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Entrevista: Tamas Rohonyi PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Sunday, 28 July 2019 23:14

Quando se fala em F1 no Brasil é impossível dissociar o nome de Tamas Rohonyi da maior competição automobilística do planeta. Nos anos 80 ele chegou a promover 20% das corridas do calendário do campeonato e se tem algo que este Brasileiro (ele se assume como brasileiro) nascido na Hungria tem quase meio século de história de velocidade e bastidores para contar.

 

Fomos recebidos no escritório da Interpub, com uma bela vista do rio Pinheiros e ele nos recebeu acompanhado do diretor de imprensa do GP Brasil, o jornalista Castilho de Andrade. Extremamente simpático e aberto, Tamas Rohonyi apresentou-se como uma pessoa muito simples (e assim o foi), que, segundo ele, alguns dizem ser humilde, que tem como hobby produzir café no interior de São Paulo em uma micro fazenda cujo a produção é suficiente para dar café para os amigos e também por gostar de charutos cubanos, que fumo uma vez por semana acompanhado de amigos.

 

Dono de uma bela biblioteca, Tamas confessou ser um assíduo leitor e gostar muito de história militar, que ensina uma série de coisas aplicáveis à Fórmula 1.

 

Estando no Brasil há mais de 50 anos, como dissemos no início, Tamas se considera mais brasileiro do que húngaro, pais onde cresceu, formou-se, casou-se, teve filhos (que já lhe deram netos).

 

Promotor da Fórmula 1 no Brasil desde os anos 70, acumulou um vasto conhecimento sobre como funcionam as coisas para se fazer um evento de sucesso neste competitivo meio, tendo sido, inclusive, promotor do evento em seu país natal, a Hungria, e em Portugal, quando nosso país-irmão recebeu a categoria entre os anos 80 e 90.

 

NdG: Como foi que você entrou neste meio do automobilismo?

 

Tamas Rohonyi: Foi quase uma coincidência. Eu trabalhava na Goodyear, a fabricante de pneus e que também era fornecedora de pneus para a Fórmula 1 quando a F1 veio pela primeira vez para o Brasil e eu conheci o Bernie Ecclestone. Ele era presidente da equipe Brabham, como todo mundo sabe e eu fiquei amigo do Bernie e por uma serie de motivos, quando foi 1977 ele pediu para alguém montar uma promotora no Brasil e isso foi a época em que a TV Globo reassumiu a corrida depois de três anos com a Bandeirantes. Ele perguntou para mim se eu gostaria de ser o promotor da corrida no Brasil e eu disse que não sabia o que era ser promotor de um grande prêmio. Ele disse que também não tinha muita certeza, mas que eu ia fazendo e ia aprendendo, que ele ia ajudando. Algo tipicamente Bernie Ecclestone.

 

No Brasil não existia e até hoje não existe uma organização esportiva capaz, competente, para organizar uma grande evento internacional.

 

De fato, a organização de uma corrida na época era muito mais simples, muito mais primitiva do que hoje. Então eu montei esta empresa, que tinha dois funcionários, que hoje tem 28, e comecei a trabalhar com isso. O Bernie me ajudou muito, mesmo sendo uma coisa totalmente diferente e muito mais simples do que é hoje. A primeira coisa que eu aprendi e que é muito importante para o resto da história é que no Brasil não existia e até hoje não existe uma organização esportiva nacional capaz, competente, para organizar uma grande evento internacional. Isso não é crítica a CBA, cujo os presidentes, desde o primeiro que eu conheci, Charles Naccache, tornaram-se amigos. É um fato histórico e também mostra que o automobilismo brasileiro é uma coisa extremamente básica e até primitiva. Apesar de grandes pilotos que produzimos ao longo destes anos todos, apesar de uma indústria automobilística importante, se compararmos o automobilismo brasileiro ao italiano, inglês, francês, alemão, não temos nada! Hoje nós temos, nesses anos todos, anos gloriosos que começaram com o campeonato mundial que o Emerson [Fittipaldi] ganhou, nós temos, talvez, uma categoria que seja razoavelmente organizada que é a Stock Car. Fora disso temos o quê? Temos categoria monomarcas, que são mais voltadas para “gentleman drivers”, como é o caso da Porsche ou as categorias que correm em Mogi-Guaçu, mas não temos um automobilismo amplo, organizado e portanto também não temos organizações esportivas que possam conduzir esses eventos dentro do platamar da FIA. Essa foi a tarefa que eu acho que executei razoavelmente ao longo destes anos, de montar toda a estrutura necessária para realizar uma etapa do campeonato mundial de Fórmula 1. Essa é a questão básica.

 

NdG: São praticamente quatro décadas de envolvimento e, a nível de Brasil, não existia nada. A nível de mundo, Como era e como você viu a evolução deste processo ao longo destas décadas?

