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A vida de Henry Segrave PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Friday, 26 November 2021 23:48

No mês passado, como sabem, escrevi sobre a vida a (curta) carreira de Jimmy Murphy, que em julho de 1921, no GP de França, a prova mais importante de automobilismo então, triunfou a bordo de um carro americano. No circuito que serviu mais tarde para as 24 Horas de Le Mans, ele venceu a bordo de um Dusenberg, descolando-se para uma curta carreira que terminou tragicamente em novembro de 1924, em Syracuse, no estado de Nova Iorque, aos 30 anos. E pelo meio, em 1922, vencera nas 500 Milhas de Indianápolis.

 

Mas no meio destas corridas, cruzei-me com outro piloto desses tempos e que, tal como Murphy, também está esquecido. Veio de uma origem totalmente diferente, era britânico de nascimento, e procurou sempre os triunfos e a velocidade. E como o americano, teve um final curto e trágico. Este mês falo de Henry Segrave, o primeiro piloto a andar a 320 por hora, 200 milhas por hora na medida imperial.

 

Nascido a 22 de setembro de 1896, em Baltimore, Maryland, era filho de uma americana e de um irlandês, que era proprietário de terras. Educado na Irlanda, e depois no prestigiado (e elitista) Eton College, aos 18 anos, rebenta a I Guerra Mundial e pretende alistar-se no exército. Vai para a Academia Militar de Sandhurst, onde o curso é encurtado e em novembro de 1914, vai para o Royal Warwickshire Regiment, onde vê combates nas trincheiras da Flandres. Ferido por duas vezes, quando recupera demonstra interesse na aviação.

 

 Henry Segrave marcou o mundo da velocidade em todos os cenários possíveis para um ser humano.

 

Ali, pede - e consegue transferência - para o Royal Flying Corps, a predecessora da Royal Air Force, e em 1916, começa a voar a bordo de um Airco DH2. Contudo, a 1 de julho de 1916, o primeiro dia da Batalha do Somme, onde o exército britânico perderá 60 mil homens, a maior de sempre na história, Segrave é abatido por anti-aéreas alemãs e despanha-se, fraturando um tornozelo. Anos depois, descreveu-se a si mesmo como "o pior aviador do mundo, fazendo o pior quando tentava aterrar".

 

Contudo, em março de 1917, entra na história como o piloto... do primeiro drone do mundo. A Royal Flying Corps tinha uma secção, que chamava de The Aerial Target, um protótipo controlado por rádio, onde eram lançados de uma rampa e guiados até alcançarem o alvo. Apesar do sistema não ter sido um sucesso retumbante, Segrave participou no teste como piloto, sentado em terra e a controlar o aparelho.

 

 

Ele acabou a guerra sendo assistente de Sir Henry Norman, encarregado das compras de munições ao estrangeiro. Entre as várias missões, foi aos Estados Unidos verificar a sua industria de aviação. Em 1919, acabada a guerra, transferiu-se para a administração da Royal Air Force, mas pediu a resignação, alegando os seus ferimentos de guerra.

 

PILOTO DE AUTOMÓVEIS

 

Por esta altura, já se tinha casado com Doris Mary Stock, uma atriz de teatro, e tinha começado a olhar com atenção para o automobilismo. No final de uma guerra de quatro anos, a sua geração estava sedenta de adrenalina, e o automobilismo, bem como a aviação, eram bons substitutos para a busca de aventura que todos procuravam, e em muitos aspetos, colaboraram para desenvolver ambas as industrias. Mas Segrave queria a velocidade em terra, e em 1921, tinha sido contratado pela Talbot-Darracq para competir na primeira prova de longa distância na Grã-Bretanha, em Brooklands. Vencedor da corrida, foi participar na equipa oficial no GP de França, em Le Mans, agora rebatizada de Sunbeam-Talbot-Darracq, onde acabou na nona posição, a mais de uma hora do vencedor, Jimmy Murphy.

 

 No início das corridas, nos anos pós-primeira guerra mundial, competiu em diversos eventos pelo continente.

 

No ano seguinte, a equipa construiu um novo carro e inscreveu Segrave para o GP de França, que nesse ano seria num circuito desenhado à volta das estradas de Estrasburgo. Ao lado de Segrave na Sunbeam estava Kenelm Lee Guiness, que para além de ser piloto, era inventor (as velas KLG são as iniciais do seu nome) e herdeiro da família que criou a cerveja com o mesmo nome, e o francês Jean Chassagne. 

 

A corrida não correu bem para ele. Queimaduras no seu corpo por causa de problemas de motor o obrigaram a retirar na quinta volta de uma corrida vencida pelo Fiat de Felice Nazzaro. Uma vitória amarga, pois o seu sobrinho, Biagio Nazzaro, sofrera um acidente fatal devido a uma quebra a alta velocidade na suspensão traseira.

