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Corrida Sob Condição de Chuva... Talvez esta seja a mais difícil decisão de um Diretor de Provas PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Sunday, 15 November 2020 20:36

Existem coisas que são muito fáceis de se perceber, tal como a chuva. Ninguém tem dificuldade em saber se está chovendo ou não. Mas decidir se uma prova deve ser interrompida por conta da chuva... esse é um dos grandes desafios que recaem sobre os ombros dos diretores de prova.

 

Tantos podem ser os fatores que levam um Diretor de Provas a “neutralizar” ou “interromper” uma corrida por conta da chuva, que fica difícil explicar todos eles, porém, trago algumas experiências que talvez seja interessante compartilhar com vocês. Assim vocês verão o quanto é difícil ter que tomar uma decisão, não só pela própria decisão, mas também pela pressão que alguns “tentam” impor sobre o diretor, tais como: a equipe de TV, o promotor, os pilotos e equipes, todos vendo pela própria ótica e tentando fazer prevalecer seus interesses. Interesses lícitos, mas talvez não justos para o momento. É nessa hora que o Diretor de Provas tem que se fechar em si próprio e respeitar seus valores e seus limites!

 

  Vettel Interlagos 2013 - Foto de Ivan Pacheco – revista Veja

 

Todo Diretor de Provas tem o seu “limite de segurança”, o momento que ele entende ser o limite para parar uma corrida, e na hora em que este limite é atingido, não pode haver nada que o force a mudar sua atitude, pois se houver...... então ele não serve para ser Diretor de Provas.

 

Para entender melhor, vamos relembrar o que é neutralizar ou interromper uma corrida:

 

Neutralizar é acionar o safety car, desta forma a corrida continua contando voltas, mas são proibidas as ultrapassagens, esta situação é muito comum quando se imagina que a chuva é passageira e logo poderemos voltar à competição.

 

E Interromper é entrar com a bandeira vermelha. Significa interromper de imediato a competição. Neste caso a corrida poderá ser dada como encerrada ou também poderá ser reiniciada, dependendo de alguns fatores inerentes principalmente ao momento da prova em que a bandeira foi apresentada. Na maioria das vezes a corrida é realmente encerrada e neste caso vale a regra de bandeira vermelha, onde a cronometragem considerará sempre a volta anterior a aquela que foi apresentada a bandeira vermelha.

 

Além disso:

Se a bandeira for apresentada com menos de 2 voltas, nada será considerado e esta prova deverá ser realizada em uma outra oportunidade;

Se a bandeira for apresentada a partir da terceira volta e antes de 75% do encerramento da prova, e não havendo condições de reinício, então a corrida será considerada encerrada e serão dados aos vencedores, a metade da pontuação;

Mas se a bandeira for apresentada nos últimos 25% da prova, então a corrida será considerada obrigatoriamente encerrada e serão dados os pontos totais aos vencedores;

Ao longo da coluna, falaremos mais sobre interromper ou neutralizar a prova.

 

Sobre a chuva, podemos considerar algumas situações, tais como: chuva antes ou depois da largada; chuva fraca e duradoura ou chuva forte e rápida. São várias as situações possíveis, mas o mais importante é o quanto de água está sendo acumulada na pista, as chamadas “poças d’água”.

 

Quando a pista já está molhada antes do início da prova, é uma situação mais fácil para o diretor de provas, pois ele pode observar a pista em qualquer ponto e ainda tem possibilidade de solicitar a um piloto profissional que avalie as condições do traçado para saber se pode dar a largada ou não. Pode inclusive, pedir para o piloto do safety car ficar andando e informando as condições em cada ponto do circuito.

 

  Depois de uma avaliação do piloto do safety car, o diretor de prova conversa com ele para avaliar a pista.

 

Abaixo 2 imagens sobre este tema, a primeira o piloto Max Wilson (o qual eu pedi para dar uma volta de avaliação na pista), está passando informações a equipe técnica da Porsche para decidirem qual tipo de pneu vão usar, já que as condições de pista permitiam uma largada desde que com safety car.

