Não vivenciei tão proximamente todas as histórias do Avallone. Nesta época eu era apenas Bandeirinha em Interlagos, mas tudo que falarem sobre ele, eu acredito! Uma das figuras mais folclóricas do nosso automobilismo. No meu entendimento, nosso automobilismo traz em seu rico passado a seriedade e o trabalho de pessoas como Chiquinho Lameirão, irmãos Fittipaldi, Bird Clemente, Artur Bragantini, Crispim o gênio dos DKWs  e tantos outros que se fosse escrever não caberia nesta coluna, mas traz também Antônio Carlos Avallone, não menos sério e importante que os outros no seu trabalho (piloto, preparador, promotor, construtor de carros de corrida e carros de “fora de série” para rua), porém um “figura”, completamente emocional e imprevisível nas ações extra-corridas, por vezes, gerando problemas aos Diretores de Provas e Comissários.

Talvez a “encrenca” mais conhecida do público tenha sido a vez em que ele, proibido de largar por não ter feito sua inscrição para uma prova de Stock Car em 1981, atravessou seu Opala na pista, impedindo que a corrida começasse.

Bom! Eu não sou a pessoa indicada para contar estas histórias, para isso eu sugiro o Toninho de Souza, pessoa que vivenciou tudo isso no nosso automobilismo “romântico” e que no meu entendimento merecia um livro, para contar tudo que fez pelo automobilismo nacional (e ainda faz) e com direito a narrar todos os casos e causos do nosso rico esporte a motor.

Então, vamos aos fatos que me motivaram a escrever esta coluna, ou seja, tentar explicar as responsabilidades de cada oficial de competição que fica na Torre de Direção de Provas e se possível desmistificar um pouco a imagem de quem trabalha sério para que as corridas aconteçam com desportividade e segurança, mas que muitas vezes é criticado por pessoas que não sabem exatamente quais são as responsabilidades destes Oficiais.

 Antônio Carlos Avallone foi um dos grandes pilotos nos anos 60/70, além de construtor de carros de corrida.

Mas por que será que não deixaram o Avallone largar?  Apenas por falta de inscrição?  Será que ele não poderia ter largado, já que todos o conheciam e fazer a inscrição logo que terminasse a corrida?  Não!  Nenhum piloto pode participar de uma corrida sem antes ter se inscrito nela. Ao se inscrever numa prova o Piloto se compromete com os termos da prova e assume as responsabilidades inerentes ao concorrente oficial. Permitir que um piloto participe de uma competição sem a devida inscrição traria ao Diretor de Provas toda a responsabilidade sobre qualquer ato, fato ou ocorrência que envolva este piloto.

Vamos entender um pouco melhor: Como já dissemos nesta coluna, todas as provas tem os seus regulamentos desportivos e técnicos, sendo o desportivo que orienta e coloca todos os pilotos em igualdade para a competição e o regulamento técnico, que quando respeitado, deixa todos os carros nas mesmas condições de preparação para uma prova. Junto ao regulamento técnico, sempre haverá um artigo ou um anexo que cuidará exclusivamente da segurança do veículo ("santoantonio", cintos de segurança, bancos, extintores, etc.), e estes equipamentos devem ser vistoriados antes da primeira saída do carro para as pistas, ou seja, antes do primeiro treino livre.

Os regulamentos e adendos, também estabelecem regras e procedimentos a serem adotados dentro dos boxes durante todo o trabalho da equipe e principalmente sobre o formato e método de reabastecimento e armazenagem de combustível. Tudo isso é feito para diminuir ao máximo a possibilidade de acidentes tanto na pista quanto nos boxes, e na ocorrência destes, minimizar os riscos de lesões e fatalidade. Como já dissemos, estes procedimentos de segurança fazem parte dos regulamentos das provas e para termos certeza de que todos os pilotos o conhecem, eles devem começar suas atividades fazendo suas inscrições. Ao se inscrever, o Piloto assume que tem conhecimento de todos estes regulamentos e que é responsável por resguardar a aplicação do mesmo por sí próprio e por toda sua equipe.

Também é nas inscrições que os pilotos apresentam suas carteiras de pilotos para o Secretário (a) da Prova e este confere se ele está apto a participar da prova a qual está se inscrevendo (existe graduação de pilotos e categorias de carros).

 Carteira de Piloto CBA de Ayrton Senna em 1978.Piloto graduado de Kart (fonte Instituto Ayrton Senna)

O Secretário(a) da prova (que é um Oficial de Competição), é subordinado ao Diretor de Provas e deve encaminhar-lhe a relação completa dos inscritos antes do início de qualquer atividade de pista, pois se o Diretor permitir que alguém entre na pista sem a devida inscrição, ele estará trazendo para sí a responsabilidade sobre qualquer ato ou erro deste participante que possa comprometer algum outro participante ou a si próprio. Então, voltando ao Avallone, é completamente pertinente que o Diretor de Provas não permitisse que ele largasse para a corrida, já que o mesmo nem estava inscrito na prova. O fato dele ter se posicionado ao final do grid, induz a acreditar que ele realmente não tinha feito a inscrição. Não era raro naqueles tempos, pilotos que decidiam correr na última hora, muitos deles por conta de patrocínios pontuais que eram “fechados” no último momento e apenas para aquela única prova.

 Foto da montagem de um grid da Porsche Imperio Carrera Cup (site Porsche Cup)

Hoje em dia o procedimento é mais ou menos assim:

O Piloto faz a sua inscrição;

O Secretário de Provas envia ao diretor a relação dos pilotos  devidamente inscritos;

O Diretor entrega esta lista ao Fiscal da saída de Box que confere pelo número todos os carros que estão saindo;

O Fiscal também verifica durante a saída se o veículo passou pela vistoria previa de segurança (observando um selo que é colocado no para-brisas dos veículos vistoriados), além de verificar se o piloto está saindo para a pista com o cinto de segurança atado e a indumentária completa.

 Grid Pronto para volta de apresentação- (foto do site Porsche Cup)

Além dos fatos citados acima, o Diretor de Provas e o Diretor Medico de uma corrida tem o direito e o DEVER de não permitir a participação de qualquer piloto ou membro da equipe, em uma prova, caso seja identificado neste concorrente, falta de condição (física ou de segurança), que possam colocar em risco o evento como um todo e não apenas a corrida, para tanto, basta o Diretor ou o Médico encaminhar aos Comissários Desportivos relatório com os fatos identificados, que os Comissários imediatamente autorizarão a retirado do piloto ou concorrente do evento.

Se necessário for, o Diretor de Provas pode solicitar apoio das autoridades policiais para fazer cumprir esta determinação e dar continuidade na prova. Assim como o Diretor de Provas pode ser responsabilizado criminalmente sobre qualquer acidente que ocorra numa corrida, ele também tem o direito de fazer uso de força policial no intuito de evitar a possibilidade de um acidente.

 Fila antes da saída de box para algumas verificações (site Porsche Cup)

Durante toda minha carreira como Diretor de Provas já tive que impedir alguns pilotos de entrarem na pista, uma das ocorrências mais comuns é realmente a falta de inscrição ou falta apenas de algum documento para a inscrição, nestes casos, normalmente as coisas se resolvem rapidamente, e o piloto perde apenas um ou outro treino, também já tive que impedir pilotos com problemas físicos, com alguma parte do corpo quebrada e que para poder correr tirou o gesso ou o imobilizador, e também já tive casos de pilotos “alterados”, que nós não sabíamos o motivo, se era reação de algum remédio tomado ou se ele havia participado de alguma super festa no dia anterior, mas que visivelmente não tinha condições de participar de uma prova. Nestes 2 últimos casos, o Diretor de Provas sempre busca respaldo ao Médico responsável pela corrida.

 Acima imagens extraídas do filme Roberto Carlos a 300 KM/H em que o Avallone fazia o papel de um piloto italiano mal humorado... a primeira foto quando seu carro quebra na Curva do Sargento e a segunda ele chutando o próprio carro....

É isso!