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Entrevista: Jorge Fleck PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Wednesday, 14 July 2010 08:13

 

Quando chegamos ao escritório de Jorge Fleck, ele mesmo fez questão de nos receber na porta. Hospitalidade gaúcha!

 

Gaucho de Três Passos, pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, veio ainda criança para Porto Alegre. A origem do interesse por mecânica veio de berço: seu pai era motorista de caminhão e fazia ele mesmo a manutenção do próprio caminhão.Jorge Fleck nos recebeu em seu escritório, no bairro São João, em Porto Alegre, onde tem sua atividade de cursos de direção e consultoria de transportes para diversos clientes no estado. 

 

NdG: Como foi que o automobilismo surgiu na sua vida? 

 

Jorge Fleck: O início da minha carreira no automobilismo foi de forma bastante peculiar. Um amigo de juventude, o Jorge Bastos, na época com 18 anos e eu com 16, e nós tínhamos combinado de passar as férias em Buenos Aires. Naquela época, 1969/1970, as coisas eram bem diferentes do que são hoje em dia. Era preciso fazer a vacina tríplice, essa que deixa esta marca no braço que todos temos. Quando saímos do posto médico e atravessamos a rua para pegar o carro, vimos um kart, exposto numa loja de motos. Na época nós tínhamos cada um 750 Cruzeiros (moeda corrente no país). Entramos na loja e caímos na asneira de perguntar quanto custava o kart... o vendedor falou: “1.500 Cruzeiros.” Já viu o que é que aconteceu, né? (risos) Não fomos para Buenos Aires e compramos o kart! Daí nos inscrevemos para correr... dividindo o kart. Ele como PC (Piloto de Competição), por já ter 18 anos e eu como Sênior, ambos na categoria de novatos. O pai do Jorge, Rui Bastos, também era piloto. Andou de Gordini e Dolphine nos anos 50/60 nos circuitos de rua aqui em Porto Alegre. O tio dele, que não lembro o nome, correu também, naqueles monopostos do final da década de 40 que eram os precursores dos Fórmula 1. As provas eram no circuito do parque da redenção. A gente até que conseguiu ganhar umas corridas... foi assim que a coisa começou. 

 

NdG: Do kart o senhor seguiu em que caminho? Nas nossas pesquisas encontramos muitas participações em Rally... 

 

 

"Eu e um amigo íamos de férias para Buenos Aires. Estava tudo certo até que vimos um kart à venda... compramos o kart!"

 

Jorge Fleck: Bom, em 1973 eu fiz o curso de pilotagem do Claudio Miller. O dono era piloto de rally, correu em rallies internacionais e tudo. A escola tinha um esquema em que o melhor aluno da turma não pagava o curso e o melhor aluno do ano da escola, corria por uma equipe que ele tinha com o Ronaldo Bittencourt. Foi aí que eu comecei a correr provas da antiga Divisão 3, provas de pista, mas a primeira vez que eu fui para a pista com um carro para uma corrida foi em novembro de 1971, nas 12 horas de Tarumã, que teve a menor diferença entre o vencedor e o segundo colocado em provas de 12 horas... em perdi por 5 centésimos de diferença! Depois disso ainda corri de kart, fui representante da Mini em Porto Alegre, outras provas de divisão 3, até que em 1976 a equipe “Gaucha Car”, que tinha o apoio da maior revendedora da Volkswagen aqui na cidade e que tinha uma equipe de Rally com quatro carros, e que corria o Gaucho, o Brasileiro e o Sul Brasileiro de Rally. Um dos pilotos era meu amigo e eu acabei sendo convidado para ser piloto reserva da equipe. Lá pela terceira ou quarta etapa do campeonato sul brasileiro, um dos pilotos, o Jorge Ullmann, por problemas pessoais, não podia mais correr e com isso eu assumi a vaga, tendo o Ronaldo Monteiro como navegador. Corremos juntos 1 ano e meio. Depois passei a correr com o Silvio Klein e foi com ele que conquistei todos os meus títulos no rally, até 1989. Ainda fizemos umas provas até 1993. Depois corri algumas provas como convidado, sendo as ultimas pela Subaru, em Santa Catarina, no ano de 2001, com um carro 4x4 e no ano passado (2009) pela Peugeot, no Rally de Gramado e no Rally da Graciosa, no Paraná, onde ganhei a primeira prova, em 1981. O convite foi feito pela organização, inclusive. Como piloto de Rally, eu corri provas do sulamericano e do mundial da categoria, até em Portugal. Sou o único piloto brasileiro que tem no mundial de Rally (equivalente ao WRC atual) em etapas européias. Fui segundo no grupo 2, décimo na geral. 

