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O Resgate nas Corridas de Fórmula 1 e em outras corridas também. PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Sunday, 13 December 2020 09:37

Na etapa do Bahrain de 2020, assistimos um dos acidentes mais espetaculares da Fórmula 1 moderna, e a Fórmula 1 deu ao público tudo aquilo que ele mais gosta nas corridas de automóveis, um acidente extraordinário e um piloto saindo ileso ou quase ileso do acidente.

 

É isto mesmo pessoal, o risco faz parte do sucesso, não apenas na Fórmula 1, mas em todo tipo de esporte a motor, se não houver risco, não há interesse, sejam nas corridas de automóveis, de motocicletas, barcos, etc., basta observar as propagandas das provas automobilísticas, todas elas trazem acidentes espetaculares. Já fui criticado muitas vezes, por tentar explicar isto, sempre digo que existem duas coisas que o público adora: uma é ver um grande acidente e a outra, é ver que o piloto saiu ileso do acidente. Outro tema que também me criticam quando comento, mas que é fato, é que após os grandes acidentes, os equipamentos e os procedimentos de segurança evoluem! Isto também não é uma particularidade do automobilismo, isso acontece na aviação, na náutica, no motociclismo e até na engenharia civil.

 

O grande questionamento que recebo é: E por que não fazem essas evoluções antes dos acidentes acontecerem? É porque não dá para pensar em todas as possibilidades de acidentes. Nos acidentes prováveis, que alguns chamam de incidentes, sempre se fez o preventivo, mas naqueles que são realmente “acidentes” (segundo a etimologia da palavra), não dá para estar totalmente preparado, já que acidente é tudo aquilo que acontece e não tem como ter sido previsto, é o inesperado acontecendo.

 

 As imagens de Romain Grosjean sanido no meio das chamas impressionaram a todos que estavam assistindo a corrida.

 

Após este “desabafo”, vamos ao tema principal desta coluna, o acidente do Romain Grosjean. O que estava errado? O que estava certo? Será que a equipe de resgate estava realmente preparada? Como é feito este preparo? E nas outras corridas que não têm o mesmo “glamour” que a Fórmula 1, como é feito o preparo da equipe de resgate, se é que ele é feito?

 

Este tema daria para escrever um livro, porém, vamos tentar sintetizar algumas informações para que entendamos como funciona o resgate no automobilismo mundial e o nacional. Em relação ao mundial, falarei um pouco sobre o conhecimento que obtive, quando trabalhei diretamente com a equipe de resgate da Fórmula 1 para o GP Brasil, no início desta década, e sobre o automobilismo nacional, poderei falar através da experiência que possuo por ser Diretor de Provas da CBA.

 

Mas antes, vamos avaliar o “espetacular” acidente do Grosjean.

O que deu certo?

Tudo!

 

O Grosjean está vivo e está bem após este acidente. Podemos considerar alguns fatores, entre eles “sorte” (sobre a sorte, falo mais adiante), mas principalmente porque o carro de Fórmula 1 é extremamente seguro; porque há pouco tempo, em 2018, foi introduzido o “halo”; e porque tinha um ótimo macacão anti-chamas. Grosjean está bem porque “tudo deu certo” apesar do acidente!

 

Alguma coisa estava errada?

Acredito que nada!

 

Apesar de podermos melhorar  certas coisas, tal como o guard-rail que não deveria abrir , mas ali foi uma questão de pura física e imagino que se não abrisse, talvez se rompesse, pois uma colisão de 220 km/h, aproximadamente 840 quilos (carro + piloto + combustível), resulta em um impacto de mais de 40 toneladas. É difícil imaginar que uma lâmina de guard-rail aguentaria, mas como eu não sou físico e nem engenheiro, não posso opinar, porém tenho certeza de que a FIA já está pensando em algo. Aqui vale um comentário que vi na internet: “foi uma falha da FIA, pois deveria ter colocado proteção de pneus naquele ponto”. Me desculpe Sr. “Crítico de Sofá”, mas nenhum Oficial de Competição ou Engenheiro, ou seja lá quem fosse, imaginaria uma colisão naquele ponto e daquela forma, toda vez que pensamos em barreiras de pneus, pensamos no lado externo das curvas, para onde os carros vão quando escapam e não do lado interno (uma questão de física).

 

   Imagem extraída do site Globo Esporte do momento da passagem dos carros após a largada.

 

Por isso é que podemos chamar aquela ocorrência de verdadeiro “acidente”. Para a prova seguinte, no mesmo circuito, foi colocada a barreira de pneus, porém, apesar de improvável uma nova ocorrência naquele ponto e daquela forma, seria negligência não colocar uma proteção extra, após o que aconteceu com o Grosjean.

 

Houve sorte?

De certa forma sim!

 

Por ter sido na primeira volta, o medical-car chegou quase que imediatamente já que sempre acompanha o pelotão na volta de largada, mas se fosse nas voltas seguintes, o  medical-car estaria parado em algum ponto da pista e imagino que a pelo menos “1 minuto” do local da batida (na maioria dos GPs o medical-car e o safety-car ficam parados na saída de box), neste caso, o primeiro que chegaria, seria o carro de resgate e/ou extração, que trabalha com uma expectativa de chegada aos acidentes, entre 30 e 45 segundos.

 

Se fosse desta forma, após a primeira volta, hoje teríamos uma boa parte da imprensa e dos fãs criticando o “resgate” da F1 pela demora. Eu sei que é muito tenso assistir uma corrida, seja ela qual for, quando acontecem os acidentes, para nós que estamos em casa assistindo pela TV, dá a impressão de que 30 segundos é uma eternidade, parece que estão todos negligenciando, mas para quem está na pista, envolvido com a  corrida, sabe que se chegar em 30 segundos é excelente, demonstra que os protocolos e procedimentos estão corretos e ele conseguiu cumprir os  30 a 45 segundos que é a expectativa.

 

Vou fazer mais um desabafo através de uma explicação:

 

 Lance Stroll sendo resgatado do seu carro capotado. Imagem extraída do site GP Brasil. 

 

Por mais que nós, Diretores de Provas, nos empenhemos para entregar o melhor resgate possível, muitas variáveis podem interferir na agilidade do resgate, basta imaginarmos o seguinte: 2 acidentes acontecendo quase ao mesmo tempo no mesmo setor, enquanto se atende um acidente, de repente perdemos o “time” do outro. Vamos fazer uma reflexão mental: imaginemos que nesta mesma prova do Bahrain, os 2 acidentes acontecessem em ordem inversa, porém na mesma volta. O Stroll capotasse seu carro antes da batida do Grosjean, e por sorte seu carro não parasse sobre o traçado da pista, ficasse em algum ponto na área de escape, sem perigo para darmos continuidade a prova. E na sequência, o Grosjean batesse no guard-rail, então, a equipe de resgate e o medical-car, muto provavelmente estariam atendendo o Stroll e não chegariam tão prontamente no Grosjean. Estas coisas acontecem em corridas, com mais frequência do se imagina, principalmente em provas brasileiras de endurance, onde a equipe de resgate/extração, tem que resgatar um carro quebrado, levando-o para os boxes e durante este empenho, pode acontecer uma segunda ocorrência no mesmo setor, neste caso, somos obrigado a deslocar o resgate de outro setor para atendermos esta segunda ocorrência e obviamente, este atendimento irá demorar mais do que o esperado, então... podemos preparar os ouvidos, principalmente se prova estiver sendo transmitida ao vivo, porque “choverão” críticas sobre a demora do atendimento do resgate!

 

Antes de todas as provas que trabalho, sempre faço um briefing com os fiscais de pista e pessoal do resgate. E digo a eles: “se ao final da corrida, ninguém lembrar da gente, sintam-se elogiados, pois só somos lembrados quando erramos, ou quando alguém acha que erramos!”

 

(ufa... que desabafo heim... precisa muito explicar isto!!!).

 

 

 

  Resgate retirando um carro da zona de perigo durante a Prova de Endurance Brasil

 

Agora vamos falar um pouco sobre os trabalhos de preparação das equipes de resgate e extração nos nossos eventos.

 

Há algum tempo, trabalhei diretamente com o treinamento da equipe de resgate do GP Brasil de Fórmula 1, eu integrava a equipe do Sr. Alfredo Tambucci, Diretor Esportivo do GP Brasil,  uma das pessoas mais espetaculares no trabalho de preparação da Equipe Desportiva do GP Brasil e que infelizmente nos deixou, em 2012, porém o seu trabalho mereceu elogio e reconhecimento da FIA todos os anos em que trabalhou. E é sobre este trabalho que podemos falar um pouco. É um trabalho muito bem feito, as equipes começam a se envolver com o Grande Prêmio, pelo menos 3 meses antes da corrida e no mês anterior à prova existe um treinamento abundante e várias simulações de procedimentos. (uma das principais frases do Sr. Tambucci era: “protocolos e procedimentos”). Vivo pensando e aplicando nas minhas provas os protocolos e procedimentos que aprendi com ele. 

 

Vejam abaixo, algumas fotos dos treinamentos e das simulações para a Fórmula 1, que foram extraídas do site GP Brasil e GazetaPress.

 

 Equipe Médica – treinamento teórico com Dr. Dino Altman, chefe médico da CBA e FIA fazendo um simulado de extração em pista. Equipe de Bombeiros – fazendo um simulado de extração em pista. Bombeiros e Médicos juntos no simulado.

 

  Cockpit de F1 para simulados (2017, ainda sem o HALO) e o Cockpit F1 2018 – já com o HALO. Abordagens diferentes.

 

  Simulado de Procedimento de Largada. Teste de Extintores e a placa de safety-car junto com a bandeira amarela no posto 22 de Interlagos – foto extraída do site GAZETAPRESS.

 

Como todos podem observar, não faltam testes e simulações para um Grande Prêmio.

E no Brasil, nas corridas nacionais, os testes também acontecem?

Sim!

Não da mesma forma, nem com a mesma intensidade com que temos na Fórmula 1, porém sempre fazemos.

 

Aí vem outra pergunta? Mas os pilotos nacionais, enquanto seres humanos, não são tão importantes quanto os da Fórmula 1? Os testes não deveriam ser iguais e com a mesma intensidade?

 

Sem dúvida que sim!

Então por que não temos os mesmos procedimentos?

 

Porque nem a CBA e nenhum promotor nacional tem verba para custear simulados tão detalhados como os da F1 (o promotor é o responsável por oferecer todos os equipamentos de segurança para uma prova, a CBA é o órgão fiscalizador para não permitir que uma corrida se inicie sem que haja o mínimo de equipamentos exigidos pelos códigos de segurança), além disso, vários dos que trabalham ou trabalharam na Fórmula 1 são líderes nas corridas nacionais e os aprendizados sempre serão aproveitados, como é o caso do Dr. Dino Altman, chefe médico da FIA/CBA, do Alfredo Tambucci Jr. que, junto com seu pai participou de mais de 20 GPs do Brasil e hoje é o Presidente da Comissão Nacional de Velocidade - CNV da CBA e o meu próprio caso que sou Diretor de Provas da CBA, sempre aproveitamos os aprendizados e aplicamos nas competições nacionais.

 

Complementando a resposta da pergunta anterior... Esta é a realidade, não apenas no Brasil, mas no mundo é assim, todos reconhecemos que os Pilotos são seres humanos iguais, independente da categoria que participam, então, já que as realidades são diferentes, se criou um “código mínimo de segurança” na FIA, que são repassados para a CBA e que devem ser  obrigatoriamente aplicados em qualquer corrida regulamentar  nacional.

 

Como as estruturas de provas e os carros de corrida são diferentes em cada campeonato, os Diretores de Provas fazem, normalmente no início do ano e rotineiramente, toda vez que há uma mudança ou inovação de carros e equipamentos, os treinamentos e simulações para as provas nacionais, vejam nas fotos abaixo alguns treinamentos que realizamos em corridas que fui o diretor de provas.

 

  Treinamento da 1ª equipe de Resgate e Fiscais de Pista no Velocittá. Treinamento e Simulado de resgate na Porsche GT3 Cup em 2018, quando a categoria apresentou um carro novo. Além de conhecermos o carro novo, também treinamos uma extração de piloto.

 

  Acima, um cockpit para treinamento oferecido pela JL, fabricante dos carros Stock Car e Stock Light.

 

  Simpósio para treinamento de equipe de Sinalização e Resgate, preparatório para o início do Campeonato Porsche GT3 Cup.

 

  Quando é necessário, nossa equipe de resgate trabalha até de noite para reparar algum guard-rail danificado durante o dia. Marcão, chefe da equipe de resgate e sinalização, acompanhando os trabalhos noturnos em Interlagos. Uso de cimento de secagem rápida para estar tudo em ordem ao amanhecer.

 

Este é o trabalho e preparação das equipes de resgate, tanto da Fórmula 1 quanto dos campeonatos nacionais e se precisar, nossa equipe ainda pode fazer o resgate até de cachorros que não é raro invadirem a pista durante uma corrida.

 

 Cachorro invade a pista durante o treino classificatório da prova Endurance Brasil. Bandeira vermelha, treino interrompido e cachorro salvo!

 

É isso!

 

Abraços,

 

Sergio Berti 

 

 

 

Last Updated ( Sunday, 13 December 2020 20:20 )