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Interlagos: 80 anos PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Wednesday, 12 February 2020 19:05

Esperei alguns anos antes de enviar este relato. Encontrei-o entre as preciosidades do acervo do meu tio-avô Willy e pensei que deveria esperar até ter uma “data redonda” para arriscar-me em meu mais ambicioso projeto como escritor do site Nobres do Grid: falar sobre Interlagos.

 

É muito difícil para mim, que nunca sequer estive no Brasil, falar sobre o principal autódromo do país. Pelo que vi nas coisas do meu tio-avô, ele esteve em Interlagos nos ano 70 e depois retornou nos anos 90. Tudo que vou apresentar neste texto são anotações dele, feitas até 2009, e algumas notas minhas, referentes aos últimos 10 anos.

 

Em meados dos anos 1920, havia no Brasil muitos empreendedores. Era uma terra de oportunidades. Um destes era o engenheiro britânico Louis Romero Sanson, dono da empresa de construção Auto-Estradas. A história relata que ele era visto como um futurista, e dentre suas projeções, ele entendia que São Paulo era uma cidade com enorme potencial de crescimento. Um de seus projetos para a cidade era a construção de um resort entre as represas de Guarapiranga e Billings. O arquiteto e urbanista francês Alfred Agache, que acabara de trabalhar no Plano para Remodelação, Expansão e Embelezamento do Rio de Janeiro na mesma época foi convidado por Louis Sanson a fazer uma análise do projeto.

 

   Interlagos dos dias de hoje visto pelas lentes do Google Earth. Ainda é possível ver o asfalto do circuito original. 

 

Em visita ao local onde Sanson pretendia implantar o projeto, Agache viu no relevo e no fato de existirem diversos lagos no terreno, uma semelhança da região sul de São Paulo com Interlaken, na Suíça. Eram os primeiros passos para o nascimento do projeto do bairro Balneário Satélite da Capital, ponto que seria criado justamente visando as classes mais ricas da sociedade. Até mesmo uma praia, com areia vinda de Santos, foi criada junto à represa construída menos de 30 anos antes pela Light, a companhia de eletricidade do Estado de São Paulo. No interior do projeto havia também um enorme espaço que seria voltado para o lazer dos moradores da região, com um parque onde seriam construídos um autódromo e um estádio.

 

Visionário e investidor arrojado, confiante no potencial do que hoje é a zona sul da cidade, Louis Romero Sanson comprou o terreno onde fez o aeroporto de Congonhas e fez a implementação do projeto do novo bairro que havia pensado. Com ruas, avenidas e a preservação dos diversos lagos, em torno dos quais projetava-se passeios para os moradores, os terrenos começaram a ser vendidos. Para levar as pessoas do centro até seu empreendimento, Louis Sanson projetou uma autoestrada que ligava o bairro Balneário Satélite da Capital ao aeroporto. Era a rodovia Washington Luis, que há muitas décadas passou a ser uma importante avenida da cidade e que só teve sua construção viabilizada graças a alguns acordos com proprietários de sítios e chácaras existentes entre os dois empreendimentos. O nome do novo bairro, inicialmente muito longo, levou Sanson a pensar em mudá-lo e “Intralagos” por pouco não foi o escolhido, mas por sugestão da sua filha, Jean Romero Sanson, este foi renomeado para “Interlagos”.

 

   Projeto de implantação da cidade satélite que viria a receber o nome de Interlagos que foi apresentado à prefeitura de São Paulo.

 

A estrutura urbanística do projeto, que previa a construção de um hotel e que as máquinas já haviam começado a trabalhar no desenho daquele que seria o icônico traçado do autódromo de Interlagos tiveram seus planos frustrados pala série de choques na economia local e mundial, com a crise de 1929 nos Estados Unidos e pelas revoluções no Brasil, especialmente em 1932, que teve a capital paulista como palco principal. Sem recursos para continuar as obras, perdeu-se quase uma década até que o projeto fosse retomado.

 

No início dos anos 30, as corridas de automóveis começaram a se tornar populares na capital do país, o Rio de Janeiro. O governo de São Paulo não queria ficar para trás e em 1936 organizou uma corrida pelas ruas da capital. Nesta prova aconteceu um terrível acidente envolvendo o piloto brasileiro Barão de Teffé e a piloto Francesa Hallé-Nice. A francesa perdeu o controle do veículo e atingiu uma boa parte do público, ferindo mais de 30 pessoas e tendo havido 5 mortes. A piloto ficou 10 meses hospitalizada após o acidente. O fato repercutiu muito mal e nesta altura o fato de já haver um autódromo delineado no bairro de Interlagos levou o projeto a tomar uma injeção de ânimo – e financeira. Era o que Sanson precisava e em 27 de agosto de 1938 um anúncio de meia página no jornal Estado de São Paulo anunciava o projeto e as vendas do bairro localizado a 30 Km do centro.

