Porquê a Toyota falha redondamente? Print
Written by Administrator   
Tuesday, 20 June 2017 20:23

Terminada mais uma edição das 24 Horas de Le Mans, quem assistiu a tudo, viu que pela terceira vez consecutiva, a Porsche venceu a prova, batendo a Toyota. E como sempre, o carro vencedor teve laivos de épico, pois o carro numero 2, guiado pela trinca Timo Bernhard (Alemanha), Earl Bamber e Brandan Hartley (ambos da Nova Zelândia) tiveram problemas graves no seu motor elétrico, fazendo com que ficassem cerca de uma hora e nove minutos para que fosse substituído. Quando voltaram à pista, eram últimos – atrás até do pior dos carros da classe GTE-AM! – começando a fazer uma corrida de recuperação, sem ter a certeza de que chegariam ao fim, ou, caso chegassem lá, conseguissem um lugar no pódio.

 

 

Alcançaram o primeiro classificado a duas horas do fim, depois do carro numero 1 ter tido problemas na pressão de óleo do seu carro, acabando por parar de vez. Contudo, esse problema aconteceu a quatro horas do fim, e até os apanhar, tivemos a chance de ver uma “zebra”, ou seja, um carro da LMP2, uma classe inferior, vencer a prova na geral!

 

 

Contudo, o grande acontecimento foi a desistência de dois dos três Toyotas, rivais da Porsche, a meio da corrida, quase um a seguir ao outro, e o grande atraso do terceiro carro, que demorou duas horas nas boxes para fazer as devidas reparações – teve problemas nos travões, entre outras coisas – e acabou na oitava posição da geral, muito longe do pódio.

 


 

E ainda por cima, apareceu depois da corrida uma potencial razão para a desistência do carros numero 7, que roça… o cómico. É que durante uma situação de banderias amarelas, durante a noite, o carro que era guiado por Kamui Kobayashi esperava para sair das boxes, na altura atrás do Safety Car, quando foi dado o sinal de saída por parte de – aparentemente – um dos comissários. Na realidade… não era. Era o francês Vincent Capillaire, da portuguesa Algarve Pro Racing, que deu um sinal de aprovação pela sua condução, mas como se vestia tão parecido com a de um comissário de pista, foi confundido como tal. Tudo isso fez sobrecarregar a sua embreagem, do qual cedeu poucas voltas depois… e poucos metros depois de ter cruzado a meta, o que obrigou a dar uma volta enorme do qual o carro não aguentou.

 

Tudo isto acontece um ano depois do épico falhanço dos carros da marca japonesa, que a cinco minutos do fim, ficaram sem motor na reta da meta, perante o mundo inteiro, quando estavam prestes a comemorar uma inédita vitória. E com o historial da Toyota em La Sarthe, que participa – com interrupções, é certo – desde os anos 80, interessa saber porque eles nunca chegaram ao lugar mais alto do pódio. Haverá mais do que uma mera “urucubaca” contra os carros japoneses?

 

 Depois de quase 10 horas de liderança tranquila, o sonho da Toyota começou a virar pesadelo.

 

Não necessariamente. E o problema que ambos os carros tiveram – diferentes, é certo – mas a sua duração para os resolver, mostra o tipo de carro que ambas as equipas têm, e de uma certa forma, o estilo de trabalho que uma equipa alemã e de uma equipa japonesa.

 

Recuo dezasseis anos no tempo. Em 2001, a Toyota anuncia que irá entrar na Formula 1. Aproveita a sua sede europeia, a TTE, em Colónia, montada no final dos anos 70 para os ralis, para construir e desenvolver os seus chassis. Tendo sido bem-sucedida nos ralis, aproveita alguma da estrutura para desenvolver o programa da Formula 1, pelo menos na fase inicial. Depois de um ano de testes, entraram em 2002 com Mika Salo de Allan McNish, conseguindo dois pontos nessa temporada de estreia. As coisas evoluem até 2005, altura em que contratam Jarno Trulli e Ralf Schumacher, bem como Mike Gascoyne, para seu projetista e diretor técnico.

 

Pouco depois de ver o líder da prova abandonar, foi a vez do "terceiro carro" da equipe ficar pelo caminho.