 

Tamas Rohonyi: É uma pergunta que sou obrigado a responder honestamente. Eu diria que a nossa organização, a nível mundial, está entre as melhores. Tanto que ganhamos duas vezes o troféu do melhor GP da temporada. Então, talvez essa desvantagem de não existir uma organização nacional para promover grandes eventos fez com a nossa organização se tornasse muito eficiente e extremamente profissional. Isso tem um custo elevado. Nosso pessoal viaja o mundo inteiro buscando coisas novas, novas tecnologias, busca aprender com outros promotores... as vezes aprende, as vezes não, mas o importante é aprender a fazer o que é certo. Então, este trabalho tem custos de aprendizagem, de desenvolvimento tecnológico, o que faz da nossa organização uma das melhores. Tanto é verdade que o GP de Portugal que fizemos durante 10 anos e levamos para lá assim como foi toda nossa equipe para fazer o GP da Hungria. Depois de 3 anos foi que o GP de lá passou para uma empresa local.

 

NdG: Aqui no Brasil você promoveu corridas tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. Como funcionava a relação com as autoridades governamentais nestes dois estados? No caso de Jacarepaguá, de uma forma mais específica, como era fazer o GP no Rio?

 

Tamas Rohonyi: Dizem os chineses que você tem que estudar a história para entender o futuro. Winston Churchill também falou isso. Certa vez perguntaram a ele como ele conseguia prever futuros acontecimentos e ele respondeu: “Eu estudo história”. No presente caso, desta pequena confusão que se criou recentemente entre o futuro do GP Brasil, se no Rio ou em São Paulo, me deixa bem tranquilo para falar sobre o assunto. Neste caso, quando das corridas no Rio, era outra época. Mas a diferença, a evolução da F1 desde 1990 pra cá foi uma coisa astronômica, mais ou menos como aconteceu com outras tecnologias. Não foi uma evolução linear, foi um salto enorme.

 

Nossa empresa está entre melhores do mundo, tanto que ganhamos duas vezes o troféu do melhor GP da temporada.

 

As primeiras corridas da F1 no Brasil aconteceram em São Paulo. Nos dois primeiros anos da corrida em São Paulo, quem organizou a corrida foi uma empresa ligada à TV Globo. Depois, por decisão interna, a Globo desistiu e o evento passou para a Bandeirantes. Se vocês olharem na internet, tem esses filmes era muito gozado, com o pessoal de shorts, mecânicos de chinelo, público sentado do lado da pista, era outra época, uma época heroica. O prefeito de São Paulo na época era o Dr. Reinaldo de Barros e ele, depois de algumas corridas, chamou o Bernie Ecclestone e disse que ele não tinha dinheiro para fazer a mínima manutenção em Interlagos. E precisava fazer uma série de coisas. A pista era muito acidentada, precisava de reformas e o Bernie disse que não tinha como convencer as equipes a correr em São Paulo com a pista naquelas condições que se viu em 1977. Vocês devem lembrar daquela sequência de batidas dos carros na curva 3, no final da reta... o asfalto soltando... não tinha jeito. O Bernie agradeceu pela franqueza e o Dr. Reinaldo foi muito honesto. O presidente da CBA, na época era o Charles Naccache, já falecido, um bom amigo e uma excelente figura humana, falou que o Rio de Janeiro tinha um autódromo. Que não era como Interlagos, mas que, quem sabe, poderia receber a F1. Ele foi falar como o prefeito e ficou a intenção de levar a corrida para o Rio de Janeiro.

O autódromo não era grande coisa, não. Tinha uma arquibancada grande, construída em aço, mas sem assentos. Eram pranchões de madeira, coisa tipo anos 50/60. Mas o Bernie precisava do GP Brasil. Era a época da batalha entre ele, presidente da FOCA, a associação de construtores e Jean Marie Ballestre, presidente da FISA, hoje FIA. E o que ele não queria era perder o GP de um lugar que era um aliado dele, pela amizade que ele tinha com o Charles Naccache. Foi quando ele me pediu para organizar o GP e disse que ia me ajudar. O Bernie passava meses no Rio e me ajudava para podermos fazer as coisas. Se você olhar os filmes da época, os boxes eram pequenos, não tinha como fechar e se pulava os muros para roubar peças, era gozado. A sala de imprensa tinha 50 metros quadrados e um ar condicionado daqueles de janela, que mantinha a temperatura em torno dos 50° (Castilho de Andrade, Diretor de Imprensa já naquela época, deu uma gargalhada) e tínhamos que fornecer 5 máquinas de escrever manuais e tinha uma salinha de telex. Pouca gente sabe disso. O falecido e saudoso Sid Watkins já era o médico da F1 e ele disse que era preciso montar um ambulatório e foi montado num container. Não tinha carro médico. Pedimos emprestado um Mercedes Benz a um amigo para o Sid usar na corrida. Na sexta-feira tinha uma faxineira passando o pano pra limpar as coisas. As mecânicos de short e camiseta, não tinha onde comer, comíamos um hot dog... eram realmente outros tempos.