 

Com a então auto estrada Washington Luis, hoje avenida e a construção de uma outra obra viária, que hoje é a Avenida Interlagos, o acesso ao novo bairro ainda tinha um “gargalo”: havia um rio, o Jurubatuba, que dependia de uma travessia por balsa na época da implantação do projeto do bairro. Para solucionar esta questão, Louis Sanson projetou e mandou construir uma ponte de madeira, que posteriormente foi substituída por uma ponte de cimento armado.

 

   Em 1939 a empresa de Louis Sanson mandou publicar no jornal Estado de São Paulo um grande anúncio sobre Interlagos, o bairro.

 

A construção do autódromo foi acompanhada com grande expectativa. Era o primeiro autódromo permanente no Brasil e nos jornais da época eram publicados artigos e publicidades sobre o circuito. Em abril de 1939, no autódromo em obras, um grupo de pilotos liderado pelo Barão de Teffé, deu as primeiras voltas na pista, que ainda não estava completamente pavimentada. Larga, com longos trechos em que a largura chegava a 20 metros e com quase 8 mil metros (seriam mais se considerarmos a junção) a serem asfaltados, a população paulistana e os pilotos da época precisaram esperar mais um ano para a grande inauguração, adiada em duas ocasiões, e acontecendo no dia 12 de maio de 1940, o segundo domingo do mês que, no Brasil, celebra-se o dia das mães.

 

A inauguração.

Era a entrada do Brasil em uma nova era. O ano de 1940, quando se deu a inauguração do Autódromo de Interlagos foi um acontecimento que movimentou praticamente toda a mídia da época através dos jornais e das ondas do rádio. As pessoas precisavam se esforçar para chegar até o autódromo. Havia a possibilidade de percorrer parte do trajeto de meios existentes, com o bonde de Santo Amaro partindo da estação na região sul de São Paulo sempre às 7h30 em direção ao Largo do Socorro. Os maiores pilotos do país como Arthur Nascimento Jr, o Barão de Teffé, Rubem Brunhosa e Chico Landi eram as atrações. O país estava com um problema, que era a restrição de combustível, que naquela época era totalmente importado e o mundo vivia a segunda guerra mundial. Chico Landi, aquele que viria a ser a grande estrela brasileira no cenário internacional alguns anos depois usou o chamado “álcool-motor” (que nada mais era que álcool de cana de acocar) em seu carro, quatro décadas antes do Brasil começar a vender o álcool de cana de açúcar como combustível em escala comercial pelo país. As autoridades tiveram uma preocupação extra, para evitar que competidores usassem as ruas do bairro para treinar enquanto, na pista, nos treinos, faleceu o piloto Joaquim Simões Souza.

 

   No mesmo ano, no jornal Folha da Manhã, saiu a publicidade do autódromo, mas a inauguração só ocorreu um ano depois.

 

A corrida inaugural, porém, foi transferida duas vezes por motivos distintos. O último deles, de acordo com informações da época, deveu-se a um enorme temporal que alagou as partes mais baixas da pista e tornou a competição inviável, com o transbordamento dos lagos. Os jornais da época noticiara que houve grandes protestos e a mídia fez coro com quem comprou o ingresso. Os ingressos voltaram a ser vendidos (as gerais, sem direito a cadeira, custavam 5 contos, um lugar na arquibancada numerada, 30 contos, e os camarotes cobertos para seis pessoas, 400 contos), com descontos de 50% para os sócios do Automóvel Club do Brasil e para os acionistas da Auto-Estradas.

 

Após os problemas anteriores, finalmente chegava o momento do Autódromo de Interlagos receber seu evento inaugural. A programação esportiva na tarde do domingo, dia 12 de maio de 1940, teve uma corrida de motocicletas, com sua largada programada para às 13 horas, com 12 voltas no traçado completo, perfazendo 95,52 quilômetros, e o Grande Prêmio São Paulo, destinado a automóveis de corrida, com largada programada para às 14h30 em um total de 25 voltas na pista completa, perfazendo 199,00 quilômetros de percurso.

 

   Antes da inauguração oficial, Sanson convidou autoridades para um "evento teste" em 1939. Uma corrida para poucos convidados.

 

Um público estimado em 15 mil pessoas compareceu à abertura do primeiro autódromo do Brasil. Os primeiros espectadores chegaram ainda pela manhã e tiveram a oportunidade de acompanhar a chegada dos pilotos e os preparativos deles e de suas máquinas para as disputas que se seguiriam. A quantidade de público surpreendeu as autoridades, que não esperavam que uma massa de pessoas tão grande enfrentasse o deslocamento (que na época não era fácil) até o autódromo, especialmente em uma data com grande simbolismo no Brasil que é o dia das mães. Além do contingente pequeno, a curiosidade dos espectadores em querer ver o mais próximo possível do local destinado aos “boxes” para ver mais detalhes dos carros, assim como tentavam ficar o mais próximo possível da pista, que não tinha contenções.

