Comissários foram rápidos, mas será que acertaram?

- o vídeo do Di Grassi colocando “sua verdade” sobre os fatos, principalmente quando ele fala que os Comissários deveriam avisa-lo para ele devolver a posição...

 

https://www.instagram.com/tv/B1mk5emHB2l/?igshid=yw246d4s0heg

 

- é realmente proibido passar por aquele local ? (antes não era);

- os Comissários poderiam ter mandado ele devolver a posição?

- por que os Comissários foram tão rápidos na decisão e na mesma semana na Copa Truck demoraram a decidir e justamente em uma ocorrência envolvendo o piloto Felipe Giaffone que além de piloto é Comissário Desportivo FIA ?

 

      Foto 2: o momento da ultrapassagem de Lucas Di Grassi sobre Ricardo Maurício, excedendo o limite da pista.

 

Antes de tentar explicar, vou colocar aqui tudo o que eu penso: A ultrapassagem foi ilegal, o Ricardo Maurício se posicionou corretamente, os Comissários acertaram, o Lucas di Grassi interpretou errado a história de que os Comissários deveriam avisá-lo, e tudo isso aconteceu principalmente porque houve uma mudança no traçado da entrada de box em 2014. Nenhum outro piloto da Stock Car erraria nesta ultrapassagem, porém o Di Grassi, que quase não corre no Brasil, errou.


Vamos começar falando sobre o erro do Di Grassi em colocar o carro por dentro naquele ponto:

 

A entrada de box de Interlagos foi modificada em 2014 e até então, era comum os pilotos “cortarem a faixa branca da entrada de box (foto abaixo), sem desrespeitar a regra que diz  o seguinte: “é proibido ao piloto que ENTRAR ou SAIR do box passar sobre as faixas brancas”, porém o piloto que não estiver entrando ou saindo tem liberdade para passar sobre elas, isto é assim em qualquer autódromo, porém, em Interlagos, desde a reforma do acesso aos boxes e por conta da mudança do traçado, ficou estabelecido que  nenhum piloto poderá “cortar” a faixa branca, mesmo quando não estiver entrando aos boxes, tudo isso pautado na segurança, já que o muro que divide a pista e o pit lane fica na trajetória. Algo semelhante aconteceu com Felipe Massa no GP de 2014 que mesmo não fazendo ultrapassagem, foi punido por ter passado naquele ponto. Esta “regulamentação” sobre o corte de pista naquele local, não foi automática após a reforma, na verdade, nós, os Diretores de Provas fomos percebendo o risco e criando esta regulamentação que, atualmente, está colocada em todos os RPPs (Regulamento Particular da Prova) ou nos Briefings. Por isso que eu falo: todos os Pilotos brasileiros foram “aprendendo” esta regulamentação e inclusive vários deles opinaram sobre o risco e sugeriram esta inclusão nos regulamentos, como o Di Grassi quase não corre no Brasil, provavelmente não tenha se atentado a este procedimento.

 

Abaixo imagens da entrada atual e anterior, notem que em uma das imagens que peguei do site Auto Racing é a matéria do Massa falando que aprovou as mudanças e no GP ele acabou sendo penalizado...

 

    Foto 3: imagem da atual entrada dos boxes em Interlagos. Mais segurança e redução de velocidade além de eliminar quina.

 

Acima entrada atual e abaixo entrada antiga, a linha amarela demonstra o traçado que os pilotos usavam antigamente.

 

      Foto 4: repembrando, como era a entrada dos boxes antes da reforma que deu a configuração atual.

 

Resumidamente, o Ricardo Mauricio sabia exatamente os limites da pista e se posicionou defensivamente de forma legal. O Di Grassi que não está tão familiarizado com Interlagos pós 2014, fez uma ultrapassagem que no seu entendimento seria legal, porém na regra atual não foi.

 

Vejam nas imagens abaixo como ele passa próximo ao muro de entrada dos boxes:

 

    Foto 5: a imagem da câmera onboard de Lucas Di Grassi, a proximidade com que ele passou do muro, fora do limite da pista.

