Höttinger e Bürger: Talentos perdidos. Print
Written by Administrator   
Wednesday, 22 April 2015 21:46

O automobilismo foi sempre perigoso e ao longo da história, teve os seus mártires, pilotos que deram a sua vida a fazerem aquilo que mais gostavam. Mas no meio de muitos desses pilotos que morreram, há um grupo de pilotos que deixaram o seu potencial nas categorias de acesso, mas a morte os impediu de ter a oportunidade que mereciam de se mostrar na Formula 1. Há alguns exemplos conhecidos, como os de Stefan Belllof ou de Roger Williamson, mas há outros menos conhecidos como os do francês Daniel Dayan, que morreu numa prova de Formula 2 em Rouen, em 1970, ou do escocês Gerry Birrell, morto no mesmo local e também numa prova de Formula 2, mas três anos depois.

 

Contudo, a temporada de 1980 de Formula 2 ficou na história como sendo uma das mais mortíferas de sempre, devido às mortes de dois pilotos, um austríaco e outro alemão. Ambos pilotos ajudados pela BMW no inicio das suas carreiras, e sendo contemporâneos de pilotos como Marc Surer, Manfred Winkelhock e Stefan Bellof, hoje em dia andam um pouco esquecidos. Trinta e cinco anos depois das suas mortes, é tempo de recordar - ou então contar - a história destes dois pilotos: Markus Höttinger e Hans-Georg Bürger.

 

O mais velho destes dois é Bürger. Nascido a 1 de abril de 1952, na localidade alemã de Trier, perto da fronteira francesa, Bürger começou tarde no automobilismo, aos 23 anos. Em 1976, começou a correr no campeonato alemão de... slalom, onde foi campeão em 1976, para no ano seguinte passar para a Renault 5 Cup, onde acabou por ser segundo classificado, com três vitórias. A partir dali, a sua ascenção foi veloz: em 1978, foi para a Formula 3 alemã, onde pela Bertrand Schaefer Racing acabou como vice-campeão, e despertou o interesse da BMW, que o convidou para correr no campeonato alemão de turismos, em 1979.

 

 

Por essa altura, Bürger cruzou-se e fez amizade com outro piloto: Markus Höttinger. Nascido a 28 de maio de 1956 em Neunkirchen, na Áustria, começou a correr em 1977 na Renault 5 Cup local, onde foi topado por Helmut Marko, que por essa altura já tinha sido "manager" de pilotos como Helmut Koinigg.

 

No ano seguinte, Marko tinha convidado Höttinger para a BMW, onde correu na equipa de jovens talentos da BMW, que anteriormente tinha acolhido pilotos como Marc Surer, Manfred Winkelhock e Eddie Cheever. Em 1978, Höttinger correu no campeonato alemão de Turismos, onde acabou no quarto lugar da classificação, e nas Nove Horas de Kyalami ao lado de Cheever, sem acabar a corrida.

 

Bürger era um piloto que andava bem tanto em monopostos como em carros de turismo.

 

Em 1979, Höttinger conheceu Bürger e rapidamente fizeram amizade, enquanto competiam pela BMW no campeonato. Contudo, o talento do austriaco já era suficientemente bom para que tivesse uma temporada na Formula 2, ao serviço da Bob Sailsbury Team, que andava com um March-BMW. Apenas fez quatro corridas nessa temporada de inicio na Formula 2, mas em três delas, terminou na sétima posição.

 

Também nesse ano, Höttinger correu na Procar Series, uma série de provas que aconteciam nos fins de semana dos Grandes Prémios, onde os pilotos andavam com o modelo M1. Ali, começou a dar nas vistas, quando andou na frente do seu compatriota Niki Lauda em Zolder, antes de abandonar. No Mónaco, foi sexto e em Silverstone, foi o terceiro, impressionando quem podia pelo seu talento. Mas Höttinger fez mais, ao ser segundo classificado em Zeltweg, o seu circuito natal,e terceiro na ronda final do campeonato, em Monza.

 

Höttinger chamou atenção correndo em provas preliminares da F1, andando na frente de seu compatriota, Niki Lauda.

 

Por essa altura, Bürger estava no alemão de Turismos, onde conseguiu alguns resultados relevantes, como um sexto lugar nos 1000 km de Nurburgring - mas vitória na classe de Grupo 5, com um BMW 320, e tendo como co-piloto o seu compatriota Eckard Schimpf.

 

No final do ano, Höttinger e Bürger correram por uma vez juntos, quando Helmut Marko os juntou para irem correr nas Nove Horas de Kyalami, a bordo de um BMW 320 de Grupo 5. Contudo, não chegaram ao fim da corrida.

 

Em 1980, ambos os pilotos apostaram forte na Formula 2. Höttinger iria para a Maurer, uma das melhores equipas do pelotão, que tinha motores BMW na altura (seria a equipa que iria acolher Stefan Bellof dois anos mais tarde), e as expectativas para o austríaco eram altas. Já Bürger tinha um chassis Tiga, também com um motor BMW, ajudado pela fábrica, mas as suas ambições eram mais modestas.

 

Versátil, Bürger foi destaque no Campeonato Alemão de Turismo.

 

Havia altas expectativas para Höttinger. Aos 23 anos de idade, e apoiado pela marca de cervejas Mampe, corriam fortes rumores de que poderia se estrear na Formula 1 no GP da Austria, que iria acontecer em agosto daquele ano, mas não se sabia em que equipa. Contudo, na primeira corrida do ano, em Thruxton, a prova de Höttinger só durou uma volta, devido a problemas de motor.