 

Apesar de ser a “inauguração oficial”, a infraestrutura deixava muito a desejar e o fato de 15 mil pessoas terem comparecido é algo espantoso. A entrada principal era um portão feito com algumas tábuas, muito estreito, onde só era possível passar uma pessoa de cada vez. A bilheteria para a compra dos ingressos ficava ao lado deste portão, em uma pequena casa de tijolos, com os dizeres pintados de forma improvisada de que ali eram vendidos os ingressos e “senhas” (pressupõe-se que seriam credenciais dos dias de hoje) não são fornecidas.

 

   Pela inexistência de infraestrutura, a foto acima é de uma das primeiras corridas em Interlagos, mas não há garantia de ser da 1ª.

 

Apesar da cobrança de ingressos, só pagava quem realmente quisesse. Com um entorno de enormes proporções e um tímida cerca de arame farpado cercando a área, afastar os arames e adentrar o perímetro do circuito não era uma tarefa difícil. Como mencionado, o público foi calculado em 15 mil espectadores, mas a bilheteria vendeu pouco mais de 5 mil entradas. Alem disso, como o montante financeiro não atendeu ao volume de obras inicialmente listadas no projeto (algo que é relativamente comum no Brasil) não haviam “facilidades” para o público, pilotos, mecânicos e organização, com a ausência de arquibancadas, banheiros, locais de venda de comidas e bebidas, boxes, guard rails nas curvas, torre de cronometragem e direção de corrida, local para transmissão do evento e trabalho dos jornalistas, etc. Coisa comum no Brasil daqueles tempos, e com a alegação da Auto-Estradas S.A. de que a verba destinada à construção havia acabado, o autódromo era inaugurado sem que o projeto original tivesse sido concluído.  Apesar de tudo isso, o Autódromo de Interlagos foi aprovado para receber corridas pela autoridade máxima do país, o Automóvel Clube do Brasil.

 

O projeto da pista.

A concepção da pista de Interlagos teve a topografia como uma grande aliada. Louis Sanson observou as cotas mais altas em torno de uma depressão no terreno que tinha um enorme lago em seu centro. Ele criou não apenas um, mas dois traçados. Usando esses pontos de maiores cotas, interligou-os para traçar o seria o circuito externo, com a reta dos boxes, as curvas 1, 2 e 3 (com uma grande reta entre elas), a subida e a curva do Café, onde fechava este traçado que ficou com 3.243 metros. Após a curva 3, foi feita a tomada à esquerda da curva 4 e a construção da parte central da pista, com as curvas da Ferradura e Subida do lago, uma reta oposta a grande reta, seguindo-se as curvas do sol, sargento, laranja, “S”, pinheirinho, bico de pato, mergulho e junção, esta última terminando no anel externo. Como no Brasil havia uma cultura que ainda existe de circuitos mistos, o circuito misto era o circuito principal e o trecho entre a tomada da curva 4 e a saída do mergulho passou a ficar conhecida como “junção”.  Quem estava no anel externo, assistindo as corridas, tinha uma visão de praticamente toda a pista, algo raro mesmo para a época.

 

   As máquinas começaram o autódromo no final dos anos 20/início dos anos 30. Mas problemas internos e externos atrasaram a obra.

 

Àquela época o Automóvel Clube do Brasil era a autoridade brasileira para as competições automobilísticas e eles deram o aval e contribuíram com o projeto que tinha nos trechos do traçado misto curvas que posteriormente os pilotos brasileiros que foram correr no exterior associaram com alguns dos circuitos onde corriam na Europa, mas Interlagos tinha um outro desafio: ao contrário dos principais autódromos europeus, as disputas ocorriam em sentido antihorário. O que com o passar do tempo e o ganho de velocidade tornou-se cada vez mais desgastante para a parte física dos pilotos. No projeto original não havia o túnel, hoje existente e o acesso à parte interna do circuito foi construída uma passarela de madeira, que marcava o local de largada e chegada das provas, sendo também usada como “outdoor” para publicidade. Os carros entravam por um portão e cruzavam a pista até a área onde, posteriormente, foram construídos os primeiros boxes.

 

Interlagos tinha alguns desafios ‘suis-generis’. Depois do ponto de largada, na época era pouco antes da curva 1, o trecho entre as curvas 1 e 2, assim como o início da grande reta havia um bosque de eucaliptos e como não havia guard rails, não havia nenhuma proteção que impedisse um choque no caso de uma saída da pista.  Até o ponto onde o traçado interno e o externo se bifurcavam, tudo era feito praticamente em aceleração plena. Era o trecho de alta velocidade.

 

   Com um terreno de mais de 1 milhão de m2, Interlagos tinha um zelador, que morava em uma casa perto dos lagos.

 

Pelo circuito interno, após a curva 4, uma pequena reta até chegar à Curva da Ferradura, dando início ao trecho de média velocidade. E que, durante as primeiras décadas veio a ter algo pitoresco: uma residência bem próximo à pista, onde morava o Sr. Pedro Ramos Rodrigues, conhecido como ‘Seu Pedrinho’, construída nos anos 50 e que ficou lá até o final dos anos 60. O trecho de chamada média velocidade ia desde a saída da curva 4 até a forte freada para a curva do sargento, que recebeu este nome em homenagem a um militar com essa graduação que ali morreu atropelado.

 

Alí começava o trecho de baixa velocidade e uma sequência de curvas. Assim que a Curva do Sargento era contornada, se chegava à subida da Curva do Laranja, versão da época para denominar os pilotos que não conseguiam contorná-la com o pé no fundo do acelerador. O termo era para quem “não era piloto de verdade”.  A Curva do S, de baixa velocidade, emendava na Curva do Pinheirinho que tinha esse nome devido a um par de pinheiros que ali existiam, ao lado da pista, na parte interna, de onde se seguia para uma curva que primeiro foi chamada de Curva do Cotovelo, vindo depois a se chamar Bico de Pato, pelo seu formato mesmo, parecido com o bico da ave, a curva mais lenta da pista.

 

   Em um tempo que segurança era palavra desconhecida, às margens da pista haviam eucaliptos e pinheiros, como na curva do pinheirinho.

 

Depois dela, a velocidade aumentava novamente na descida da Curva do Mergulho, porque o carro seguia em direção imaginária ao lago, seguia uma reta curta até a Curva da Junção (porque ela ficava na interseção como circuito externo). Ali começava o trecho de alta velocidade, que na época não era tanta devido a potência dos motores que precisavam enfrentar uma subida até a Curva do Café, também chamada por alguns como a Curva da Vitória, por ser a última antes da Reta dos Boxes, onde se completava uma volta.

 

As corridas e o desenvolvimento do automobilismo brasileiro.

Interlagos foi inaugurado em uma época muito difícil no mundo: em meio a segunda guerra mundial, o maior conflito armado da história da humanidade. Naquela época o Brasil não produzia uma gota sequer de petróleo. Era um país essencialmente rural e praticamente tudo que era produto industrializado era importado, como o combustível (gasolina, pouco se usava óleo diesel, que também era importado, querosene, betume para asfalto, etc). No início dos anos 40, para manter o automobilismo em atividade os pilotos da época, que tinha em Chico Landi deu maior expoente, chegaram a fazer corridas e torneios com os carros movidos a uma coisa chamada gasogênio, que era quase um carro “movido a lenha” e que nas minhas pesquisas encontrei um excelente artigo no nosso site.

 

   Nos anos 40, com falta de combustível, era preciso improvisar. Chico Landi e outros pilotos corriam com carros movidos a gasogênio.

 

Com o final do conflito armado e a consequente reorganização do comercio global, com os Estados Unidos da América se tornando o país de maior poderio econômico e industrial, as relações com os americanos começou a ampliar as possibilidades no Brasil com a importação de veículos e um dos atrativos para se vender um carro era fazer ele ser um vencedor nas pistas e as corridas começaram a ficar mais frequentes e cada vez mais populares. A cidade de são Paulo crescia na direção de Interlagos e o acesso estava cada vez mais fácil para se chegar no autódromo.

 

Contudo, foi a partir da segunda metade dos anos 50 que o automobilismo tomou um grande impulso graças a visão e a audácia de alguns homens. Entre eles Eloi Gogliano, que foi presidente do Centauro Motor Clube, em São Paulo, e de um radialista, jornalista (em uma época não havia diplomas como nos dias atuais) e “publicitário” (profissão que oficialmente não existia), Wilson Fittipaldi, que trabalhava na Rádio Panamericana e transmitia as corridas. Juntos ele promoveram aquela que – antes da Fórmula 1 chegar ao Brasil – foi a maior corrida de automóveis do país: as Mil Milhas Brasileiras. No rastro desta prova vieram muitas outras corridas de longa duração, como as 24 horas e também as 25 horas de Interlagos, além de corridas de velocidade de 100, 200 e 300 quilômetros, mas sendo a mais famosa e disputada até hoje, os 500 Km de Interlagos, que era feito pelo traçado externo.

