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A “crise” da falta de ultrapassagens na Fórmula 1 PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Friday, 01 April 2011 07:32

 

 

Volta e meia, pra falar a verdade, logo depois de assistirmos uma corrida que consideramos ruim, surge uma reclamação aqui e acolá de que a F1 não tem mais ultrapassagens como tinha no passado. E volta e meia essas reclamações geram novas e novas idéias e eternas discussões entre público, jornalistas, dirigentes e por fim pilotos e equipes.

 

O resultado é que constantemente temos regulamentos revisados, carros modificados, pistas alteradas. Mas mesmo após nova rodada de alterações o resultado final que temos é que ao final de uma corrida monótona o mantra “a F1 não tem mais ultrapassagens” volta a baila.O objetivo desse texto não é apresentar uma fórmula mágica que irá resolver o problema de falta de ultrapassagens. Até porque se eu soubesse a fórmula para isso, venderia bastante caro para o senhor Bernie Ecclestone.

 

O objetivo desse texto é questionar se realmente há uma crise, comparar o cenário atual com o cenário do passado e apontar alguns erros de julgamento sobre o cenário atual da F1. Vai ficar um pouco extenso, mas vamos lá? 

 

Entendendo o problema: Temos mesmo uma crise de falta de ultrapassagens?

 

A pergunta que deve ser feita é: você como espectador, espera quantas manobras de ultrapassagens numa corrida de F1? Essa é uma pergunta extremamente válida, pois no fim das contas é a relação entre a sua expectativa e aquilo que de fato acontece que determinará sua opinião sobre a corrida. 

 

                                                      Disputas de posição são frequentes e banais na IRL. Seria bom para a F1 ter disputas assim?

 

Um ponto a ser pensado é que o público que acompanha a F1 hoje é bastante diferente do público que acompanhou a F1 nos anos 1970, 1980 por exemplo. O automobilismo como um todo tornou-se uma prática com maior audiência. As corridas de outras categorias como Stock Car, Fórmula Indy, Fórmula Truck ou NASCAR também podem ser assistidas pelo espectador da F1 atual. Essas categorias possuem ultrapassagens mais corriqueiras do que na F1. Tomemos a NASCAR ou a IRL como exemplo e vemos que as disputas de posição são corriqueiras, quase num nível banal. Mesmo que de modo inconsciente, o espectador pode comparar a quantidade de ultrapassagens de uma dessas categorias e comparar com a F1.

 

Outro ponto a ser pensado: a F1 nunca foi um cenário de ultrapassagens fáceis. Fosse assim, não teríamos disputas tão acirradas como por exemplo Villeneuve x Arnoux em Dijon 1979, Jones x Prost em Hockenheim 1981, Senna x Mansell em Jerez 1986, Senna x Piquet em Hungaroring 1986. Será que um cenário de ultrapassagens corriqueiras como é na NASCAR ou na StockCar ou IRL seria tão interessante assim? 

 

                                                                                                    Villeneuve x Arnoux. Disputa acirrada e histórica em 1981.

 

Para desmistificar um pouco essa questão da falta de ultrapassagens na F1 atual, as estatísticas da temporada 2010 apontam que essa foi a temporada com maior número de ultrapassagens desde a longínqua temporada de 1991 (ao longo da temporada passada, Fernando Alonso, Felipe Massa, Michael Schumacher e Lewis Hamilton fizeram cada um mais de 30 ultrapassagens). Ainda assim, logo após algumas corridas o que se viu foi um festival de críticas, até clamando por mudanças imediatas de regulamento. É bem verdade que o índice de ultrapassagens não é tão grande quanto eram os índices dos anos 1970 ou de algumas temporadas dos anos 1980, mas mostra que a tal crise de falta de ultrapassagens não é tão significativa quanto geralmente se fala. Ela até existe, mas, como pretendo descrever abaixo devemos observar vários pontos com outro olhar para chegarmos a conclusão de qual é o verdadeiro problema.

 

Mitos e verdades do cenário atual da F1 e sua relação com a “falta de ultrapassagens”.

