A tecnologia dos motores flex Print
Written by Administrator   
Wednesday, 25 March 2015 13:21

Olá pessoal que acompanha o site dos Nobres do Grid,

 

Dando continuidade ao nosso tópico sobre motores de combustão interna e seus combustíveis, falarei este mês sobre a grande alternativa que foi o investimento da indústria automobilística em motores capazes de funcionar com mais de um combustível.

 

A falta de álcool no terceiro trimestre de 1989 não parecia ter afetado tanto a credibilidade dos motores que o utilizavam, tanto que nos anos seguintes a produção de carros a álcool continuou crescendo... e num ritmo espantoso. Em 1990, 1991, 1992 e 1993 foram vendidos 70.250, 129.139, 164.240, 227.289 veículos, respectivamente, segundo os relatórios da Anfavea. A partir daí, com a chegada do carro de 1-litro, começou a queda, com 119.203 carros a álcool produzidos em 1994. Foi apenas a partir de 1995 que as vendas despencaram.

 

O problema é que nesta equação, não se faz uma simples operação de 2+2=4. Os preços do petróleo e derivados oscila. A oferta também. Pior ainda é o caso do álcool, que depende da produção de cana de açúcar, da variação do preço não apenas do álcool, mas também do açúcar. Afinal, o produtor vai querer ganhar o máximo possível, o que pode provocar falta de combustível e elevação dos preços. O problema é que ou o motor funcionava com gasolina, ou o motor funcionava com álcool. Como não tinha jeito de fazer um carro com dois motores e dois tanques de combustível, era preciso encontrar uma solução.

 

Os engenheiros brasileiros foram buscar a solução no início do século XX. A “flexibilidade” de se abastecer o mesmo tanque com combustível de origem fóssil, de origem vegetal ou mistura dos dois foi feita por volta de 1910. Henry Ford e seu fantástico ‘Ford T’ – logo seguido por alguns concorrentes – passaram a usar um ou outro combustível (etanol à base de milho). Preço da gasolina caiu e a experiência, abandonada. Ainda nos EUA, a ideia voltou em 1991, com o uso do metanol (o combustível dos carros da Fórmula Indy) em pequenas frotas.

 

Gasolina x Álcool? Por que não fazê-los funcionar juntos?

 

Na década de 1980, tendo que enfrentar os altos preços dos derivados do petróleo, os países industrializados lançaram diversas iniciativas para promover o uso de combustíveis alternativos. Contudo, havia o desafio de convencer as montadoras a desenvolver veículos para combustíveis que ainda não existiam no mercado e, por outro lado, estimular a produção de combustíveis alternativos para um mercado consumidor que ainda não existia.

 

Surgiu, então, a ideia de se produzir um veículo com o motor à gasolina, mas que também pudesse consumir um combustível alternativo nas regiões onde o produto estivesse disponível. Estados Unidos, Europa e Japão investiram esforços de pesquisa na ideia, pensando inicialmente na mistura de 85% metanol e 15% de gasolina (M85) como o combustível alternativo de preferência.

 

Estimulado por uma legislação federal que dava incentivos para as montadoras que desenvolvem veículos para combustíveis alternativos. Em 1992, a General Motors nos EUA lançou nos EUA o sedan Lumina, primeiro veículo Flex produzido em escala industrial. Posteriormente, em 1995, se verificou que a substituição do metanol pelo etanol na mistura seria vantajosa sob diversos aspectos e a formulação 85% etanol e 15% de gasolina (E85) se consolidou como referência. Em seguida, no ano de 1996, a Ford lançou o Ford Taurus como seu primeiro carro flex de série, já com etanol.

 

O Sedan Lumina, da General Motors foi o primeiro carro fabricado para rodar com a mistura álcool/gasolina.

 

Apesar da tecnologia Flex não ter sido originalmente desenvolvida no Brasil, foi aqui que ela foi aperfeiçoada, permitiu o uso de 100% de etanol e ganhou popularidade, ultrapassando em vendas o mercado desses veículos nos EUA. Um dos fatores que contribuiu para isso foi a existência de uma ampla rede de abastecimento de etanol no país, enquanto a infraestrutura de distribuição do E85 nos EUA ainda é muito limitada.

 

O que tornou possível a criação do motor flex foi o advento do gerenciamento eletrônico do motor, um processo lento iniciado na segunda metade dos anos 1970 que se aperfeiçoaria e se consagraria dez anos depois. A formação da mistura ar-combustível não obedecia mais a princípios físicos do funcionamento do carburador, mas mediante um volume de combustível injetado segundo a determinação de um computador chamado módulo de controle eletrônico (ECM, a sigla em inglês).

 

Abastecendo o ECM de uma série de informações acerca do funcionamento do motor para calcular o combustível a ser injetado respeitando a relação ar-combustível ideal, ou relação estequiométrica, em que o combustível é aproveitado da melhor maneira possível por não haver falta nem excesso de ar, foi possível fazer o equilíbrio entre as partes para que o motor funcionasse. A relação estequiométrica da gasolina é de 14,7 partes de ar para 1 parte de combustível e escreve 14,7:1; a do etanol, 9:1, por este conter uma molécula de oxigênio (fórmula molecular C2H5OH; a da gasolina é C8H18).

 

O E85 foi a tentativa dos norte americanos de fazer uma mudança de hábitos por lá. Não funcionou tão bem.

 

Entre essas informações estão o quanto o acelerador está aberto, as rotações por minuto do motor (rpm), a pressão no coletor de admissão, a temperatura do ar que o motor admite e a do líquido arrefecedor, todas obtidas mediante sensores específicos. Ou seja, o desenvolvimento do sistema para o mercado brasileiro ultrapassou as exigências que o mercado norte americano.