 

A segunda corrida da temporada era em Hockenheim, mais concretamente o Memorial Jim Clark, que se realizou a 13 de abril. Höttinger conhecia bem o circuito e aproveitou a potência do Maurer-BMW para ficar bem classificado na grelha, no sexto posto. À sua frente estavam pilotos como o italiano Andrea de Cesaris, o alemão Manfred Winkelhock, o britânico Derek Warwick e o neozelandês Mike Thackwell, todos eles tiveram depois carreiras mais ou menos vistosas na Formula 1.

 

A corrida começou com Winkelhock a liderar a corrida, com De Cesaris a pressioná-lo, no seu carro da Project Four, de Ron Dennis. Höttinger era quinto, atrás de Warwick e Thackwell, e as coisas começaram a complicar-se na terceira volta, quando o carro de Winkelhock começou a perder óleo, e De Cesaris tentou ultrapassá-lo. Contudo, a ultrapassagem foi mal calculada e ambos bateram no final da reta da meta, dando o comando a Warwick. 

 

Em 1979, Höttinger foi um dos destaques e conseguiu um lugar em uma equipe para disputar o título no ano seguinte.

 

Na volta seguinte, no mesmo local, Thackwell atacou a liderança de Warwick, com Höttinger a observar à distância. Mas o local estava escorregadio devido ao óleo largado pelo carro de Winkelhock, e quando o neozelandês passou o Toleman do britânico, escorregou no óleo e deitou areia para a pista. Warwick perdeu o controle do seu carro e quando tentava colocá-lo na pista, perdeu o controle e bateu forte nas barreiras de proteção, arrancando uma das rodas traseiras. Este foi parar no meio das pista, precisamente no momento em que passava Höttinger, atingindo-o em cheio. Fora de controlo, o carro bateu nos rails de proteção e ainda atingiu o March de Bernard Devayney. Em termos de comparação, o acidente de Höttinger faz lembar outro acidente fatal, o de Henry Surtees, em 2009, também numa prova de Formula 2. 

 

Por incrivel que pareça, a corrida não foi imediatamente interrompida, mas Höttinger foi socorrido de imediato pelas equipas médicas no local. Conseguiram estabilizá-lo, e quando se decidiu que teria de ser evacuado de helicóptero, a corrida foi interrompida na volta 27 (iria acabar três voltas depois) para que o helicóptero pudesse aterrar no meio da pista e transportá-lo para o hospital universitário de Heidelberg, mas depois de várias tentativas de reanimação, foi declarado morto à chegada. Tinha 23 anos de idade.

 

A BMW decidiu apostar em Höttinger para a temporada seguinte de Formula 2 de 80

 

O seu lugar na Maurer foi imediatamente ocupado por outro austriaco, Jo Gartner (que também chegaria à Formula 1 e teria um fim trágico nas 24 Horas de Le Mans de 1986), enquanto que Hans-Georg Bürger continuava a guiar na Formula 2. Bürger tinha conseguido um oitavo lugar em Thuxton, mas depois, não conseguiu chegar ao fim no resto das corridas, até ao fim de semana de 22 de julho, quando a Formula 2 corria em Zandvoort.

 

Nesse fim de semana, Bürger até teve uma boa qualificação, sendo sexto classificado na grelha de partida, mas nos treinos de sábado, sofreu uma ligeira saída de pista, onde danificou o seu nariz. Os mecânicos trocaram-no e ajustaram a suspensão dianteira, mas ele só pôde testar o carro no "warmup" para a corrida, onde esperava fazer um bom resultado.

 

Quando ele saiu de pista, fez duas voltas lentas para ver o estado do seu carro, antes de fazer uma sequência de voltas mais rápidas. Na segunda volta rápida, cerca das 13:30, Bürger perdeu o controle do seu carro na veloz curva Scheivlak, a mais de 200 km/hora, batendo fortemente com o seu carro no guard-rail. No embate, ele embateu a sua cabeça contra um poste e o seu capacete Simpson Bandit ficou partido em dois, causando um grave traumatismo crâneo-encefálico no piloto alemão. O primeiro a chegar foi o italiano Beppe Gabbani, que aferiu imediatamente a gravidade da situação. Transportado de imediato para o hospital de Amesterdão, foi colocado em cuidados intensivos, resistindo aos ferimentos por mais dois dias, até sucumbir aos seus ferimentos a 22 de julho. Tinha 28 anos, deixava mulher e um filho de nove meses.

 

Bürber, na sua última corrida, na Fórmula 2, em Zandvoort.

 

Hoje em dia, Bürger está sepultado em Trier, enquanto que a campa de Höttinger está em Einsenstadt, na sua Austria natal. As histórias das suas curtas carreiras, bem como o seu trágico final, demonstram que a morte e o perigo sempre rondou o automobilismo, mesmo no caminho para a Formula 1. É certo que Höttinger poderia inevitavelmente chegar à categoria máxima - falava-se que o anuncio oficial iria acontecer no dia seguinte à sua morte... - mas apesar do destino não ter deixado, conhecendo a história dos pilotos austriacos, nas décadas de 70 e 80, mais uma história polvilhada de glória e morte, deixando um sabor amargo em todos os que conviveram com ele. E a mesma coisa em relação a Bürger, que mesmo que tivesse menos chances de chegar ao topo do automobilismo, é mais um caso de um talento perdido precocemente.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira