Caros Amigos, Há uma década, países do Oriente Médio e do norte da África passavam por uma série de revoltas cujas consequências são observadas até hoje. Populações de países como Tunísia, Líbia, Egito, entre outros, saíram às ruas para protestar contra governos autoritários e as péssimas condições socioeconômicas que enfrentavam: pobreza, falta de serviços públicos e desemprego, sobretudo entre os mais jovens. Esse fenômeno ficou conhecido como Primavera Árabe.

Segundo os especialistas consultados para essa matéria, “Primavera” sugeria o florescer das democracias populares, em alusão à Primavera dos Povos, no final do século XVIII, e à Primavera de Praga, em 1968. A grande diferença foi que as mobilizações organizadas dessa vez se basearam fortemente no uso de redes sociais, que conseguiram superar a censura dos governos repressivos e não só expandir as manifestações, mas torná-las visíveis ao mundo todo.

Entretanto, passada uma década, o que vimos não foi uma verdadeira mudança. Milícias armadas, grupos fundamentalistas e mercenários financiados por países hegemônicos tomaram a frente de grande parte das manifestações e, após mais de uma década de confrontos e luta popular, a “primavera” tornou-se um longo e tenebroso inverno. Com exceção da Tunísia, que realizou e respeitou eleições democráticas, nos países que passaram pela Primavera, governos teocráticos autoritários foram depostos e substituídos por governos de coalizão antidemocráticos, militarizados e nocivos à auto-organização dos povos e à soberania dessas nações.

Usei este preâmbulo para tratarmos do que vem acontecendo ao longo deste ano desde que Mohammed Bin Sulayem sucedeu Jean Todt algumas coisas mudaram nas relações entre os promotores das categorias mundiais e a Federação Internacional de Automobilismo. Como tem um peso e uma visibilidade maior, as questões inerentes à Fórmula 1 acabaram ficando mais expostas.

Na melhor das hipóteses, a relação entre a FIA e o Grupo Liberty Media é tão complexa quanto demorada: a FIA detém o Campeonato Mundial de F1 e arrendou os direitos comerciais (apenas) a um terceiro, inicialmente o fundo da família Ecclestone, que vendeu a uma empresa de TV que faliu, devendo a vários bancos centenas de milhões. Para recuperar o dinheiro, eles venderam o controle para a CVC, que vendeu os direitos ao Grupo Liberty Media em 2017.

Nesse ínterim, o esporte da F1 cresceu para um negócio de 2 bilhões de dólares – com o Grupo Liberty Media mirando ainda mais alto – mas, crucialmente, ainda é regulamentado e administrado pela FIA. Por outro lado, a FIA é uma organização sem fins lucrativos com receitas anuais de 220 milhões de dólares e um déficit projetado de 25 milhões este ano – enquanto sua propriedade principal, a F1, fatura mais do que o órgão dirigente de todos os seus diferentes fluxos de receita, incluindo taxas de membros.

O problema é que dos 2 bilhões de dólares, a FIA vê muito pouco, sendo remunerada apenas para administrar e regular o campeonato. A taxa original foi doada à Fundação FIA (cercada) por Mosley, de modo que a atual administração não tem acesso a esses fundos para fins operacionais. É provável que o desequilíbrio continue pelos próximos 90 anos, sendo o saldo do contrato de 113 anos atingido por Ecclestone e Mosley.

Se por um lado, Mohammed Bin Sulayem foi eleito prometendo promover os interesses dos 244 clubes membros da FIA – espalhados por 146 países – especialmente àqueles que não gozavam do mesmo poder e influência que os membros mais antigos e históricos, enquanto equilibra os livros desta NPO com sede na França; por outro, Domenicali, no Grupo Liberty Media, foi nomeado para maximizar os lucros da empresa, uma entidade listada na NASDAQ (FWONK).

O único denominador comum entre ambas as entidades é um contrato juridicamente vinculativo que não teve participação na elaboração – na verdade, é duvidoso que Ben Sulayem tenha ouvido falar da Liberty em 1998, ou se o principal homem da Liberty, John Malone, sabia que a F1 existia quando Mosley e Ecclestone assinaram este contrato – mas a aliança compromete ambas as partes além do final deste século. Qualquer maravilha há conflito depois de apenas quatro meses?

Embora tenha havido brigas nos bastidores desde 17 de dezembro, os assuntos vieram à tona durante a última reunião da Comissão de F1, quando a FIA se recusou a dobrar as corridas de F1 Sprint das atuais três para seis em 2023, com base no que o órgão regulador precisava para examinar o impacto nos seus recursos. Isso não era irracional, dado o custo de 25 milhões de dólares apresentado pela FIA, mas a posição da entidade foi imediatamente rotulada como ‘ganância’ pelo Grupo Liberty Media.

A queda é significativa, já que pela primeira vez desde que o Grupo Liberty Media ganhou as chaves do esporte, a FIA e a F1 não votaram mais em bloco; mais significativo, porém, é que depois de meses regateando dinheiro para corridas de Sprint, todas as equipes ficaram do lado da Liberty, apenas para a FIA bloquear o assunto. A FIA pode muito bem dar meia-volta eventualmente, seja por meio de um adoçante ou não, mas de qualquer forma as ondas de choque foram sentidas de Londres a Paris.

A Fórmula 1 nunca esteve tão saudável em todos os indicadores. O interesse dos fãs está incrivelmente elevado. Temos uma grande competição nas pistas e um grande negócio fora dela. Na visão das pessoas que comandam o Grupo Liberty Media, embora seja muito cedo para considerar uma futura ruptura com a FIA é preciso considerar que, em termos da lei da UE, o corpo diretivo seria forçado a aprovar a série desde que os padrões de segurança da FIA sejam respeitados e a marca registrada F1 não seja usada, os posicionamentos do atual presidente da entidade gestora do esporte pode precipitar uma condição sem volta. Medidas tomadas em relação ao problema do final da temporada passada, das decisões tomadas no último GP de Mônaco, alvo de questionamento de várias equipes e a latente “preocupação” com piercings e brincos pode precipitar situações mais conflitantes em um futuro próximo.

Um abraço e até a próxima,