 

   Nos anos 50, uma mudança na forma de se fazer automobilismo em São Paulo colocou Interlagos no protagonismo nacional.

 

O sucesso das corridas passaram a levar cada vez mais pessoas para o autódromo e uma nova modalidade de torcedor/espectador, que passou a acampar nos finais de semana dentro do autódromo, que por estar cada vez mais dentro da cidade de São Paulo e com muros relativamente baixos, era facilmente invadido pelos fãs do automobilismo, que aproveitavam as enormes áreas verdes entre os trechos de asfalto para instalar suas barracas e acompanhar seus pilotos e marcas favoritas.

 

O Brasil também começou um processo de transformação nesta época. A eleição de um novo presidente, de sobrenome “nada brasileiro” – Juscelino Kubitschek – e seus projetos de industrialização do país, algumas das maiores montadoras do mundo se instalaram no estado de São Paulo e Interlagos ganhou um novo destino e utilidade: o de campo de provas dessas montadoras, que também incentivavam, quando não participavam diretamente com suas revendedoras e que logo envolveu importadoras a participar de corridas. Afinal, que publicidade melhor para se vender um carro se ele for mais rápido e resistente do que os dos fabricantes e importadores concorrentes?

 

   Com a chegada da indústria automobilística, Interlagos virou campo de provas e disputa para e entre elas. Havia corrida todo domingo.

 

Isso também levou a um novo estágio no automobilismo brasileiro, com alguns dos seus pilotos mais famosos vindo a assinar contratos com essas fabricantes de carros para pilotar seus modelos, fazer publicidade, sair em jornais e revistas, além das entrevistas nas rádios e naquele novo veículo de comunicação qu ganhava cada vez mais espaço: a televisão. As revistas de automóveis da época tinham imensos cadernos sobre competições, recheadas de patrocinadores, como pneus, faróis, lubrificantes, etc. cada vez mais se corria em Interlagos e isso teve um preço alto.

 

Sem a devida manutenção, que todo autódromo requer, em algumas corridas viu-se o mato alto as margens da pista e um asfalto cada vez mais degradado, com buracos e esfarelamento por conta do desgaste que se acumulava. A situação chegou a uma condição crítica e no final de 1967, Interlagos foi fechado para passar por uma grande reforma. Nesta altura, havia uma disputa entre o Automóvel Clube do Brasil e a Confederação Brasileira de Automobilismo, criada em 1961 com o objetivo de cuidar apenas da parte de competições, tendo em Wilson Fittipaidi – que já tinha seu filho mais velho, Wilson, competindo e o mais novo, Emerson, seguindo o mesmo caminho – como um de seus articuladores com um projeto compartilhado por todos que iniciaram o movimento: colocar o Brasil no cenário internacional mais uma vez, algo que o país e o esporte havia perdido com o fim do Grande Prêmio do Rio de Janeiro, disputado nos anos 30 e 40 no circuito urbano da Gávea, de nome assustador: o trampolim do diabo!

 

Interlagos renasce em 1970.

Foram dois anos com o maior autódromo país fechado e isso acabou tendo um efeito positivo, com a construção de alguns autódromos em outras cidades de norte a sul do Brasil. Cidades como Fortaleza, Porto Alegre, Cascavel e Curitiba passaram a ser palcos do automobilismo local juntamente com um autódromo no Rio de janeiro, construído fora da cidade em uma península numa localidade chamada Jacarepaguá.

 

   Interlagos ficou fechado por mais de dois anos para poder passar por uma obra de recuperação e ajuste para um plano ambicioso.

 

O autódromo de Interlagos recebeu um novo asfalto, mas foram construídos boxes em padrão do que existia em alguns autódromos da Europa. As curvas receberam zebras e guard rails. Foi construída uma torre de controle e cronometragem, erguido um alto muro no entorno da pista e uma arquibancada para 20 mil pessoas na reta de largada. Mas o mais importante deste processo era o plano e a possibilidade de colocar o Brasil no mapa mundial do automobilismo.

 

No final da temporada de 1969 Emerson Fittipaldi sagrou-se campeão inglês de Fórmula 3, o mais forte da categoria em todo o mundo e mostrou que o Brasil podia ser não apenas o país do futebol, mas também do automobilismo. A disputa entre o Automóvel Clube do Brasil e a Confederação Brasileira de Automobilismo havia terminado e naquele ano foi eleito para presidência da CBA o publicitário Mauro Salles, importante personagem do automobilismo ao longo da década e um dos diretores da vencedora equipe Willys no Brasil, ele apoiou a ideia do empresário Antônio Carlos Scavone de trazer a Fórmula 1 para o Brasil em dois, no máximo três anos. Para isso, seria necessário promover competições internacionais e a este projeto juntou-se o jornalista Mario Pati, do jornal Diário Popular.