 

NdG: Então o senhor já era um piloto muito experiente quando a Fórmula Truck entrou na sua vida. Como surgiu a sua relação com a categoria? 

 

Jorge Fleck: Em 1990 eu já tinha abandonado as competições – profissionalmente falando – fazia algumas participações, mas era por lazer, por prazer. Daí em dezembro 1997, a Truck tinha sido homologada pela CBA dois anos antes, no final de 1995, e a categoria tinha pilotos de diversos estados, do Paraná, de São Paulo, de Pernambuco... e não tinha um gaúcho. O Rio Grande do Sul, que hoje tem quatro autódromos, tinha dois na época (Guaporé e Tarumã) e um público que adora corridas. Como era uma praça importante, que levava público, ter um piloto “da casa” era importante e o Aurélio (Batista Felix), na época, procurou se informar se havia algum piloto que tivesse algum envolvimento com essa área de transporte rodoviário de carga no estado, e indicaram meu nome. Comecei a correr no meio do ano de 1998, na etapa de Londrina. Daí já cheguei bem, no ano ganhei corrida, fiz pole e no ano seguinte, fui campeão da categoria, bicampeão em 2000... corri até 2004, quando vendi a equipe por Vinícius Ramires. 

 

NdG: Como é que foi se adaptar ao caminhão como “veículo de corrida”? 

 

 

"O piloto de Rally é o mais completo de todos os pilotos. Basta ver aquela festa no final do ano com todos os campeões."

 

Jorge Fleck: Caminhão para mim é a minha vida. Eu praticamente nasci em um e provavelmente fui gerado em um caminhão. Quanto a questão da adaptabilidade, eu sou da seguinte opinião: o piloto que guia, ele guia qualquer coisa. Eu questiono muito isso hoje em dia. Os pilotos de hoje parecem ser forjados para um tipo de carro ou carros similares. Não são todos, mas a maioria parece ser assim. E eles andam milhares de voltas num autódromo, em simuladores, com telemetria, computadores... Quando vem correr num circuito novo como o Velopark, sem referência nenhuma, que tem que “achar o caminho”, o piloto que é piloto se sobressai. Como na minha opinião o piloto mais completo é o piloto de Rally, tanto que naquela comemoração do final do ano, quem ganha é quase sempre um piloto de rally. A exceção foi o Schumacher, que é mesmo uma exceção, conseguir ganhar também. Assim sendo, não foi dificuldade nenhuma sentar no cavalo mecânico e mandar tempo.  

 

NdG: O senhor já tinha o seu meio de vida, o seu trabalho, fora do meio automobilístico. Contudo, muitos pilotos dependem de seu talento nas pistas para viver. Como piloto, o senhor teve retorno financeiro? O automobilismo abriu portas para parcerias comerciais? O que o automobilismo – em termos práticos – deu de retorno ao senhor pelos anos de dedicação? 