 

Segrave e a Sunbeam estavam determinados a triunfar nessa corrida, e em 1923, estavam de volta com Guiness e o francês Albert Divo. A corrida foi em Tours, e foi um duelo com os Fiat e os Bugatti, mas quer os italianos, quer os franceses, tiveram problemas durante a corrida - os primeiros com os seus supercompressores, os segundos por causa de problemas com o seu chassis aerodinâmico, que os impedia de fazer respirar os seus motores.

 

 Além da competição contra outros pilotos, Segrave mergulhou numa competição contra seus limites,buscando recordes de velocidade.

 

Assim sendo, os Sunbeam dominaram a prova, acabando em dupla e Segrave a levar a melhor sobre Divo em vinte minutos. Ele foi o primeiro britânico a triunfar no GP de França a bordo de um carro britânico. 

 

Segrave ainda correu em 1924 com a Sunbeam, vencendo em Espanha, no circuito de San Sebastian, e em Miramas, no sul de França. Mas por essa altura, já havia outros desafios pela frente: os recordes de velocidade, que atraiam tantas atenções como os grandes prémios automobilísticos.

 

A ADRENALINA DA VELOCIDADE 

 

Trabalhando ainda na Sunbeam, convenceu-os a aderir a um projeto para construir um carro especificamente dedicado aos recordes de velocidade. O LadyBird era um carro com um motor de 4 litros, aerodinâmico, desenhado para ser veloz. A 16 de março de 1926, em Ainsdale, uma praia na zona de Southport, no Reino Unido, Segrave fez uma tentativa que colocou o carro a 245,15 km/hora, um recorde que seria batido... um mês depois, por J.G. Parry-Thomas, em Pendine Sands, no País de Gales, num carro construído de raiz com um motor Liberty V12 de avião, de 27 litros e 450 cavalos de potência.

 

 Um registro histórico, uma vitória no desafiador circuito de Brooklands, o primeiro construído na Inglaterra.

 

Segrave não ficou parado. Voltou ao trabalho, construindo um carro de mil cavalos, o Sunbeam 1000 HP - que ficou popularmente conhecida como "A Lesma", tinha dois motores de avião e um chassis aerodinâmico, para ajudar no seu objetivo: 320 km/hora, ou as 200 milhas por hora. 

 

O carro ficou pronto para a tentativa, que iria acontecer em Daytona Beach, na Florida. Contudo, tinha concorrência: na Grã-Bretanha, Parry-Thomas iria voltar a Pendine Sands com o seu "Babs", modificado também para alcançar esse objetivo. Tinha a companhia de Malcom Campbell, que a 4 de fevereiro de 1927, abriu as hostilidades com 281.447 km/h no seu Napier-Campbell, batizado como Bluebird. Parry-Thomas reagiu, mas um mês depois, quando fez a sua tentativa, o motor explode e os destroços decapitam-no.

 

Na América, Segrave assistia tudo à distância e três semanas depois, a 29 de março, fez a sua tentativa, alcançando 327.97 km/h, ou 203.79 milhas por hora, o primeiro a alcançar esse marco na medida imperial. Isso lhe deu capas de jornais e enorme prestigio. E logo a seguir, colocou olhos noute tipo de recorde: os da água. Nessa altura, ela pertencia a um barco americano, o Miss America, que tinha conquistado o Harmsworth Trophy, uma competição formada com esse objetivo. A ideia era de retomar o troféu para as mãos britânicas, e com esse objetivo, construiu o Miss England I. Construído de raíz, com um motor Napier Lion, de origem aeronáutica, tinha 900 cavalos e um chassis leve de madeira. O barco ficou pronto em 1929, e contra Gar Wood e o seu Miss America VII, ambos se desafiaram em Miami, com a vitória a sorrir para o britânico.

 

Mas a ideia era outra: bater um recorde de velocidade. Andou a 91 milhas por hora (146km/hora) e alcançou prestigio. Mas mal acabou esta tarefa, aprestava-se a outra. Ia voltar a terra e tentar novamente ficar com o recorde de velocidade.

 

 

Em 1929, o recorde pertencia agora ao americano Ray Keech, que mais tarde viria a ser vencedor das 500 Milhas de Indianápolis, tornando-se no único a ter ambos os feitos. Ele tinha colocado a fasquia nos 334.02km/hora, em Daytona, e Segrave queria o recorde de volta. Para isso, pediu a John Samuel Irving para construir aquilo que se viu ser chamado de Goden Arrow, um carro aerodinâmico, feito em aluminio, com um motor Napier Lion W12 de avião que dava 925 cavalos, com 23,9 litros de tamanho. Esse mesmo motor tinha sido usado para os Supermarines que conquistaram nesse ano o Schneider Trophy.