 

Gascoyne tenta dar maior impulso na equipa, que até então não tinha vencido corridas... e despedia pilotos de uma assustadora. Tinha tido, por exemplo, Cristiano da Matta, que ficou ano e meio da equipa, não conseguindo mais do que dois sextos lugares. E na verdade, foi essa a melhor temporada que a Toyota teve: cinco pódios (três com Trulli, dois com Ralf), uma pole-position em Indianápolis e outra em Suzuka, 88 pontos e o quarto lugar no campeonato de Construtores. Contudo, para lá chegar, o preço foi alto: falava-se de 400 milhões de dólares por temporada. Mais, até, que a Ferrari!

 

Só que Gascoyne foi embora no inicio de 2006 – tinha lá estado desde o inicio de 2004 – numa decisão que surpreendeu imensa gente no meio. Era sabida a legendária má fama de Gascoyne – uma pessoa complicada para trabalhar – mas ali até nem havia muitas razões de queixa. No final, a sua saída causou o declínio da equipa na Formula 1 e até abandonarem a competição, em 2009, apesar de terem conseguido treze pódios, três pole-positions e três voltas mais rápidas, nunca venceram um Grande Prémio. E fala-se que gastaram até 1,5 mil milhões de euros ao longo deste tempo.

 

O carro que mais tempo passou nos boxes foi o único entre os trÊs carros japoneses que cruzou a linha de chegada.

 

Esta saga da Toyota na Endurance fez-me lembrar dos seus tempos na Formula 1. E aquele problema do qual falei acima, também me faz pensar sobre o problema: será a cultura japonesa a responsável por todo este fracasso? É que lembrando bem dos insucessos da Honda na Formula 1 (não só agora, mas em 2007 e 2008, antes da sua saída intempestiva) faz pensar sobre se é isso o grande culpado destes fracassos todos. Ou se preferirem, da falta de pragmatismo na abordagem dos problemas.

 

Se foram ver bem o mesmo tipo de problema que teve o Porsche vencedor, eles demoraram uma hora para trocar o motor elétrico. E ao longo da transmissão, disseram que o carro da Toyota era demasiado complexo para os mecânicos poderem ir ao centro do problema e tentar resolvê-la. Ao longo da sua história, os japoneses são conhecidos por estudarem os outros, copiarem o que de melhor se fazia um pouco por todo o mundo, encontrarem soluções dentro deles e depois, serem bem sucedidos. É por isso que a Toyota se tornou no meior construtor de automóveis do mundo. Mas isso também os fez ficar imóveis, crendo no sucesso. Sentaram-se à sombra da bananeira.

 


Durante os anos em que esteve na F1, a Toyota tinha orçamento de time grande, mas retorno de tipe médio, se muito.

 

E isso, no automobilismo, é um erro que se paga caro. Quando recorrem a algo externo, é numa altura em que é quase tarde para mudar. Muitas das vezes, persistem no erro, são relutantes em pedir ajuda. No caso da Honda, em 2008, pediram ajuda a Ross Brawn para dar a volta à situação. E quando estavam prestes a fazê-lo, a Honda sai apressadamente de cena. E em 2017, oito anos depois, pediram ajuda a Mario Illien, o homem por trás da Ilmor (o outro engenheiro era Paul Morgan, morto num acidente aéreo em 2001), que ajudou a desenvolver os motores Mercedes para o topo, nos anos 90. Os resultados positivos poderão estar ao virar da esquina – há indícios nesse sentido – mas poderá ser já muito tarde para que a McLaren continue com eles. O divórcio poderá ser anunciado neste verão, e poderão voltar-se para a Mercedes, como cliente.

 

No final, mais do que mero azar, poderá ser uma questão de cultura. Ninguém ganha sempre, mas se existirem eternos perdedores, é porque não aprendem com os erros. Apesar da Toyota ser uma companhia que preza muito ajuda externa – vide o que está a acontecer no WRC, onde o controlo é feito pela equipa montada por Tommi Makkinen – o domínio japonês e a alguma relutância para a mudança de hábitos poderá ser, agora, um obstáculo do que um sucesso. O mundo evolui, é certo, mas no Japão, parece que as mudanças chegam mais tarde do que o habitual.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira