O piloto que pisou o risco. Print
Written by Administrator   
Wednesday, 23 September 2015 00:09

Imaginem um tipo muito veloz num carro sem patrocínios. Imaginem uma pessoa com a ambição de vencer as 500 Milhas de Indianápolis, batendo um recorde que pertencia a Michael Andretti e ser o "Rookie do Ano". E no final, acabar fugitivo e na prisão por quase 30 anos porque tinha levado para os Estados Unidos barcos cheios de... marijuana. E levar prisão perpétua porque o governo queria que fosse um exemplo de uma guerra que, nos dias de hoje, reconhece que não pode ganhar. A história de Randy Lanier merece um filme, tipicamente de uma década de 80 que hoje em dia, muitos gostariam de ter vivido. E só falta Hollywood fazer um filme sobre isso.

 

Randy Lanier, tal como John Paul Sr. e John Paul Jr, bem como Billy Whittington, são um grupo de pilotos e donos de equipa que para financiar as suas carreiras na velocidade, recorreram ao tráfico ilegal de marijuana e a barcos potentes para o fazer. Aliás, em meados dessa década, os entendidos costumavam chamar à popular IMSA - tinha Paul Newman como piloto, lembre-se - de "International Marijuana Smugglers Association". E é sobre toda esta gente que começo a falar hoje por aqui, pois por exemplo, no caso de Lanier, foi a história de um "underdog" que acabou terrivelmente mal.

 

Nascido a 22 de setembro de 1954 em Lynchburg, na Virginia, mudou-se para a Florida com os pais, aos 12 anos de idade, onde tentou acabar o liceu mas não conseguiu, porque foi apanhado com posse de uma grama de cannabis. Trabalhando na construção civil para ganhar a vida, tinha a paixão do automobilismo nas veias, Ele afirmava que na juventude, costumava ouvir os relatos das 500 Milhas de Indianápolis na rádio, esperando que um dia estivesse no circulo dos vencedores.

 

Em 1978, foi a uma exposição do Sports Car Club of America e depois de falar com alguns responsáveis, decidiu fazer uma carreira no automobilismo. Adquiriu um Porsche 356 Speedster e venceu na sua categoria em 1980. No ano seguinte, meteu-se na IMSA, correndo em Daytona ao lado de Dale Whittington, mas a sua grande chance apareceu no ano seguinte, quando foi convidado pela North American Racing Team (NART) para correr as 24 Horas de Daytona no lugar de um piloto doente, que era... uma mulher, Janet Guthrie. Apesar da corrida não ter corrido bem - terminou mais cedo por causa de um problema de transmissão - a sua performance foi mais do que suficiente para correr nas 24 Horas de Le Mans.

 

Randy Lanier destacou-se logo no início de sua carreira na IMSA, correndo em carros protótipos.

 

Falando sobre isso, anos depois, no site americano Jalopnik, afirmou sobre Le Mans: "Aquilo tudo era fantástico. Antes de entrar no carro, tive plena consciência da sua grandeza". Alinhando ao lado de Preston Henn e Denis Morin, só fizeram 43 voltas antes de abandonarem devido à falta de combustível. Por essa altura, já andava na IMSA, onde tinha um March 83G, conseguindo dois terceiros lugares em Mid-Ohio e em Mosport.

 

Em 1983 foi a Daytona, para conseguir o segundo lugar da geral, antes de conseguir resultados frustrantes em várias categorias na IMSA. Mas por esta altura, tinha a mente focada no automobilismo: "Disse à minha mulher que era isto que desejava fazer para o resto da sua vida", explicou. 

 

Foi em 1984 que Lanier realmente explodiu como piloto. Bill Whittington e o seu irmão Dale, ambos de Fort Lauderdale, na Florida, decidiram fazer a sua propria equipa, a Blue Thunder Racing Team, com dois March e a ajuda do engenheiro Keith Leyton, decidiram fazer os carros os melhores do pelotão, independentemente dos custos. Os carros eram preparados por Ryan Falconer, que reconstruia os motores no final de cada corrida, mas havia mais um detalhe: os carros não tinham qualquer patrocinio e não eram apoiados pela fábrica. E a temporada foi impressionante: seis vitórias, onze pódios e o campeonato, com 189 pontos. Era a história da Cinderella, o "underdog" que os americanos tanto adoram.