 

   Em 1970 ocorreu um campeonato fe Fórmula Ford, com vários pilotos estrangeiros. Era o primeiro passo para homologar Interlagos.

 

Foi realizado no verão do Brasil, inverno na Europa, no início de 1970, um torneio internacional de Fórmula Ford, com diversos pilotos europeus indo para o Brasil. A etapa final do torneiro, vencido por Emerson Fittipaldi, aconteceu no renovado autódromo, sendo esta a sua reabertura no dia 1° de março de 1970. Evento que levou um público estimado de 30 mil pessoas, tomando por completo a arquibancada construída e mais as pessoas que conseguiram invadir o circuito e acampar durante o final de semana em suas áreas de vegetação.

 

O sucesso do evento se propagou, mas o autódromo de Interlagos precisava de mais obras. Naquele ano foi construído o túnel sobre a reta dos boxes, para que pilotos equipes e seus equipamentos tivessem acesso aos boxes sem precisar cruzar a pista ou usar outros caminhos, como a entrada pelo portão da curva 2, que estava recebendo obras na sua parte externa no que seria o kartódromo, que foi inaugurado no mesmo ano. No final de 1970, um outro problema seria constatado e este seria algo com o que Interlagos é obrigado a lidar até os dias de hoje e que são comuns em grandes eventos de muitos autódromos: os congestionamentos. Para se chegar ou sair de Interlagos, gastar mais de três horas era algo “normal”.

 

     No ano de 1971, mais um passo foi dado com a realização de um evento de Fórmula 2 extra-campeonato. A Fórmula 1 estava perto. 

 

Em 7 de novembro de 1971, trilhando o caminho para homologação junto à FISA (na época o “braço esportivo” da FIA, desde os anos 80 sem separação de siglas) para poder receber a Fórmula 1 e foi realizada uma corrida extra-campeonato de Fórmula 2, parte de um torneio promovido por Antônio Carlos Scavone e sua equipe. Apenas para não fugir a regra, Emerson Fittipaldi foi o vencedor da corrida em são Paulo. Enquanto isso, diversas corridas de Gran Turismo (nem tinham este nome na época) eram disputadas com carros como Porsches, Lolas, Alfa Romeos, Fords, Ferraris, além de protótipos de construção nacional entre outras.

 

O passo seguinte foi conseguir fazer uma corrida de Fórmula 1, ainda que extra-oficial, no Brasil. Isso aconteceu em 30 de março de 1972, estranhamente numa quinta-feira, mas foi a única forma de conciliar datas com os compromissos dos pilotos na Europa e acertar o transporte dos carros de F1 para o velho continente após a corrida. Apenas 11 carros largaram, o campeão do mundo – Jackie Stewart – não veio, mas ainda assim, pelos cálculos da polícia e dos promotores, mais de 60 mil pessoas tomaram o autódromo. Desta vez Fittipaldi não venceu (uma quebra de suspensão tirou-lhe a vitória, que acabou nas mãos de Carlos Reutemann, mas o projeto de colocar o autódromo de Interlagos no mundial de Fórmula 1 tornou-se realidade.

 

      Em uma quinta-feira, no dia 30 de março de 1972, o Brasil recebia sua primeira corrida de F1. Extra-oficial, mas fundamental.

 

Ao longo dos anos seguintes, grandes corridas foram disputadas nos 7.960 do circuito que surpreendeu muitos estrangeiros quando vieram para a primeira corrida oficial, em 1973. Entre eles, Jackie Stewart. Mas Interlagos e o automobilismo brasileiro ganharam uma overdose de empolgação com o título de Emerson Fittipaldi em 1972. Era o mais jovem campeão do mundo, de um país jovem e promissor. As corridas não eram mais apenas em Interlagos, mas ele era a referência para todos.

 

Com o passar dos anos, com um calendário carregado e com pouca ou nenhuma manutenção do autódromo por falta de investimento da prefeitura, que havia passado a ser a proprietária de Interlagos, as coisas começaram a ficar difíceis e depois de um desastroso GP Brasil de Fórmula 1 em 1977, a prefeitura disse para os organizadores, àquela altura uma emissora de televisão, que não tinha dinheiro para reformar o autódromo como o diretor da FOCA (associação de construtores), um senhor chamado Bernard Ecclestone e a FISA exigiam para Interlagos receber a Fórmula 1. O resultado foi a mudança da corrida para o Rio de Janeiro no ano seguinte. Enquanto isso, as categorias nacionais continuavam correndo no autódromo, mesmo com todos os seus problemas.

 

   O público lotava a arquibancada nas corridas nacionais, como a Fórmula Super Vê (foto), além dos campeonatos de turismo.