 

Jorge Fleck: Eu, particularmente, não posso me queixar do que eu tive no automobilismo. Ganhei dinheiro, fiz parcerias comerciais, fiz uma rede de relacionamentos... desde que entrei para a “Gaucha Car”, em 1976, que eu fiz automobilismo profissionalmente. Sempre sendo remunerado e foi assim em todas as equipes posteriores e em todas as categorias. Claro que eu participei de algumas provas apenas por prazer, como em provas regionais e até mesmo pagando uma cota para correr. Contudo, eu sei que isso é uma exceção, pilotos assim são uma minoria. É como jogador de futebol. Quem ganha dinheiro é uma minoria. O automobilismo, no meu entendimento ainda tem outro problema sério aqui no Brasil: ainda que se separe, que se divida muito bem o que é o automobilismo amador do profissional, a gente sabe que mesmo em categorias como a Stock Car e a Fórmula Truck, tem piloto que paga para correr... e é um número significativo. Outros tem um salário minguado... meu caso, que tinha a empresa da família onde eu trabalhava – e eu trabalhava mesmo – e tinha uma renda, eu tinha quase a mesma renda vinda do automobilismo. As pessoas, de um modo geral, que assiste estas grandes categorias como a F1, Indy, Nascar, etc. acham que automobilismo é aquilo. Tem também o caso dos pilotos que tem uma condição privilegiada, que são ricos, milionários, e que pagam para correr do próprio bolso e ta tudo bem. Tem desses também na Stock e na Truck. E correm sem se preocupar com o que estão gastando, por mais dinheiro que seja, eles vão lá e bancam. Isso é uma coisa que é alheia ao profissionalismo. Profissional é quem faz daquilo meio de vida e a verdade é que poucos podem fazer isso.

 

NdG: E no meio, sem ser os pilotos? 

 

Jorge Fleck: O automobilismo é ainda em muito feito por amadores. Dirigentes, comissários, todos que são voluntários. Claro que de um tempo para cá houve uma profissionalização neste sentido também, com pessoas sendo remuneradas para trabalhar em eventos de automobilismo... mas não são todos! Para se ilustrar isso, vou buscar a corrida mais importante do país: a Fórmula 1, em São Paulo. Ano passado teve mais de 600 pessoas que trabalharam como voluntárias... e tem um cadastro de outros 2 mil que, se derem a chance, eles vão lá e trabalham, de graça. Estas pessoas fazem isso porque gostam, não necessariamente por que entendem de corrida. Eu não acho isso correto e sempre falei isso. Por conta de posições assim eu já tive brigas homéricas com muito dirigente ao longo destes anos. Respeitosas, sempre, mas discussões sérias com estas pessoas sobre legislação do esporte. O que pode e o que não pode, o que deve e o que não se deve ser feito durante uma competição. Se alguém for buscar meu histórico na CBA, que é o 291, vai ver que eu nunca fui punido por ato antiesportivo ou por transgressão ao regulamento. Isso me dava o direito de cobrar que as regras fossem cumpridas por todos. Numa equipe temos preparadores, mecânicos, técnicos, todos eles são profissionais. Já os pilotos, dirigentes e alguns postos da administração de prova não são e deveriam ser.  

 

NdG: Mas isso seria difícil de ser aplicado em todas as esferas. Nos campeonatos regionais isso seria impossível... 

 

 

"Desde que eu deixei a categoria (Truck) só voltei lá quatro vezes. Hoje, certamente, ninguém lembra mais de mim na categoria."

 

Jorge Fleck: Assim como no futebol, tem campeonatos amadores e profissionais, divisões amadoras e profissionais. Estamos falando de competições das categorias mais importantes do país! Aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, temos mais de 100 pilotos inscritos e que correm nos regionais... são todos amadores! É aquele cara que põe do bolso para correr, que tem “paitrocínio”, que tem um patrocinador que põe sua marca no carro ou na grade da pista... esse cara não está colocando a marca dele ali porque ele gosta de automobilismo, ele está colocando por quer que ela apareça, ele quer vender o seu produto, mas se ele acha que o carro que ele patrocina ou a placa na grade vai sair em alguma foto de alguma revista ou num jornal na segunda-feira, esqueça! Isso não existe, isso não acontece. Se acontecer, sai o carro do vencedor, ou daquele que deu uma pancada do tamanho do mundo. 

 

NdG: Agora o senhor entrou num outro ponto interessante da relação do automobilismo com o público: a mídia. A divulgação na mídia do mundo sobre rodas deixa a desejar para o senhor? 