 

A 2ª imagem, o Diretor de Provas da Fórmula 1 aproveitando o treino de reconhecimento que o safety car e o medical car realizam em todos os circuitos, para fazer uma pré avaliação nas condições de pista.

 

 Safety Car e Medical Car fazendo reconhecimento do circuito Red Bull Ring na Áustria em 2020 e o diretor de provas aproveitando para avaliar a quantidade de agua na pista. Imagem F1.com

 

Se considerar que a pista esteja molhada, mas em condições de iniciar a prova, o Diretor segue o procedimento de largada e determina “Corrida em Condição de Pista Molhada”. Muito provavelmente fará a largada com safety car. Antigamente, esta determinação obrigava que todos os pilotos largassem com pneus de chuva, mas atualmente, não é mais uma obrigação, é apenas uma orientação da direção de prova e cada piloto ou equipe decide com qual pneu irá largar.

 

Para quem assiste corridas na TV, na Fórmula 1, tudo é mais fácil, pois a TV mostra o tipo de pneu que cada equipe opta, mas nas corridas menos divulgadas, muitas vezes as equipes decidem largar com pneus intermediários ou até mesmo slick (de pista seca), e quando a corrida começa, por vezes temos um “festival” de rodadas e aí é muito comum a mídia e o público criticar o diretor de provas por ter decido largar nestas condições, mas poucos sabem que o erro foi a opção da equipe que não escolheu o pneu apropriado.

 

  Interlagos 2016 Safety Car – foto extraída do site gazetaesportiva.com

 

Já quando a pista está seca e a chuva começa após o início da corrida, fica mais difícil para a direção de prova, pois o diretor deve se basear no imediatismo dos fatos que ocorrem na pista e nas informações dos oficiais que trabalham no circuito para tomar as decisões.

 

Outro fator que pode interferir na decisão de neutralizar ou interromper a prova é o fato da prova ser sprint ou endurance. Nas provas de sprint, em caso de chuva forte, é bem mais fácil decidir se neutralizamos ou interrompemos a corrida, mas nas provas de endurance, por conta dos regulamentos atuais, a decisão fica um pouco mais difícil, pois, a menos que seja uma “catástrofe de chuva”, o diretor de provas, sempre tentará neutralizar ao invés de interromper, já que, se interromper, dependendo do momento da prova, será quase impossível determinar a classificação correta dos pilotos, pois como os regulamentos das provas de endurances são muito complexos, se houver bandeira vermelha, talvez a cronometragem não consiga nos entregar um resultado justo.

 

Vamos imaginar uma interrupção de prova (bandeira vermelha), mais ou menos no meio da corrida, onde teríamos pilotos com 2 pit stops obrigatórios já realizados e outros pilotos com apenas 1 pit stop, se a corrida for interrompida, teremos pilotos que antes de entrarem para os boxes, estavam na mesma volta do líder, porém, ao entrarem para cumprir o pit, ficariam várias voltas atrás do líder, até que este também entre para cumprir seu próprio pit stop. Imaginem também, a bandeira sendo apresentada no momento em que temos alguns pilotos parados nos boxes, cumprindo seu pit stop, enquanto outros já cumpriram e outros ainda irão cumprir, então, teremos uma corrida “maluca” pois apesar de estarmos no mesmo momento do horário, a diferença de voltas entre os pilotos, seria uma grande complicação e muito difícil  para a cronometragem nos dar uma classificação ou configuração de grid para uma relargada, ou seja, no momento da bandeira vermelha, teríamos pilotos com 2 ou 3 voltas de diferença, por conta de um já ter parado 2 vezes enquanto o outro parou apenas 1 vez. Até aí tudo bem. Você pode dizer: “são coisas de corrida”! Está certo, você tem razão.