 

Sua performance levou-o para a disputa das 24 horas de Le Mans, ao lado Preston Henn (de vermelho) e Denis Morin.

 

Mas havia um lado obscuro. Lembram-se da acusação de posse de droga aos 16 anos? Pois bem, Lanier não parou por ali. Enquanto trabalhava na construção civil, também fazia negócios nessa área, ao ponto de aos 20 anos de idade, poder ter um barco veloz de 18 mil dólares para uso pessoal. Contudo, um amigo seu sugeriu que poderia aproveitar para montar um negócio de aluguer de barcos e aproveitar para ir às Bahamas e trazer carregamentos de cannabis para território americano. Para isso se juntou a Ben Kramer, piloto de barcos "offshore", e juntos já levavam carregamentos de cannabis em barcos de 21 metros não só das Bahamas, mas também da Colombia. O que não se sabia era que Kramer era sobrinho-neto de Meyer Lansky, um dos patrões da Máfia, que tinha lucrado com o jogo e a prostituição na Cuba pré-castrista e na Florida.

 

Para piorar as coisas, as pessoas começaram a desconfiar da Blue Thunder, uma equipa sem patrocinio, numa categoria onde, para seres campeão, tinhas de gastar pelo menos 750 mil dólares em dois carros, mecânicos, engenheiros e preparadores, entre outros. Lanier afirmava que a sua fonte de rendimento era a tal firma de aluguer de barcos, mas já nessa altura, fazia as viagens até às Bahamas e na viagem de regresso trazia nos seus porões aquele tabaco que ri...

 

Decidido a fazer história, Randy Lanier tentou participar das 500 Milhas de Indianápolis.

 

Em 1985, decide mudar de ares e ir atrás do sonho: vencer as 500 Milhas de Indianápolis. Consegue uma vaga na Arciero Racing, que corria com um Lola T900, e começa a fazer a adaptação aos monolugares. "Queria vencer as 500 Milhas de Indianápolis. Aquele era o meu objetivo. Não existe nada comparável naquela competição no mundo".

 

Contudo, em 1985, os comissários da Indy vetaram a participação de Lanier citando a sua "falta de experiência em monolugares", o que seria algo irónico para alguém que tinha sido o campeão da IMSA no ano anterior... O resto da temporada não foi fácil, com vários abandonos e sem pontuar. No ano seguinte, a Arciero arranjou um March 86C, projetado por um jovem Adrian Newey, e os resultados de Lanier melhoraram bastante, especialmente nas 500 Milhas de Indianápolis. Ali, mostrou toda a sua velocidade e colocou o seu carro num impressionante décimo lugar, batendo o recorde de média para um "rookie", de 209,964 milhas por hora, batendo um recorde obtido dois anos antes por Michael Andretti. A corrida foi sem surpresas, acabando no nono posto final.

 

Hábil nas pista e também nos negócios, Randy Lanier estabeleceu um negócio - digamos - pouco convencional.

 

A partir dali, ainda correria mais algumas provas, sendo o seu melhor resultado um sexto lugar em Meadowlands, enquanto que a sua última corrida, em Michigan, acabaria com um acidente devido a um pneu rebentado e uma perna partida.

 

Mas por essa altura, a DEA (Drugs Enforcement Administration) já estava a cercar Lanier, o seu parceiro e os irmãos Whittington. Na semana em que Lanier corria em Indianápolis, Don Whittington tinha sido detido pelo FBI e as investigações começavam a rondar em Lanier. Por essa altura, após mais um carregamento, ele decidiu que iria abandonar a operação enquanto era tempo, mas no verão de 1986, um traficante foi preso no sul do estado do Illinois, após ter sido abordado por uma patrulha, quando pedia ajuda para rebocar o seu carro avariado. Mais detenções foram feitas, uma delas a de Ronald Harris Ball, cunhado de Lanier.   

 

E foi nessa altura que ele achou que o cerco se apertava nele. E com razão: em outubro de 1986, Lanier, Don e Bill Whittington foram indicados de tráfico, fraude e lavagem de dinheiro. Todos eles eram acusados de trazerem para os estados Unidos cerca de 300 toneladas de marijuana, no valor de 73 milhões de dólares. Levados a julgamento, a sentença apareceu em janeiro do ano seguinte, com os Whittington a serem sentenciados a 15 anos de prisão cada um. Contudo, antes de conhecer a sentença... Lanier fugiu.

 

Pai de um casal de filhos, Randy Laier pagou alto o preço de fazer algo fora da lei nos Estados Unidos.

 

Por mais de ano e meio, Lanier fugiu à justiça, indo primeiro para França, e depois escondeu-se em Monte Carlo por uns tempos, até ir para Antigua, nas Caraíbas, onde tinha propriedades. Contudo, o braço longo da lei o apanhou a 26 de outubro de 1987, quando ele pescava no seu barco. Colocado num avião para Porto Rico, o FBI apanhou-o. E os juizes não foram brandos: a 4 de outubro de 1988, Lanier e Kramer receberam sentenças de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.

 

A sentença, bem dura naquele tempo, fazia parte de uma série de leis aprovadas naquele tempo para endurecer o crime de tráfico de droga, fosse ele cocaína ou marijuana. A "Continuing Criminal Enterprise Law" servia especialmente para aqueles que se recusavam a cumprir a lei, daí ter recebido uma sentença bem dura.

 

Preston Henn tem uma loja de carros e faz trocas e negócios, como colecionador em Fort Lauderdale, Flórida.

 

Durante esse tempo, esteve em prisões como Leavenworth ou o Oxford Correctional Institution, no Wisconsin. Chegou a casar-se uma segunda vez, em 1990, mas o casamento durou pouco tempo. Pensava-se que ficaria por ali até ao resto dos seus dias, mas em outubro de 2014, de uma forma surpreendente, teve direito à liberdade condicional. E é um mistério, porque a moção que concedeu essa liberdade condicional está em segredo de justiça, o que é pouco habitual nestes casos.

 

Contudo há uma explicação para isso: o sistema prisional americano está a rebentar pelas costuras e tem a maior população carcerária do mundo, com mais de três milhões de pessoas. Isso significa que um em cada cem pessoas estão por trás das grades, e muitas das leis repressivas dos anos 80 e 90 não tiveram o efeito dissuasor que pretendia, logo, algumas dessas leis foram revogadas e substituídas por outras mais brandas. Para além disso, a opinião pública está a mudar a sua percepção sobre as drogas leves: mais de vinte estados permitem marijuana para efeitos medicinais e em quatro deles - Colorado, Alaska, Oregon e Washington - legalizaram a marijuana para efeitos recreativos, criando nova fonte de impostos e reduzindo significativamente os crimes relacionados com o tráfico.

 

Randy Lanier foi agraciado com a liberdade condicional em 2014, com o abrandamento das leis sobre drogas.

 

Após a sua libertação, foi à praia para sentir de novo a água nos seus pés e afirmou: "Está tudo a correr bem. É como voltar a apaixonar de novo". Não é um homem amargurado, bem pelo contrário, e está a viver numa casa onde possa ser localizado pelas autoridades federais por três anos, onde não poderá ficar perto de drogas, alcool e armas. Apesar dos seus 60 anos, quer voltar a estar junto dos carros, a sua paixão, e é o que está a fazer, ao trabalhar na coleção de automóveis de Preston Henn, em Fort Lauderdale, na Florida. Henn tinha sido o seu companheiro na sua unica aventura em Le Mans, 33 anos antes.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira


Last Updated ( Wednesday, 23 September 2015 00:54 )