 

Jorge Fleck: A mídia tem a mesma linha de postura. Como o patrocínio de esporte busca a exposição, vai ser através da mídia que ele vai aparecer ou não. A coisa já começa pela concorrência. O Futebol, o basquete, o Voleibol... são todos concorrentes, estão todos buscando a divulgação como o automobilismo. Quando uma equipe de voleibol contrata um jogador ela busca um meio de chamar as atenções da mídia para si e com isso expor quem a financia, no caso os patrocinadores. Aí vai a televisão, a globo principalmente e “enquadra” o atleta, o profissional de um jeito que só aparece o rosto, não mostra a camisa, o macacão – no caso do piloto – que tem patrocinador colocando a marca na parte de baixo da aba do boné. Veja o paradoxo do qual estou falando: O patrocinador ou patrocinadores reúnem uma constelação de esportistas para fazer um evento, banca a organização do evento, movimenta profissionais de diversas áreas, abrange uma massa de público considerável a ponto de que ele se torne notícia. Quem divulga notícia “vende espaço”. Aí a mídia vem aqui mostrar o esportista que o patrocinador trouxe, montou o evento para que o esportista fosse notícia, o que permite que a mídia venda espaços de publicidade, mas a marca de quem montou tudo, se não pagar também para a mídia, não aparece! Qual é o investidor, o patrocinador que vai se sentir estimulado a colocar sua marca, a investir – as vezes – milhões para não aparecer. Veja o exemplo da Stock Cars: A emissora compra os direitos de transmissão e, ao invés de transmitir, não transmitem, não deixam ninguém transmitir e agora ficam fazendo estes trechinhos de corrida só pra dizer que estiveram lá. Ai o dono da equipe vai buscar patrocínio para a temporada e vai dar o que em contrapartida? O patrocinador quer contrapartida. Se tem globo é um valor, se não tem é outro muito menor, se tiver! Minha leitura sobre isso é muito clara: Se tu tens uma boa corrida, tu trás público. Se tu tens uma boa corrida e um bom público, tu chamas a atenção da mídia. Se tu tens uma boa corrida, com público e mídia, tu atrai o interesse do investidor... daí uma coisa vai puxar a outra e se torna uma cadeia, que vai crescendo, com cada vez mais competidores, mais público, mais mídia, mais investidores. Na corrida aqui do Velopark tiraram do ar a transmissão da prova para mostrar um pessoal descendo um rio de canoagem... nada contra a canoagem, mas não tem como mostrar isso antes o depois da corrida? Tem que ser no meio? Não faz sentido isso, ou até tenha um que não saibamos. 

 

NdG: Você correu, e sagrou-se bicampeão brasileiro, numa categoria – a Fórmula Truck – que cresceu à margem deste “monopólio televisivo”. Você que é um empresário de sucesso e já o era na época que correu, você acompanhou este processo de crescimento da categoria na área comercial e promocional sem o maior veículo de mídia do pais por trás? 

 

Jorge Fleck: Eu vou começar a responder com uma leitura de comportamento. Toda menina ganha uma boneca... e os meninos ganham o que? Um caminhãozinho! Não é um carrinho... é um caminhãozinho. Tu certamente ganhastes um, ou mais (Nota dos NdG: Ganhei! Risos). Onde é que está a explicação disso, eu não sei. Eu fui um amigo muito próximo do Aurélio e ele tinha uma coisas incríveis, um dom nato, mas como todo mundo, tinha suas limitações. E entre estas, estava a falta de informação. O Aurélio estudou pouco, fez até o quarto ano primário (metade do ensino básico, hoje), mas ele tinha uma visão de negócios espetacular. Eu não sei até onde ele sabia sobre haver corrida de caminhão em outros lugares no mundo. E a forma como ele fez a categoria aqui foi algo que pode ter sido uma maneira inédita, coisa mesmo da cabeça dele. Ele era um mecânico fantástico, um companheiro fantástico, foi presidente do sindicato dos camioneiros e era respeitadíssimo... Visionário, inteligente e empreendedor como ele era, ele não “atirou no escuro”. Ele criou uma coisa para dar certo... e deu! Quando eu digo que éramos amigos não é da boca pra fora. Nós tínhamos atitudes de amigo um com o outro. E amigo de verdade, tanto elogia como critica. Ele foi o maior marqueteiro nato que eu conheci na vida. Ela sabia como tratar um administrador, um promotor, um vendedor, um mecânico, um piloto, que é uma raça desgraçada (risos)... pioro que piloto, só preparador (mais risos), e o Aurélio sabia lidar com todos de uma forma sensacional. E ele sabia, acima de tudo, como tratar o público. Aquele torcedor ali do alambrado, da arquibancada. Aí você junta o caminhãozinho, o ineditismo, a competitividade (quem fazia o regulamento era o próprio Aurélio), o modelo de competição único que ele criou. O que o Aurélio fez na época, da cabeça dele, é o que se chama hoje de “marketing de relacionamento”. Nos eventos da Truck, todos participam. O público, o promotor, o patrocinador, o camioneiro... o evento começa pela manhã e se estende por todo o dia, até bem depois da corrida. Todo este conjunto fez a categoria crescer o quanto cresceu, chegar aonde chegou. 