 

Em março de 1929, Segrave estava de volta a Daytona para tentar a sua sorte, e conseguiu. Perante 120 mil espectadores, conseguiu a 11 de março alcançar os 372.46 km/h, ou as 231.45 mph. Segrave achava que poderia conseguir mais, mas alguns dias depois, a 13 de março, o americano Lee Bible, no seu White Triplex, tentava a sua sorte a mais de 300 km/hora em Daytona quando se despistou - aparentemente por um golpe de vento - e acabou por morrer. 

 

Mesmo com essa sombra, Segrave regressou ao Reino Unido para ser recebido em ombros e no final do ano, era condecorado com o grau de cavaleiro do Império Britânico.

 

UMA TENTATIVA MORTAL

 

Em 1930, Segrave, agora a caminho dos 34 anos, continua a dedicar-se aos recordes de velocidade, mas agora na água. Depois da experiência do Miss England I, volta à carga com o Miss England II , um barco e madeira com dois motores Rolls-Royce V12, com uma potencia total de 1800 cavalos. Tinha uma tripulação de três membros. 

 

 Em seus desafios pessoais, Segrave estabeleceu um recorde impressionante de velocidade, de mais de 372 km/h.

 

O barco ficou pronto a meio do ano, e a 13 de junho, em Windermere, um lago no norte inglês, foram fazer duas passagens para marcar um recorde de velocidade. Segrave estava acompanhado no barco por Victor Halliwell, seu engenheiro, e o mecânico Michael Willcocks. Nas duas passagens, conseguiu uma média de 158,94 km/hora, suficiente para se poder dizer que tinha conseguido um bom dia para puxar pelo barco. Logo, todos concordaram que fariam uma terceira passagem pela água, para melhorar a média.

 

Contudo, nessa passagem, o barco passou por cima de um ramo que estava na água e acabou por virar e rolar, cuspindo os três para a água a alta velocidade. Willcocks teve morte imediata, enquanto Halliwell, com um braço quebrado, conseguiu socorrer Segrave, que perguntou "como andam os rapazes", antes de sucumbir aos seus ferimentos. Mais tarde, soube-se que no impacto tinha sofrido hemorragias profundas nos pulmões, fatais para ele. Quanto ao Miss England II, foi recuperado, reparado e no ano seguinte, no Lago Garda, no norte de Itália, com Garfield Wood aos comandos, chegou aos 160 km/hora, para depois, em 1933, alcançar os 178 km/hora, ou 111 milhas por hora.

 

Em sua memória, o Royal Automobile Club decidiu o Troféu Segrave, "para demonstrar iniciativa e coragem na Terra, Ar e Mar" e o troféu seria dado a personalidades britânicas ou do Império Britânico, que sirvam " para continuar com o seu legado". O prémio pode ser dado postumamente. 

 

 não satisfeito, foi buscar desafios na água, onde também se tornou um vencedor, mas também foi onde encontrou seu fim.

 

O seu primeiro vencedor foi o aviador australiano Charles Kingsford-Smith, pela sua travessia atlântica da Terra Nova para a Irlanda, em 13 horas, mas já houve gente ligada à Formula 1 que recebeu o Troféu Segrave, até mais que uma vez, não só pelos seus serviços ao desporto, mas como legado. Na lista estão gente como Stirling Moss, que recebeu em 1957 e 2005, Bruce McLaren, em 1969, Jackie Stewart, em 1973 e 1999, Mike Hailwood em 1979, Martin Brundle em 1988, Nigel Mansell - duas vezes, em 1992 e 93, pelos seus títulos na Formula 1 e CART - Damon Hill, em 1996, Lewis Hamilton em 2007, Allan McNish em 2008 e 2013 e John Surtees em 2012.

 

Mas também tem recordistas de velocidade, como John Cobb, em 1947, Donald Campbell, que recebeu o prémio um recorde de quatro vezes (1955,1958,1964 e 1966), o último dos quais a título póstumo, Richard Noble, em 1983 e Andy Green em 1997; bem como pilotos de rali como Riger Clark, em 1968, e Colin McRae, em 1995; e engenheiros, como Adrian Newey, em 2010.

 

Em suma, o Seagrave Trophy é um dos mais importantes prémios britânicos dados para tudo que tenha motor e todos os que são premiados aumentam o seu prestigio na sua carreira e consideram-se honrados por o receberem. 

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira

 

 

Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid.

 

 

 

Last Updated ( Friday, 24 December 2021 22:28 )