 

A Fórmula 1 voltou para São Paulo no ano seguinte, nos dois anos seguintes – 1979 e 1980 – após uma série de obras no ano de 1979, a corida transcorreu sem maiores problemas, mas estes voltaram a ocorrer em 1980, com o asfalto sendo o grande vilão contra Interlagos e contra os promotores da corrida no Brasil. Interlagos também precisava de obras estruturais e isso demandaria por parte da prefeitura um grande investimento. A categoria voltava para o Rio de Janeiro onde ficou entre 1981 e 1989.

 

Sem a Fórmula 1 para exigir investimentos e com um automobilismo com diversas categorias correndo os campeonatos nacionais e paulista, a questão de uma nova reforma não tinha apelo. A única mudança de relevância, positiva, ocorrida ao longo dos anos 80, foi a homenagem ao piloto José Carlos Pace, vencedor do GP Brasil de 1975 e falecido em um acidente aéreo em 1977. A partir daquele ano o autódromo passou a receber o seu nome.

 

   O GP Brasil de 1980 foi a melancólica despedida de um Interlagos que carecia de manutenção e segurança para Fórmula 1.

 

Uma nova chance para Interlagos.

Após uma década de poucas obras e atendendo apenas os campeonatos nacionais e de São Paulo, o agora Autódromo José Carlos Pace teria uma chance de recuperar sua grandeza e o maior evento do automobilismo – a Fórmula 1 – mas seriam necessários enormes esforços das pessoas envolvidas com o esporte a motor, com a classe política – que nas últimas duas décadas não havia dado a devida atenção ao autódromo – e no final, um alto preço a ser pago como condição para que tudo acontecesse.

 

   Nos anos 80, sem a F1, Interlagos ficou restrito aos eventos nacionais e regionais, com pouca ou nenhuma manutenção.

 

Após quase uma década de Fórmula 1 no Rio de Janeiro, apesar do sucesso de público, as autoridades não queriam mais investir para manter a corrida. Estando Interlagos sem condições de promover a Fórmula 1 pelas condições da pista, no final da temporada de 1989, Bernie Ecclestone, cada vez mais poderoso com a FOCA, ligou para o, eleito pouco tempo antes, Piero Gancia, um piloto histórico do Brasil e de grande reputação no automobilismo mundial, para avisar que o GP Brasil de Fórmula 1 corria o sério risco de sair do campeonato se algo não fosse feito.

 

Piero Gancia procurou a prefeita da cidade de São Paulo, Sra. Luiza Erundina, do Partido dos Trabalhadores, socialista, para tentar sensibilizar a mandatária e promover uma reforma de grande custo, mas que traria a Fórmula 1 de volta para São Paulo. A Prefeita tinha dentro da administração e do partido uma forte oposição, com propostas de demolir o autódromo para construção de habitações populares. Contudo, convencida da importância da Fórmula 1 e de Interlagos, ela decidiu por levar adiante os planos de uma reforma que mudaria Interlagos para sempre.

 

   Piero Gancia e Luiza Erundina. Ao fundo, a proposta do administrador do autódromo, Chico Rosa, vetada por Bernie Ecclestone.

 

Foram apresentadas algumas propostas, mas Bernie Ecclestone, além de querer a Fórmula 1 novamente em São Paulo, queria eliminar a possibilidade de ver a Cart vir correr no Brasil. A categoria norte americana de monopostos que crescia em sucesso enormemente e que tinha em Emerson Fittipaldi, um piloto de São Paulo, entre suas maiores estrelas, poderia promover uma corrida pelo traçado externo, com quase 2 milhas de extensão. Com isso, as ideias do então administrador do autódromo, Sr. Francisco Rosa, que acompanhou Emerson Fittipaldi e José Carlos Pace no início de suas carreiras na Europa foram recusadas.

 

O tempo corria contra Interlagos e então, o então piloto mais popular do Brasil, Ayrton Senna, apresentou um plano de mudança que encurtaria o traçado a praticamente metade da distância da época e inviabilizava o uso do traçado externo, criando uma curva após a reta dos boxes que descia em “S” para a curva do sol, invertendo o sentido da Reta oposta e da subida do lago, que passava a ser descida e esta seria ligada a curva do laranja. Com essa configuração, o traçado era encurtado para 4.325 metros, algo que era considerado bom para a Fórmula 1. A nova curva ganhou o nome de “S do Senna”, que na opinião de muitos automobilistas, foi o responsável por inutilizar o autódromo de Interlagos, um circuito onde ele jamais correu em seu traçado original.

 

   Com as más intenções de Bernie Ecclestone e com a proposte e orientação de Ayrton Senna, Interlagos seria transformado.