 

NdG: Houve uma época que a Globo procurou o Aurélio para fazer a transmissão da Fórmula Truck e há muitas “versões” sobre o que ocorreu e o que não ocorreu. O que você sabe sobre isso e que poderia nos contar? 

 

 

"Aurélio e a Globo não conseguiram chegar a um acordo por causa da programação do domingo, dividida em antes e depois do Didi."

 

Jorge Fleck: Acontece que o evento do Aurélio começava às 9 horas da manhã e terminava depois das 3 horas da tarde. Eu participei de uma das reuniões junto com o Aurélio e nós ouvimos da pessoa que representava a globo que a grade de programação do domingo se dividia em duas partes: Antes e depois do Programa do Didi (Renato Aragão). Aquele horário era intocável e na época coincidia com o horário de transmissão da corrida. Foi por esta incompatibilidade que a idéia não foi pra frente. Eu fui a algumas outras reuniões que ele me chamava que eu pedia para ficar fora, mas ele insistia e acabava me dobrando. Eu ia e ficava calado, mas ele fazia questão que eu fosse. Eu ia quase que de motorista dele, sentava e ficava quieto. 

 

NdG: O senhor ainda frequenta os eventos da Truck? 

 

Jorge Fleck: Desde que eu parei de correr eu fui apenas duas vezes a Tarumã e duas vezes a Guaporé, três por convite do Aurélio e uma que fomos com os Dragsters do Velopark a Guaporé. Eu tenho certeza que ninguém lembra mais de mim dentro da Fórmula Truck. 

 

NdG: Desculpe, mas isso não faz sentido. Não se esquece um campeão... 

 

Jorge Fleck: E, sinceramente, nem sei por que motivo. Para vocês terem uma idéia, eu não tenho sequer contato com mais ninguém da categoria. A última ida minha numa etapa da Truck por convite do Aurélio foi em Guaporé, justo quando ele veio a falecer. No sábado ele me ligou e perguntou porque eu não estava por lá e eu respondi que não tinha sido convidado. Ele falou que estava me convidando ali e que eu fosse para Guaporé! E disse mais: “Trás teu capacete e teu macacão que segunda-feira tu vais fazer um teste”. Ele me propôs retornar à categoria, pilotando um caminhão de uma equipe de fábrica. Mas aí veio tudo e os planos não seguiram adiante.  

 

NdG: Nem com quem foi seu contemporâneo, como o Renato Martins? 

 

 

"Durante alguns anos o Renato(Martins) e o Aurélio foram inimigos declarados. Eu costurei a paz entre os dois antes da morte do Aurélio."

 

Jorge Fleck: O Renato é um caso à parte. Durante muitos anos ele e o Aurélio foram inimigos declarados dentro da categoria. E eu posso falar isso por que fui eu quem intermediou para que eles voltassem a ser amigos antes da morte do Aurélio. Eu dizia que não era possível que dois líderes tão fortes, dentro da categoria, não poderiam brigar. Que quem perderia seria a categoria. Eles eram muito amigos quando eram camioneiros, mas nos tempos de Fórmula Truck, não sei por que motivos, passaram a se atritar, a discordar um do outro. 

