
Na temporada passada, a Fórmula E sediou quatro novos locais em seu calendário do Campeonato Mundial – três deles consecutivos! Em 2024, o campeonato visitou três novos locais, incluindo Tóquio, Misano e Xangai, sendo que alguns desses E-Prix foram sediados em pistas que já existem (o que não é muito comum na categoria), mas outros, como a etapa japonesa, serão criados a partir de uma tela em branco. Para 2025, Misano sai do calendário para a entrada de Jakarta, na Indonésia, um novo país a ser visitado pela categoria. Desde sua primeira corrida em 2014, a Fórmula E é conhecida por mudar alguns paradigmas e fazer as coisas de forma um pouco diferente – e isso também é verdade para o design de sua pista. Com a volta do início da temporada para o mês de dezembro, a Fórmula E está visitando o Brasil (duas vezes em um ano separadas por 9 meses) pela segunda vez 2024, agora em dezembro, no mesmo circuito onde correu em março, na Etapa 4 de sua 10ª temporada. Agora a etapa brasileira abrirá a temporada 11. Neste ano teremos a entrada do circuito de Miami, nos Estados Unidos, em lugar de Portland a realização da etapa de Shanghai agora com direito a rodada dupla e a chegada de Jakarta, na Indonésia (antes que a cidade afunde, o que está acontecendo). Mas como essas novas pistas são criadas? Fomos buscar os responsáveis pela construção e saber não só sobre o que foi feito para São Paulo, mas também conhecer os parâmetros que permitem uma cidade receber uma etapa da Fórmula E, como são feitas as análises e considerações para definir onde e como montar um traçado e, principalmente, como são estudadas e projetadas as medidas de segurança para a realização dos treinos e corridas. Aqui está um guia passo a passo sobre como tudo funciona. Em que tipo de circuitos a Fórmula E corre? Ao contrário de outros campeonatos baseados em circuitos, a grande maioria das pistas visitadas pela Fórmula E são temporárias, em vez de permanentes, construídas no coração de algumas das principais cidades do mundo. Eles são construídos e homologados na véspera do evento graças a uma colaboração próxima entre a FIA, Fórmula E, a Autoridade Esportiva Nacional (ASN, que no Brasil é a Confederação Brasileira de Automobilismo – CBA) e o promotor local, que aqui é a própria cidade de São Paulo através da SPTuris. Oliver McCrudden é o Diretor de Desenvolvimento da Cidade na Fórmula E, que gerencia relacionamentos com uma cidade para esta fase inicial. Não tivemos a oportunidade de conversar com ele, uma vez que ele não veio à São Paulo neste evento, mas conversamos com Benoit Dupont, que foi o responsável pela supervisão da montagem do circuito – papel normalmente desempenhado por Scot Elkins – e que, assim como Elkins, assume a função de Diretor de Corrida no evento. NdG: Como uma cidade consegue junto à Fórmula E conquistar o direito a realizar uma corrida? Benoit Dupont: É um processo em várias etapas. Ambos os lados têm uma ideia clara de como querem que seja o futuro, mas antes de tudo precisam ter certeza de que estão com alguém que compartilha a mesma visão. Quando este diálogo é estabelecido, é estabelecida uma comunicação aberta, envolvendo colaboração, compreensão e compromisso. Com todas essas qualidades, vitais para um relacionamento pessoal bem-sucedido, vamos verificar a viabilidade técnica para instalar um traçado que atenda ao evento e que atenda à cidade que quer recebe-lo. Este é um processo que se aplica em grande escala em nosso mundo e estabelecem as bases para uma parceria forte e frutífera. NdG: Vamos pegar o caso de São Paulo. O interesse da cidade era antigo, mas as coisas não conseguiam chegar a um lugar comum até 2023, quando realizamos a primeira corrida. Como é a sequência de fatos desde o início das conversas até chegarmos a entrada no calendário? Benoit Dupont: É um processo em etapas. Para ingressar na categoria, conquistando uma vaga no calendário, as coisas têm início, geralmente, cerca de 18 meses antes da corrida projetada, quando uma expressão de interesse de um representante da Cidade-Sede é registrada com o promotor do campeonato Fórmula E. Um projetista de pista é então nomeado para redigir uma proposta de circuito, aqui em São Paulo o local apresentado foi esta região do Sambódromo e do parque do Anhembi, que já havia recebido a Fórmula Indy em anos anteriores com sucesso. Essa proposta é apresentada e posteriormente revisada pela Fórmula E por meio de um estudo de viabilidade – levando em consideração as pré-condições descritas no Apêndice O do Código Esportivo Internacional da FIA, o grau de trabalho civil necessário e o posicionamento das principais estruturas. Os contratos são trocados quando todas as entregas são claramente compreendidas. NdG: Estabelecidas as bases e acordadas as partes, quando é feita a primeira visita técnica? Benoit Dupont: Esta visita já é feita na primeira parte do processo. Nove meses antes do evento, a ASN (no caso a CBA) envia uma solicitação formal de homologação ao Departamento de Segurança da FIA, que por sua vez nomeia um Inspetor de Circuito da FIA e conduz simulações com base no desenho fornecido pelo projetista (no caso aqui no Brasil o Sr. Luis Ernesto Morales) para validar os vários recursos de segurança do circuito – de barreiras a áreas de escape – enquanto sugere quaisquer alterações necessárias. A Comissão de Circuitos da FIA – uma organização composta por especialistas em segurança de circuitos de ASNs ao redor do mundo e da qual o Sr. Morales faz parte – avalia ainda mais o documento produzido pelo Departamento de Segurança e, com quatro meses restantes até o apagamento das luzes, o Inspetor de Circuito oficial da FIA, especialistas da FIA e a equipe da Fórmula E visitam o local para aprovar o layout do circuito e todas as estruturas periféricas, incluindo locais de garagens de boxes, controle de corrida, centro médico e demais estruturas que o evento requer. O próximo passo é definir o plano de segurança do evento em conjunto com a ASN (CBA), calculando o número de fiscais e bombeiros necessários para potenciais situações de recuperação. O Brasil já possui uma expertise muito grande neste sentido com a Fórmula 1 sendo realizada há mais de 50 anos e no ano passado voltou a receber o Campeonato Mundial de Endurance. O Departamento Técnico da FIA então realiza simulações com o layout do circuito mais recente cerca de um mês e meio antes do E-Prix para determinar a duração da corrida; caso não haja zonas de frenagem suficientes para regeneração de energia, modificações adicionais podem ser solicitadas. NdG: A categoria teve uma evolução no carro, que o deixou mais rápido em termos de recuperação de velocidade, terá tração integral e recebeu pneus mais evoluídos, que poderão proporcionar mais velocidade em curvas. A pista que foi projetada e teve sua montagem iniciada pode ser alterada durante um fim de semana de corrida? Benoit Dupont: Na manhã de quinta-feira do fim de semana de corrida, uma caminhada pela pista é realizada com todas as partes interessadas relevantes – o Diretor de Corrida da FIA (eu, no caso), o Piloto do Safety Car, o Delegado Esportivo e o Delegado de e-Safety, bem como os construtores do circuito e a equipe da Fórmula E – para garantir que todos estejam familiarizados com o layout e permitir quaisquer correções de última hora. Aqui, no caso, eu preciso apresentar um relatório de inspeção exaustivo e, desde que todos os critérios sejam atendidos, pedindo a liberação da licença do circuito ao Presidente da Comissão de Circuitos da FIA e esta precisa ser aprovada por ele e pelo Presidente da FIA antes do Shakedown. Só então as ações de pista poderão ocorrer. Com relação às mudanças dos carros e sua performance, todos os aspectos são analisados para serem definidas se haverá necessidade de alguma alteração de layout, seja com introdução de chicanes, afastamento de muretas ou de aumento de barreiras de proteção. Quando o circuito é aprovado estes aspectos já foram considerados. NdG: Quando o calendário é definido, as equipes são informadas e, no caso antes de uma etapa, elas recebem algum tipo de “pacote de informações” para começar seus preparativos pré-corrida? Benoit Dupont: Este é um aspecto interessante na filosofia de trabalho da categoria. Depois que o layout final é validado por todas as partes, o Departamento Esportivo da FIA o compartilha, cerca de um mês antes do evento, o que as equipes do campeonato encontrarão chegando no local da corrida. Isso permite que elas façam seus próprios preparativos para o simulador e têm a oportunidade de relatar quaisquer preocupações significativas. Caso não tenhamos visto algo (algo pouco provável, mas que pode acontecer), temos tempo hábil para fazer alguma alteração. Duas semanas antes da corrida e supervisionada pela Fórmula E, a construção da pista começa, com especialistas da FIA se juntando para a fase final para assinar os recursos de segurança do circuito e efetuar quaisquer mudanças práticas de última hora, como adicionar barreiras de segurança ou modificar o acesso do veículo de recuperação. NdG: A corrida foi disputada, tudo funcionou a contento e estão todos felizes. O que acontece com o circuito após a corrida? Benoit Dupont: Todas as pistas passam por um processo de revisão, normalmente feito algum tempo depois, meses depois na verdade. Formamos um grupo de revisão composto por membros da FIA, Fórmula E também três representantes de pilotos e discutimos possíveis melhorias no circuito para edições futuras. A Fórmula E é única no mundo do automobilismo em corridas predominantemente em pistas temporárias no centro da cidade e isso exige uma abordagem completamente diferente para a construção e aprovação da pista, que ocorre em um espaço de tempo comparativamente curto. É um processo que pode parecer longo e complexo, mas é vital para garantir que o campeonato proporcione corridas emocionantes e seguras. Nota NdG: Durante a corrida tivemos um grave acidente no final da prova. O acidente aconteceu entre o atual campeão da categoria, Pascal Weherlein e Nick Cassidy nas últimas voltas da corrida, acionando a segunda bandeira vermelha da etapa. Pascal Wehrlein foi tocado pelo piloto da Jaguar, com seu carro sendo catapultado, jogado contra o muro e terminando de rodas para o ar, apoiado pelo ‘santantônio’, pelo halo e tendo deslizado por alguns metros nessa condição. As equipes de resgate se aproximaram, mas só tocaram o carro quando as luzes indicativas sobre segurança estavam verdes (isso é assunto para uma próxima oportunidade). Quando foi possível, Pascal Wehrlein soltou-se do cinto de segurança e saiu do carro sozinho, foi levado ao centro médico e lá constatou-se que ele estava sem danos físicos. Enquanto isso, e a equipe de resgate desvirou o carro para este ser retirado e a corrida reiniciada. Uma grande demonstração da eficiência da montagem do traçado no Anhembi/Sambódromo.
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