 

O ponto aqui é expor algumas das teorias comumente levantadas para apontar a falta de ultrapassagens da F1 e verificar se essas teorias realmente se sustentam.

 

Os mitos:A aerodinâmica é a principal culpada pela falta de ultrapassagens”:

 

Quantos regulamentos com alterações na aerodinâmica você já viu na F1? Bom, eu aponto que só de 2000 para cá tivemos 3 grandes mudanças no pacote aerodinâmico da F1. Asas foram levantadas e depois abaixadas, aletas surgiram e desapareceram, difusores mudaram de tamanho, aerofólios diminuíram e depois aumentaram de tamanho e a reclamação sempre continua.

 

Dado concreto: excesso de aerodinâmica não significa que as possibilidades de ultrapassagem diminuem. Em 1982 o índice de aerodinâmica dos carros era mais de 2x maior que o da temporada de 1983. E mesmo assim, a quantidade de ultrapassagens da temporada de 1982 foi quase 2 vezes maior que a quantidade de ultrapassagens da temporada de 1983.

 

Os níveis de aerodinâmica da F1 em 2009 eram sensivelmente menores que os índices de aerodinâmica que os dos carros de 2008. E ainda assim a quantidade de ultrapassagens de um modo geral foi menor. 

 

                                                                               Aerodinâmica diferente e críticas iguais. Será esse mesmo o problema?

 

O autódromos construídos por Hermann Tilke dificultam ultrapassagens”:  

 

Virou moda jogar em Hermann Tilke a culpa pela monotonia de alguns GPs. Pensem bem antes de fazer tais críticas, porque Herr Tilke não projetou todos os autódromos da F1 atual.  Barcelona, Melbourne, Mônaco, Montreal, Suzuka, Interlagos, SpaFrancorchamps, Silverstone e Monza são pistas onde o alemão não projetou nenhuma curva. É bem verdade que algumas de suas pistas como Abu Dhabi e Bahrein até o presente momento não nos brindaram com nenhuma corrida inesquecível. Mas o que dizer do GP da Turquia do último ano, onde os pilotos de Red Bull e McLaren tiveram disputas acirradas por posição? Ou o GP da China, que teve Hamilton, Vettel e Alonso fazendo ultrapassagens sobre ultrapassagens ao longo de toda a prova?

 

Outro ponto a ser observado: os autódromos de Hermann Tilke seguem os padrões de segurança determinados pela FIA. Além disso, a realidade dos circuitos atuais se aplicama realidade técnica dos carros atuais. A capacidade de frenagem dos carros atuais é diferente da capacidade dos carros de outrora. O que significa que as zonas de freada de um circuito antigo não tem mais a mesma eficácia para os carros atuais. Desse modo, novas curvas mais lentas foram feitas por Tilke para se produzir mais zonas de ultrapassagem.

 

Vale a pena pensar também se esses circuitos são tão ruins quando comparados a alguns circuitos dos anos 1980 e 1990. Quem não se lembra dos circuitos apelidados de Mickey Mouse, como Aida no Japão, o original Hungaroring,Nurburgring, Jerez de La Frontera, Jarama e Adelaide? Ou dos circuitos que após 1994 foram reformados com novas chicanes para diminuírem as velocidades, como aconteceu com Ímola e até mesmo os tradicionais Monza e Spa? 

 

                                              Turquia 2010: Hamilton e Button disputam acirradamente a liderança num circuito de Hermann Tilke.

 

A capacidade de frenagem dos F1 atuais é muito alta, o que impede ultrapassagens”:

 

Essa é outra teoria que escuto há muito, muito tempo. Lembro de um GP em 1998 onde Galvão Bueno e Reginaldo Leme ficaram discursando voltas e voltas pela corrida sobre o assunto. A única coisa nessa teoria que faz sentido é que a capacidade de frenagem dos F1 atuais realmente é alta, especialmente se comparada com os carros que ainda usavam discos de aço. Entretanto, não é isso que dificulta as ultrapassagens. Os limites de frenagem diminuíram, mas continuam sendo os mesmos para todos os pilotos, assim como eram no passado. Além disso, curvas mais lentas surgiram exatamente para que os pilotos sejam forçados a usar de um maior espaço para frear.

 

Os carros de F1 atuais são mais fáceis de guiar, os pilotos erram menos e por isso temos menos ultrapassagens”:

 

É bem verdade que os F1 atuais são mais estáveis que os de velha geração e que os pilotos tem mais ferramentas a sua disposição para mantê-lo estável. Mas isso também significa que o limite da performance ficou mais alto. Há também a questão da preparação física: os pilotos da atual geração possuem uma mentalidade e preparo totalmente diferentes de pilotos como KekeRosberg e Patrick Depailler (fumantes inveterados), James Hunt, Nélson Piquet e René Arnoux (playboys assumidos) ou de Vittorio Brambilla, Clay Regazzoni e Alan Jones (muito acima do peso ideal).

 

Com preparação precária, era normal ver esses pilotos extremamente desgastados ao final das provas. O foco e concentração obviamente não eram os mesmos, e a tendência ao erro era muito maior. Não por acaso Niki Lauda era conhecido como Piloto computador (a prova de erros). O austríaco foi um dos primeiros a se preparar física e mentalmente para as corridas de F1. 

 

                                                                                                       James Hunt nos tempos onde preparo físico era luxo na F1.

 

O KERS e a asa móvel são provas de que a F1 está apelando para recursos de vídeo game para ter ultrapassagens”:

 

Essa chega a ser uma verdadeira maldade com os pilotos da F1 atual. De fato, o KERS e a asa móvel são dispositivos que hoje tem como principal objetivo facilitar as disputas por posição durante as corridas. Entretanto, no passado também existiam traquitanas que facilitavam a vida dos pilotos. No auge da era turbo nos anos 1980, os pilotos tinham a sua disposição um botão para aumentar a pressão de turbo ao máximo nas retas (garantindo por vezes até 100 cavalos a mais de potência) e ultrapassar o seu adversário. Também naquela época, surgiram dispositivos eletrônicos que aumentavam ou diminuíam a altura do carro em relação ao solo para gerar maior pressão e garantir ultrapassagens.

 

Os pilotos da F1 atual são mais conservadores numa disputa de posição que os pilotos das antigas”:

 

Essa teoria não chega a ser propriamente um mito, mas também não é de todo uma realidade. Como disse anteriormente, o limite atual é muito superior ao limite dos tempos passados, o que significa que a margem de erro ficou menor e a possibilidade de um erro se tornar um acidente maior. Não bastasse isso, hoje, caso um piloto cometa um erro numa disputa por posição e ocasione um acidente com outro piloto, corre o risco de punição do famoso “RaceControl” da FIA, o que aumenta a pressão. E para piorar, existe a pressão que mesmo nós do público impomos aos pilotos quando estes numa disputa de posição cometem erros e geram acidentes.

 

Querem casos claros e recentes: Lewis Hamilton e Sebastian Vettel. Os dois jovens campeões cometeram alguns erros em disputas de posição que acabaram ocasionando acidentes que os prejudicaram no ano passado e foram duramente criticados e as vezes até punidos por isso. Hamilton foi criticado por tentar passar Felipe Massa logo nas primeiras curvas do GP da Itália, e no GP seguinte em Cingapura foi taxado de precipitado ao tentar superar Mark Webber numa relargada. Já Sebastian Vettel foi punido em Melbourne 2 anos atrás quando fechou a porta para Robert Kubica na disputa pelo segundo lugar daquele GP. E no ano passado, o jovem alemão foi novamente criticado após acidentes com Mark Webber na Turquia e com Jenson Button em Spa.Todos esses fatores inibem uma atuação mais incisiva dos pilotos numa disputa de posição atualmente.

 

                                                                                                     Button x Vettel em 2010. Errar é cada vez mais inaceitável.

 

Fatos:Carros semelhantes no treino e na corrida:

 

A ciência básica de uma ultrapassagem é que o carro de trás tenha um rendimento superior ao do carro que vai a sua frente. Quanto maior a diferença de rendimento, maior a possibilidade de ultrapassagem. Só que uma coisa que pouco observamos na F1 atual é que os carros com rendimento superior já largam na frente dos carros com rendimento inferior. Isso acontecia com menor frequência no passado, onde tínhamos coisas como pneus de qualificação e motores de qualificação, que não necessariamente eram os melhores pneus ou motores para a corrida. Além disso, alguns pilotos focavam muito mais no acerto do carro para a corrida do que no acerto para o treino. Hoje, vale a pena lembrar, o acerto do carro para o treino é exatamente o mesmo acerto com que o piloto é obrigado a largar. Dessa forma, o conjunto mais rápido do treino será naturalmente o conjunto mais rápido da corrida também. Como teremos disputas por posição se o carro mais rápido já está na frente? 

 

                       Senna com seu Lotus Renault de 1500 HP e pneus especiais para treino. Tempos de carros diferentes em treino e corrida.

 

Menor quantidade de erros: como disse anteriormente, os pilotos atuais tem uma preparação física e mental diferente da preparação em muitos casos inexistente dos pilotos do passado. Há também a questão do limite do carro ser maior e a margem de erros menor, o que naturalmente implica que os pilotos trabalhem sempre dentro da margem de erro para evitar acidentes.

 

Menor desgaste dos equipamentos: nos anos 1970 e 1980 era normal ver alguns pilotos poupando os carros em determinados trechos de corrida para atacarem no final. Essa prática era comum pois havia um maior desgaste dos equipamentos e um menor controle de qualidade das equipes e propiciava disputas pois havia um momento em cada corrida onde naturalmente haveria um confronto entre os pilotos que atacaram desde o princípio contra os pilotos que pouparam pra atacar no final.

 

Conforme a F1 evoluiu tecnicamente, o desgaste dos equipamentos passou a ser menor e essa necessidade de poupar equipamento diminuiu. Até o princípio dos anos 1980, era ótimo ter 5 falhas mecânicas por ano. Daí até o final da década de 1990, o aceitável passou a ser quebrar 3, 4 vezes por ano. Nos anos 2000, as equipes praticamente trabalham com um índice de quebras aceitável de 1 quebra por temporada. Houveram casos onde um piloto passou temporadas seguidas sem ter uma panezinha sequer no carro. Caso de Michael Schumacher, que entre o GP da Hungria de 2001 e o GP da Malásia de 2005 não teve uma quebra sequer durante as corridas. 

 

                                                                                 Vettel abandona com motor quebrado. Cena cada vez mais rara na F1.

 

Nivelamento técnico extremo: a F1 atual possui motores cuja diferença de potência não é maior do que 40 cavalos, pneus iguais para todos, dispositivos aerodinâmicos extremamente padronizados, eletrônica igual para todos, etc. Isso é positivo no sentido de diminuir os custos da categoria. Entretanto é negativo pois conforme ilustrei anteriormente, quanto maior a diferença entre um equipamento e outro, maior a possibilidade de ultrapassagem será.

 

Similaridade de autódromos: O que pode ser criticado nos autódromos atuais da F1 não são os seus traçados em si, mas o fato de muitos deles serem bastante similares. Os carros atuais são construídos tendo como idéia principal render bem em curvas de média velocidade, tais quais são grande parte das pistas atuais. A falta de diversidade de traçados impede que ocorram maiores variações de performance de uma equipe para a outra a cada GP.Ilustrados esses fatos acima, reparem que eles tem duas coisas em comum: todos abordam paridade de condições e minimizam fatores aleatórios (acontecimentos ao acaso).

 

Talvez seja esse o ponto principal do tal problema de ultrapassagens da F1 atual. O inesperado acontece menos, e a diversidade é cada vez menor e resulta nas coisas se tornam mais óbviase por consequência, mais monótonas. Esse é o real problema que afeta o espectador hoje.

 

Portanto meus amigos, enquanto estiverem assistindo uma corrida que vocês consideram chata, levem em consideração esses pontos e não se prendam a alguns mitos que são comumente evocados. 

 

Até a próxima, 

 

Arlindo Silva

 

 

Last Updated ( Friday, 01 April 2011 11:34 )