 

NdG: Mas o Renato continuou correndo na categoria... 

 

Jorge Fleck: Sim, continuou, mas nada que o Aurélio fazia era acatado de bom grado e viceversa. Um dos grandes atritos foi quando da entrada da Débora (Rodrigues, hoje esposa do Renato Martins). O Aurélio era totalmente contra, mas o Renato bancou a entrada dela. Daí o Aurélio colocou a Márcia “Furacão”, uma camioneira de uma empresa de Curitiba e muito conhecida no meio dos camioneiros. Só que dirigir caminhão é uma coisa, pilotar é outra. Ela podia ser uma excepcional camioneira, mas pilotar não era o feitio dela e o Aurélio me pediu para treiná-la, para ensiná-la. Mas a coisa não vingou. Ao contrário da Débora que mostrou ter talento para a coisa e eu posso dizer: dividi curva e freada com ela, daquelas de trocar tinta, de arrancar retrovisor e ela é boa. Merece estar onde está. Mas foi uma guerra. Isso, claro, é história de bastidores, não sei se algo algum dia foi publicado. Eventualmente eu encontro o Beto Monteiro... encontrei-o outro dia em São Paulo.  

 

NdG: Vamos ampliar um pouquinho os nossos horizontes para além da Truck: como gestor, empresário, qual a visão que o senhor tem do automobilismo brasileiro hoje?  

 

Jorge Fleck: Eu vejo assim: a oportunidade está aí... e há um bom tempo. O Brasil é o país com o maior número de montadoras instaladas no mundo. São 23 ou 24 no momento. O Brasil é um país, digamos, rodoviarista. Nós somos um dos únicos países dos tidos emergentes que ainda movimenta comodities por via rodoviária. Mesmo eu sendo empresário do ramo, acho impressionante ainda ser desta forma aqui no Brasil. Nos países avançados isso não acontece. O transporte de longa distância é feito por navios e trens. Nós já tivemos campeonatos de marcas no Brasil, já tivemos campeonatos monomarcas diversos, ocorrendo ao mesmo tempo. Se vermos os calendários da Mahle daqueles anos, eram muitos os patrocinadores... e porque parou? A pergunta é: porque que não tem mais interesse em patrocinar o automobilismo? Hoje os seguimentos que patrocinam o automobilismo são basicamente a indústria farmacêutica, uma cervejaria, que tem uma linha de bebidas energéticas... quem mais investe valores pesados? Antigamente havia um leque maior. Porque que as pessoas saíram. Aí nós voltamos ao início da nossa conversa: não tem profissionalismo no negócio. Na época em que eu trabalhava na empresa da minha família, eu era o diretor comercial. Vendia serviços de transporte, armazenamento... um dos clientes que tínhamos era a Souza Cruz. Uma vez, numa reunião com o gerente de operações deles no Rio de Janeiro. O presidente da empresa, que corria na época acho que de Porsches, chegou na reunião e – na época ainda era permitido o patrocínio de cigarros – eu perguntei porque eles não patrocinavam mais eventos. A resposta foi: “As verbas de grande porte estão nas mãos das agências de propaganda. Eles é quem decidem quem vai ou não patrocinar o que.” Daí ele perguntou: “Quanto custaria patrocinar uma equipe de ponta na Fórmula Truck?”. Eu respondi: em torno de 1 milhão de reais, isso para dois caminhões. Aí ele falou que aquela propaganda da Hollywood com o carro do Mauricio Gugelmin que foi veiculada aqui no Brasil na época que o paranaense corria na Fórmula Indy custou 8 milhões de dólares! E isso foi só a produção. A veiculação na TV por um determinado período custou mais 14 milhões. Ou seja, um custo de 22 milhões de dólares, dos quais a agência de publicidade fica com algo em torno de 20%. Com faturamentos desta ordem, qual é a agência que vai se interessar por um projeto de 1 milhão de reais? Como tudo neste mundo precisa de capital para funcionar, hoje, o maior empecilho no desenvolvimento do automobilismo, para mim, é este: a canalização de verbas não é dirigida para o esporte em si, mas para gente que fatura em cima disto. Na parte política também temos os problemas, que começa no amadorismo dos membros dirigentes das federações regionais. Aqui no Rio Grande do Sul, durante muito tempo tivemos a sorte de ter na presidência o presidente do CTBN da CBA. Mas, na grande maioria dos estados, a presidência e a diretoria das federações é composta por pessoas que tem outras atividades profissionais e que peiteam um cargo, candidatam-se, elegem-se e vão tentar tocar uma federação de automobilismo nas suas horas vagas! Além do que, é a maior fábrica de intrigas e inimizades que se pode ter na vida. Eu fui por duas gestões e meia presidente do Automóvel Clube daqui e sei o que estou falando. 