 

Até aí tudo bem, mas vamos “piorar” um pouco a situação. Pensem  numa interrupção com bandeira vermelha, enquanto temos alguns pilotos nos box, fazendo pit stop, considerem um pit stop obrigatório de 6 minutos, o piloto está prestes a terminar o seu tempo quando o diretor interrompe a prova. Se aplicarmos o regulamento de bandeira vermelha, temos que voltar a volta anterior a da apresentação de bandeira vermelha e neste caso, como fazer com este piloto? Aplicar o regulamento e colocá-lo na volta anterior a que ele entrou nos boxes, onde ele ficaria 2 ou 3 voltas atrás dos outros pilotos que ainda não entraram para o pit stop? Ainda assim, podemos chamar de “coisa de corrida”, mas digamos que a gente consiga fazer uma relargada. Onde devemos colocar este piloto no grid de relargada? E se relargarmos? Teoricamente não devemos considerar este pit stop que ele estava prestes a terminar? Imaginem quantas voltas este piloto ficaria para trás, sendo que ele não fez nada de errado na corrida? Imaginem ainda, uma corrida com vários carros fazendo seus pits, no momento da interrupção, sendo cada um em um momento, uns com poucos segundos parados nos boxes e outros com quase 6 minutos, ... seria a corrida mais injusta se tivéssemos que relargar.

 

Então, o diretor de provas, tem que ter tudo isso em mente antes de interromper uma prova. Provavelmente foi o que ocorreu na 4ª etapa do Endurance Brasil em Goiânia (outubro de 2020). Era uma prova longa, de 4 horas e a chuva não deu trégua. Já na largada, a chuva começou a testar o Diretor de Provas pois eles não tinham feito nenhum treino com pista molhada e o nosso CDA, Código Desportivo do Automobilismo, prevê que se não houve nenhum treino em pista molhada a largada deverá ser com safety car. Isto ocorre para que os pilotos tenham a oportunidade de andar na pista molhada antes do início da corrida.  A corrida começou com pista úmida, e depois de algum tempo, a chuva veio forte, e aí, não existe nenhum regulamento ou manual que diga o que o diretor de provas deve fazer. É o “feeling”, a experiência do Diretor que fará com que ele decida qual atitude tomar. No caso desta prova, o Diretor optou por entrar com o Safety Car, neutralizando a corrida e aguardar por algumas voltas para ver se daria para relargar ou teria que encerrar. Neste momento, eu penso que o Diretor estava na torre, pegando todas as informações possíveis, com os Bandeirinhas, com o pessoal do Resgate, olhando a previsão do tempo, falando com o chefe da cronometragem, para ver quanto tempo de prova já tinha percorrido, além de outras informações para poder decidir o que fazer. Esta é uma decisão só dele, mas que ele pode dividir com os Comissários Desportivos se quiser. (Nas minhas provas, em situações semelhantes, eu sempre tive um apoio muito grande dos Comissários Desportivos).

 

A minha interpretação, é que o Diretor de Provas da Endurance, entrou com o safety car, pois dessa forma teria tranquilidade para avaliar as possibilidades (tranquilidade é sentido figurado, pois nesta hora não há tranquilidade),  e entendendo que a chuva não iria cessar, então, deve ter solicitado ao chefe da cronometragem para avisá-lo quando a prova atingisse os 75%, assim ele encerraria a corrida e está valeria para o campeonato com a pontuação integral, ou seja a totalidade dos pontos aos pilotos vencedores. Desta forma, também haveria tempo dos pilotos que estavam nos boxes retornarem para a pista e ainda aos que ainda “deviam pit stops”, pudessem fazer os seus. (com isso ele elimina o desconforto de deixar decisões de cronometragens para interpretações do Comissários Desportivos. Desta forma fica tudo mais lógico e justo. Caso contrário, a cronometragem não conseguiria fazer o mapa de encerramento da corrida, considerando aqueles pilotos que ainda estavam nos boxes ou aqueles que ainda deviam cumprir pit stops. A decisão passaria a ser “burocrática”, pois seriam os Comissários Desportivos que tentariam definir a classificação da prova naquele momento. E aí pessoal, ..... posso garantir que as variáveis de interpretação podem ser tantas, sempre com a intenção de ser o mais justo possível, mas que demoraria mais para sair o resultado do que se prova tivesse ido até o fim.

 

  Imagem extraída do site da Cronomap, cronometragem oficial do Endurance Brasil

 

O Diretor sabe que toda interferência dele, seja com uma bandeira vermelha ou apenas com um safety car, alguém se dará bem e alguém se dará mal, então ele sempre deverá focar apenas no quesito segurança e nem pensar nas possibilidades das equipes e pilotos.

 

Vou narrar uma experiência interessante que passei em 2010, na Stock car. Aconteceu algo semelhante à prova de endurance. Eu estava para dar a largada em Curitiba, a pista estava seca, mas ameaçando chuva. Neste momento o Diretor já começa a pensar se atrasa ou não a largada? Alguns fatores são relevantes, tais como a transmissão pela TV, público, patrocinadores, etc. Se a chuva for muito forte, estes fatores perdem a relevância na decisão, mas nesta corrida, nem chovendo estava, havia apenas a expectativa de chuva. Então a opção foi: vamos largar! Tudo certo, largada realizada e quando chegamos mais ou menos na 5ª ou 6ª volta começa a chover. Chuva forte em um ponto da pista e quase nada de chuva em outro ponto. Então a cabeça do Diretor começa a funcionar de forma exclusiva a avaliar tudo que está acontecendo na pista, era a última etapa do campeonato.

 

Algumas equipes estavam disputando o título enquanto outras equipes estavam lutando para não serem rebaixadas. Meu pensamento era, “foco na pista”, esqueça o resto. Então a cabeça continua pensando: larguei com pista seca, última etapa do campeonato, disputa acirrada, após a largada, mas ainda antes de começar a chover, 6 carros saem da corrida, batem ou erram e não conseguem retornar mais para a prova. Começa a chover... fico de olho na pista e peço informação aos Bandeirinhas, “me avisem se começar a empoçar água em algum ponto” (algumas pistas tem drenagens excelentes, outras nem tanto), Cinco carros saem da pista após o inicio da chuva, ainda é menos do que os seis que saíram enquanto a pista ainda estava seca. A corrida está indo para o fim, solicito que a cronometragem me avise quando atingirmos 75%, mas se a chuva continuar sem muita intensidade dá para ir até o fim. .... Eu fingia que não via, .... não podia me influenciar, mas no pé da Torre, alguns Chefes de Equipe fazendo sinal para eu parar que chuva estava muito forte, ao mesmo tempo que outros faziam sinal para continuar que estava tranquilo. Não preciso nem falar quem teria vantagem se eu encerrasse ou quem teria prejuízo caso eu finalizasse a corrida.

 

Acima: Stock Car 2010 em Curitiba, largada com pista seca – Imagem site da Stock Car
Abaixo: Stock Car 2010 em Curitiba, chuva durante a prova. Imagem site da Stock Car

 

Foi um dos maiores testes da minha carreira, concentração total; intensidade da chuva; tempo de prova; poça d’água na pista; carros fora da prova; ...... e no fim deu tudo certo! Conseguimos chegar ao final da corrida com o seguinte balanço: 32 carros largaram, 6 pararam antes de começar a chuva, cinco pararam após ter começado a chuva 21 carros terminaram a corrida. Foi um grande estresse, mas apenas uma coisa poderia ter determinado algo diferente: A segurança. Conforme dissemos antes, completamente ligada ao “feeling”, à experiência que cada Diretor de Prova traz consigo.

 

Se houver chuva forte, poça d’água que compromete a largura da pista, então não há dúvida: Bandeira Vermelha ou pelo menos um Safety car.

 

  Fotos extraídas do site da Porsche GT3 Cup Brasil 

 

Acima, na Porsche GT3 Cup do Brasil, o regulamento desportivo da categoria, trás uma inovação, para as provas de sprint, se começar a chover durante a corrida, o diretor de prova deve entrar com o safety car e levar todos os pilotos em fila indiana, até o pit lane, para que os pneus sejam trocados e na sequencia o reinício da prova. (imagem acima).

 

Abaixo, eu na torre, observando o grid de uma largada com pista um pouco molhada.

 

  Foto extraída do site da Porsche GT3 Cup Brasil

 

É isso!

 

Abraços,

 

Sérgio Berti