 

Aqui no Brasil, depois da crise de escassez de etanol em 1989/90, a Bosch apresentou um Chevrolet Omega de 2 litros com a tecnologia flex, mas o sistema de reconhecimento de combustível era caro e lento. O projeto só avançou depois de quatro anos, ao se descobrir que a sonda lambda (sensor de oxigênio) servia bem para identificar e gerenciar o tipo de combustível. A Volkswagen decidiu apostar na tecnologia. Motores de 1 litro representavam quase 70% das vendas à época e, assim, a fábrica escolheu o de 1,6 litros por precaução. Como a Bosch fornecia sistemas de injeção para os motores VW de menor cilindrada, a Magnetti Marelli acabou por receber a primazia.

 

Para o motor flex, outro sensor precisou ser adicionado: o de tipo de combustível no tanque. Valendo-se da condutividade elétrica diferente da gasolina e do álcool, um ohmímetro estrategicamente colocado no interior do tanque passa o valor da resistência à passagem de corrente ao ECM, que desse modo passa a saber com que combustível está lidando.

 

Um dos grandes desafios do motor flex era fazer o motor "identificar" o combustível que nele estava chegando.

 

O sistema de identificação de combustível até então, tinha um problema que atormentava os engenheiros: era muito lento. O veículo chegava a andar um ou dois quilômetros “usando o combustível errado”, até que a relação ar-combustível fosse finalmente corrigida. Além do incômodo de o carro funcionar mal nesse ínterim, isso fazia aumentar as emissões pelo escapamento.

 

No começo dos anos 2000, a indústria de autopeças brasileira fornecedora da indústria automobilística, desenvolveu uma maneira mais eficaz de determinar o combustível que está no tanque. Aproveitando o mesmo sensor de oxigênio existente no escapamento, um item usado há praticamente duas décadas para informar ao ECM desvios na relação estequiométrica para que esta efetuasse a correção necessária, sua função foi ampliada para a circunstância nova de haver álcool no tanque também, não apenas gasolina.

 

A finalidade do sensor de oxigênio (que se localiza bem antes do catalisador) e que também é conhecido por sonda lambda (λ, a 11ª letra do alfabeto grego, utilizada para representar a relação estequiométrica, representado por λ = 1) é manter essa relação tanto com gasolina quanto com álcool. Desse modo, o sensor de oxigênio "lê" a mistura ar-combustível que está sendo queimada em função da maior ou menor presença de oxigênio, passa a informação ao ECM e este providencia o ajuste necessário. Tudo em poucos segundos.

 

O desenvolvimento do Módulo de Gerenciamento do Motor e ação do sensor de oxigênio otimizaram o processo.

 

Faz parte do sistema de identificação de combustível um sinal elétrico da bóia do medidor de combustível, informando ao ECM que houve variação do nível resultante de um reabastecimento, para que esse fique de sobreaviso sobre possível mudança de leitura do sensor de oxigênio. Esse processo serve para acelerar o processo de identificação e correção.

 

O primeiro carro flexível no Brasil foi o Volkswagen Gol Total Flex, lançado em março de 2003. De lá para cá a produção dessas versões flex aumentou vertiginosamente - hoje representam 86,2% das vendas de automóveis e comerciais leves no mercado interno. Em junho de 2007 as vendas totais já acumulavam 3,2 milhões de veículos flex, conforme os dados da Anfavea. Hoje dificilmente é possível comprar um carro nacional que não seja flex. O número de veículos bicombustíveis vendidos no Brasil ultrapassa a casa dos 90% da frota, apesar do apelo do motor flex ter diminuído quando o preço dos dois combustíveis se aproximou. A opção pelo etanol caiu drasticamente depois de 2009.

 

Quando foi reincentivado, o programa do álcool – já chamado de etanol – tinha como ferramenta de marketing o menor efeito poluidor do combustível de origem vegetal. Isso hoje ainda atrai poucos consumidores. Enquanto o governo patina na estratégia do uso do combustível renovável, o efeito se vê nas montadoras: A partida dos motores sem auxílio de gasolina em dias frios, por exemplo, só surgiu em produção seriada em 2011, e em alguns modelos. Hoje já mais comum.

 

Atualmente, mais de 90% das vendas de automóveis é com motores flex;

 

Graças ao novo regime automobilístico Inovar-Auto e seus objetivos de menor consumo de combustível haverá avanços até 2017. A meta compulsória é cortar o consumo médio da frota à venda de cada fabricante em 12,5% sobre 2012. A meta incentivada (até 2 pontos percentuais a menos de IPI) chega a quase 19%. Alcançar essa referência, equivalente à da Europa em 2015, obrigará a investir além dos motores.

 

Um grande passo – a injeção direta de combustível em motores flex – apresentou um potencial de corte de consumo em até 10%. Com uso eventual de turbocompressor, o ganho pode ser ainda maior com etanol. Significa que mesmo que o combustível vegetal custe 75% (talvez até 80%) do preço da gasolina, ainda será viável sua escolha na hora de abastecer. Hoje, a referência é de 70%.

 

A tecnologia não para de avançar e a busca, agora, é fazer o álcool render mais, produzindo mais energia no motor.

 

Apesar de toda esta “flexibilidade”, para quem faz uso do automóvel como ferramenta de trabalho – os taxistas – o valor do combustível na bomba em nosso país continua sendo um limitador de ganho e um elevador de tarifas. No final da década passada, um novo combustível entrou no leque de opções do motorista brasileiro: o gás natural veicular! Mas este é o assunto da nossa próxima coluna.

 

Muito axé pra todo mundo,

 

Maria da Graça


Last Updated ( Wednesday, 25 March 2015 15:00 )