 

Sim, os comissários acertaram. Já disse várias vezes e torno a repetir: os Comissários tem como objetivo tomar decisões rápidas e se possível fazer com que a prova termine na bandeirada, ou seja, que o resultado da pista seja o resultado oficial, mas nem sempre isso é possível, pois muitos incidentes ou acidentes dependem de observações melhores antes de um veredito e os comissários quando não tem certeza sobre o ocorrido, optam por deixar a decisão para o final da prova onde contam com subsídios de imagens, inclusive as câmeras on board dos pilotos.

 

O Lucas Di Grassi, postou um vídeo tentando explicar o que os Comissários deveriam ter feito. Ele concorda que fez a ultrapassagem em local indevido e diz que os Comissários deveriam ter colocado uma mensagem na tela para que ele devolvesse a posição ao Ricardo Mauricio e desta forma não precisaria de um drive-through, lembrando que a penalização sobre a ultrapassagem foi um drive-through e não a exclusão da prova, esta foi decorrente do piloto não cumprir o drive-through.

 

Esta situação, sobre devolução de posição, demanda uma série de explicações, já que oficialmente ela não existe:

 

- também não existe ordem dos Comissários passadas pela TV ou rádio para as Equipes, toda comunicação entre direção de provas com os pilotos e equipes deve ser feita através de bandeiras. Apenas quando a informação é colocada na tela da cronometragem é uma comunicação oficial, porém jamais os Comissários “o mandariam” devolver a posição, até porque esta conduta não existe nem  oficialmente e nem extra oficialmente. Devolver a posição é uma atitude voluntária do piloto que reconhecendo um erro o faz por conta própria ou orientado por sua equipe, e o os Comissários podem ou não aceitar esta atitude para não dar a penalização, porém é uma atitude deliberativa dos Comissários e jamais será uma regra, tudo dependerá se a ação originaria gerou riscos ou prejuízos a outros participantes.

 

Não está escrito em nenhum lugar do CDA (Código Desportivo do Automobilismo), que se o piloto devolver a posição não deverá ser penalizado. Esta conduta, de não penalizar, é aplicada algumas vezes, quando o piloto faz uma ultrapassagem indevida (ex: em setor onde está sendo apresentada bandeira amarela), e percebendo o erro, devolve voluntariamente a posição, porém isto não é uma regra e se os Comissários interpretarem que a manobra colocou algum participante em risco, ou até mesmo algum oficial de resgate que esteja trabalhando na ocorrência, então não adianta devolver a posição, porque a penalização será mantida.

 

O que acontece muitas vezes, principalmente por conta da possibilidade de informação rápida que temos atualmente é que os Comissários não vendo “risco” em uma manobra deste tipo e simplesmente com o objetivo de não ficar “distribuindo” penalizações, se tiverem condições, eles avisam à equipe que se o piloto devolver a posição ele não será penalizado, na Porsche Cup este aviso é feito através de um Comissário de Box que tem contato com todos os coachs dos pilotos, mas jamais será uma ordem e sim uma opção. Também não é raro um Coach de Piloto, logo após uma manobra destas subir correndo na Torre e perguntar se o piloto deve ou não devolver a posição?

 

Esta situação faz parte de “eventualidades de uma prova”, é tão parte de eventualidades que não está previsto em nenhum  regulamento. Lembrem-se da função específica dos Comissários: fazer cumprir os regulamentos, e àquilo que não consta em regulamento deverá interpretar e decidir”.  Certa vez em uma corrida que eu fazia a direção de prova aconteceu a seguinte situação: um piloto(2) desconfiou que tinha feito uma ultrapassagem indevida sobre o piloto(1) e pediu para seu Coach correr na Torre e perguntar aos Comissários se deveria devolver a posição? Os Comissários disseram que sim, porém no tempo decorrido de todo este trâmite a situação de pista mudou, o Piloto(3), também ultrapassou o piloto(1) e a situação de pista ficou esquisita, pois para quem o piloto(2) deveria devolver a posição? Para o piloto(3) que estava logo atrás dele ou para o piloto(1), aquele que ele havia ultrapassado e estava 2 posições atrás?