 

NdG: Quando visitamos o Velopark pela primeira vez, em maio do ano passado, o Paulo Torino (assessor de imprensa do complexo) mencionou o projeto do Veloce e este ano nós ficamos sabendo que o Veloce é um grande sucesso e que é o senhor o responsável pela formação dos pilotos e pelo desenvolvimento do protótipo. O que o senhor pensava sobre isso antes de tudo começar? 

 

 

"Não vai haver desenvolvimento do automobilismo enquanto os dirigentes forem amadores."

 

Jorge Fleck: A minha atividade profissional, atualmente, está de 70 a 80% voltada para a área de treinamento. Ministro cursos de direção defensiva para motoristas no SENAI desde os anos 70, tendo sido um dos 3 primeiros instrutores de direção defensiva do estado do Rio Grande do Sul. Em relação ao Veloce, especificamente, eu faço o acompanhamento do projeto desde o início e sou eu quem ministro os cursos de pilotagem, que além do curso de adaptação à pilotagem de um carro de corrida e que é ministrado para qualquer pessoa que possua habilitação, não precisa ser piloto nem de kart. Além deste curso do Veloce, temos o curso de pilotagem, que este é um curso para formar pilotos. O Veloce é uma evolução, do kart de aluguel para o carro de corridas de aluguel. É um mini protótipo, bem pensado e acessível. Aqui no Brasil já tentaram emplacar da Fórmula Jr, não deu certo. Fizeram a Stock Jr, com carros importados, motores de moto – delicadíssimos e caríssimos – com um custo altíssimo. Agora colocaram estes Mini Coopers, carros caríssimos... como é que querem que o esporte se desenvolva? Para se desenvolver, tem que ser minimamente acessível e o Veloce é um carro acessível. Se tu queres fazer alguma coisa, algum negócio, tu tens duas opções: ou tu atuas em nicho, ou atuas em escala. A F. Truck, a Stock, a GT3... são tudo nicho. Agora me fala: quantas pessoas no Brasil, com 190 milhões de habitantes, tem habilitação para dirigir? E destas, quantas não gostariam de, ao menos um dia, correr de carro numa pista com um carro de corridas? Aí tu vais atuar em escala! Este é o propósito do Veloce: permitir que as pessoas tenham acesso à pista e até pode sair daí muitos pilotos, pois eles ali correm entre iniciantes. Além do mais, tem a questão de que o carro é alugado e o valor é bastante acessível. Dá para massificar e estimular pessoas a seguir no automobilismo caso queiram. 

 

NdG: Jorge, já vamos com mais de 1 hora de entrevista e isso poderia durar um dia inteiro do tanto que o senhor tem para nos ensinar. Temos que deixar o senhor trabalhar, mas – não sem antes – entregar, com muito prazer, uma pequena lembrança do nosso site para um verdadeiro Nobre do Grid. 

 

 

 

Jorge Fleck: Nossa, bonita! Agradeço o presente e parabenizo vocês pelo trabalho que estão fazendo, ainda mais sendo assim, voluntário. Parabéns mesmo. 

 

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Last Updated ( Sunday, 10 October 2010 10:45 )