 

As obras foram feitas com grande rapidez. Junto com as alterações na pista, foram construídos 23 novos boxes, uma nova sala de imprensa, sala para fotógrafos, torre de cronometragem e de direção de prova, um moderno centro médico e instalações de apoio para as equipes e prestadores de serviço. Assim, tudo ficou pronto para que na penúltima semana do mês de março de 1990 o Brasil recebesse novamente em São Paulo a Fórmula 1.

 

Novas obras foram sendo feitas ao longo da década e durante anos havia grandes queixas dos pilotos em relação as ondulações no asfalto, especialmente no final da reta dos boxes. Um problema que persistiu por quase 20 anos. Mesmo tendo a pista sido recapeada no início de 2000. Neste ano também foi feita uma alteração na curva após o mergulho, o que encurtou o traçado para seus atuais 4.309 metros de extensão.  Em 2002, algumas caixas de brita foram asfaltadas, como no “S do Senna”, na Curva do Lago e na Curva do Laranjinha (que perdeu seu nome original com o novo traçado).

 

   Com uma pista mais curta e com obras constantes, Interlagos tem se mantido com a graduação FIA1 e recebendo a Fórmula 1.

 

Com a FIA ficando cada vez mais exigente, o autódromo de Interlagos tem sido obrigado a passar por reformas ou obras de adequação todos os anos, deixando-o fechado para as competições por dois ou três meses antes do GP Brasil de Fórmula 1, que no ano de 2004 saiu do início do calendário e passou para a parte final, tendo ocorrido na última década no mês de novembro e sido palco, algumas vezes, da decisão do campeonato.

 

Foi apenas em 2007, com a contratação de uma empresa realmente especializada em asfalto para autódromos que a pista foi refeita e conseguiram resolver os problemas de ondulações e desníveis, que eram queixa constante dos pilotos, recebendo um asfalto com uma tecnologia que nunca havia sido usada no Brasil. Além disso, foram feitas novas obras nos boxes com aumento dos mesmos e a instalação de dutos de drenagem, além de uma entrada nova. Na Curva do Mergulho, uma área de escape, mais segura, foi construída, assim como de arquibancadas fixas e cobertas na Reta dos Boxes, que aumentaram a capacidade para 25 mil torcedores, com banheiros e salas multiuso na parte de baixo.

 

Em 2008 foi feita a construção de mais um outro módulo de arquibancadas fixas para mais 10 mil espectadores, além da cobertura em definitivo da área do Paddock, a construção de um novo hospital, dentro dos padrões exigidos pela Formula 1 e construção de 2 áreas , com 5.000 metros quadrados, para abrigar os HCs. Em 2009 foram feitas reformas de infraestrutura em vários pontos de Interlagos e a alteração do muro na curva do café, com o objetivo de oferecer mais segurança aos pilotos.

 

   Além da F1, Interlagos recebeu outras competições internacionais, como o WEC, entre 2012 e 2014.

 

Em 2011 foi feita uma chicane na curva do café, apenas para atender algumas categorias nacionais após a morte de um piloto na categoria de turismo light da stock car. Esta chicane foi alterada em 2017 quando o autódromo passou por mais uma série de obras  

 

Essas obras constantes, tendo sido a mais recente uma sére de alterações com a construção de uma nova chicane para as categorias nacionais na curva do Café, uma nova e mais lenta entrada para os boxes, uma nova estrutura de apoio para as equipes e uma revitalização do Paddock, a construção de um novo prédio para instalação do controle de prova e por último a demolição e reconstrução dos boxes entre 2016 e 2019 se por um lado atendeu as exigências da FIA enfureceu os automobilistas locais, que protestavam contra o fechamento para obras que eles consideravam desnecessárias. No caso dos boxes, o principal objetivo era aumentar a altura dos mesmos em pouco mais de meio metro.

 

   Completando 80 anos de vida e velocidade, Interlagos é o motor de uma paixão que os brasileiros tem pelo automobilismo.

 

Interlagos chega aos 80 anos com uma cara moderna, uma pista que apesar de não ter os mesmos desafios de seu desenho original ainda é um dos melhores locais de corridas do calendário da Fórmula 1, sempre apresentando corridas emocionantes que, acredito, seja o mesmo para as categorias nacionais que correm seus campeonatos em um lugar que seus admiradores mais antigos chamam de “Templo”. Encravado no meio de uma metrópole com mais de 15 milhões de habitantes, Interlagos é único e apesar das ameaças quem sabe, meus filhos (que ainda não tenho) possam escrever um outro artigo sobre os 100, os 120 ou os 150 anos de Interlagos.

 

Auf Wiedersehen,

 

Ian Möller

  
Last Updated ( Sunday, 02 February 2020 22:47 )