 

Isto deu uma polêmica, pois não é regra, é apenas uma postura dos Comissários para não ficarem penalizando por motivos que não são necessários. Vejam o desenho abaixo e pensem sobre isto. O que vocês fariam?

 

     Foto 6: Se você, leitor, fosse o comissãrio, qual seria a sua determinação para o que deve ser feito na pista?

 

Avaliem. No final eu falo a decisão dos Comissários.

E a última questão é: Se os Comissários são da mesma entidade, a CBA, então por que foram tão rápidos na decisão na Stock Car e deixaram a decisão da Copa Truck para o final da prova?

Isto é o que eu tento explicar o tempo todo: tanto os Comissários como os Diretores de Provas trazem consigo uma “bagagem” de experiências, e estas experiências são o que ajudam nas tomadas de decisões, além disso, existem algumas faltas ou penalidades que são automáticas enquanto outras demandam discussões e interpretações (experiências ajudam bastante nesta hora), a tecnologia também pode ajudar, vejam o exemplo do que ocorre em algumas categorias internacionais: enquanto no Brasil a queima de velocidade nos boxes é feita por radares ou por looping de cronometragem  e após a constatação do excesso de velocidade o oficial da cronometragem tem que avisar o Diretor de Prova e este tem que passar a informação para os Comissários e por sua vez os Comissários devem penalizar e quando penalizam não é raro o Piloto ou alguém da equipe subir na Torre para “tentar explicar” que alguma coisa está errada na marcação..... etc, etc., na WEC, quando estiveram no Brasil, tinham um equipamento ligado à cronometragem e aos loopings de box que toda vez que o Piloto excedia a velocidade automaticamente uma mensagem de penalização aparecia na tela da cronometragem e um documento já era impresso na sala dos Comissários, bastando apenas eles assinarem e informarem oficialmente ao Piloto ou Equipe qual seria a penalização.

 

Na ocorrência da ultrapassagem na Stock Car o fato era incontestável, pois as câmeras mostraram claramente, já na ocorrência da Copa Truck, onde o caminhão de Paulo Salustiano muda a trajetória e dá um toque no caminhão do Felipe Giaffone, a imagem também era “teoricamente” conclusiva, eu, na minha avaliação (vejam algo bem pessoal), acredito que os Comissários também viram o toque e interpretaram que apesar do toque o Paulo Salustiano saiu no prejuízo (o que o isentaria de punição) e só não deram o veredito de imediato, pois de repente, na volta seguinte poderia aparecer um problema no caminhão do Felipe Giaffone, decorrente da batida, então, acharam por bem colocar a mensagem na tela que aquele incidente seria avaliado ao final da prova, afinal um erro dos Comissários pode gerar um prejuízo muito grande a um Piloto ou Equipe.

 

      Foto 7: imagens do Instagran do Felipe Giaffone na disputa por posição com Paulo Salustiano.

 

E para encerrar, segue a interpretação dos Comissários sobre aquela ultrapassagem em bandeira amarela, os Comissários entenderam que o correto seria devolver a posição observando a colocação dos carros em pista no momento da infração, ou seja, o piloto deveria devolver a posição que havia “ganho” e não devolver a posição ao Piloto ao qual havia ultrapassado.

 

        Foto 8: a decisão dos comissários seguem critérios e regulamentos que são pré estabelecidos.

 

Como esta história de devolver a posição é uma conduta de procedimento aceitável e não consta de nenhum regulamento, até hoje escutamos reclamações de alguns pilotos (obviamente os que se sentiram prejudicados) dizendo que não concordam, e alguns trazem argumentos plausíveis, mas em corridas nunca conseguiremos agradar a todos, então termino esta coluna com uma frase que escutei certo dia e a achei ótima:

 

“NAS CORRIDAS, APENAS 2 PILOTOS SAEM TOTALMENTE CONTENTES: O PRIMEIRO COLOCADO E O PENULTIMO”.

 

É isso!

 

Abraços,

 

Sergio Berti

 

 

    
Last Updated ( Saturday, 21 September 2019 00:56 )