Mas porque não houve evolução técnica nos 10 anos que ficamos no Rio? Tudo continuava do mesmo jeito e nós fizemos o melhor possível. O público achava tudo fantástico. Teve um espectador que morreu, caiu lá da arquibancada, coitado, a tábua onde ele estava cedeu. Castilho [de Andrade] um dia vai escrever um livro contando essas histórias todas. Ainda tinha o roubo dos cabos telefônicos pelos vizinhos da favela (comunidade, desculpe), que a empresa, Telerj, colocava de dia e eles roubavam a noite. Aí o gerente da Telerj foi lá na comunidade falar com as pessoas e perguntou quanto eles ganhavam com a venda do cabo. Era uns 30 cruzeiros, cruzados, não lembro o dinheiro, e ele disse que pagava, só para eles pararem de roubar o cabo (risos).

Mas era uma época muito boa, muito gozada, a gente fazia a festa do Miss GP, que é outro capítulo do livro do Castilho, os pilotos todos tinham namoradas cariocas, ficavam na praia... foram bons tempos, essa parte era muito legal. Mas aí aconteceu a mesma coisa que tinha acontecido em São Paulo e o prefeito da época disse que não tinha mais dinheiro para manter o autódromo. Agora eu quero enfatizar algo que eu falo há 30 anos: o que custa para a prefeitura X ou Y, como é o caso de São Paulo, que eles falam que são 30 milhões, não é por causa do GP, é por causa da manutenção do autódromo o ano todo. Todo mundo usa, tem corrida de muitas coisas, tem shows, outras coisas, aí dois meses antes fazem uma reforma e são 30 milhões para a F1. Aí o prefeito do Rio deu na mão do Bernie as chaves do autódromo do Rio. “Toma, pode cuidar, o autódromo é seu”. O Bernie, claro, não aceitou. Ofereceram o autódromo pra TV Globo, que também não quis. Ninguém quer autódromo. Autódromo é deficitário por definição. O teatro municipal é deficitário por definição. Não tem como ou porque aquilo dar dinheiro. É um bem, um patrimônio da cidade, fazer parte da agenda cultural ou esportiva da cidade e quem quer mantém, quem não quer, paciência.

 

O prefeito do Rio deu na mão do Bernie as chaves do autódromo do Rio. “Toma, pode cuidar, é seu”. O Bernie, claro, não aceitou.

 

O presidente da CBA era agora Piero Gancia e ele foi procurar a prefeita de São Paulo, Luiza Erundina. Ele falou para ela que precisava trazer a F1 de volta para São Paulo, caso contrário, o Brasil ia perder a F1. Ela foi muito legal, disse que a F1 pertencia a São Paulo e eu lembro do que ela falou: “São Paulo é uma cidade forte e merece a F1. Eu vou fazer o que tem que ser feito”. Aí o Bernie veio e gostou muito da Luiza. Tem coisas que, curiosamente são do Bernie dele gostar ou não das pessoas e ele gostou imediatamente da Luiza, mas ele foi muito direto com ela e disse que era preciso fazer uma reforma no autódromo, que não tinha a menor condição de receber a F1. Ela disse que faria o que tivesse que ser feito, era só ele dizer. Bernie pegou Ayrton [Senna] e foram para o autódromo, olharam a pista e era um autódromo totalmente ultrapassado, porque levava muito tempo cada volta e o público ficava esperando muito e aí vieram as ideias e o “S do Senna”. Foi uma ideia do Ayrton e era uma solução bastante ousada e o Bernie tinha medo de recomendar aquilo e o Ayrton disse: “faz. Vai ficar muito legal”. Foi feito então o projeto da reforma e a prefeitura contratou uma empresa de engenharia que trabalhava com a prefeitura de São Paulo, mas grande parte da verba veio da Shell. A Shell fez um acordo com a Luiza em que ela receberia 5 ou 6 terrenos para fazer postos, em contrapartida eles pagariam grande parte da reforma. De fato, pagaram e nunca receberam os terrenos, mas isso faz parte da história corporativa do Brasil e acho que a Shell nunca foi brigar por isso. Essa é a história e foi então que surgiu a necessidade de montar uma estrutura vertical, porque no Rio ainda usávamos uma parte esportiva do Rio Motor Racing Club, que eram bastante competentes e organizavam corridas no Rio de Janeiro. Seu presidente era o Sr. Amadeu Girão, um português que era especialista, o Mihaly Hidasy, que foi diretor aqui em São Paulo e na Hungria. Nos primeiros dois anos eu ainda convidei o Rio Motor Racing Club para fazer o evento em São Paulo, mas foi uma experiência muito ruim. Eles não tinha o conhecimento e o entrosamento com as coisas da cidade e então comecei a montar a nossa própria estrutura esportiva que fazemos até hoje.

 

Também, pela primeira vez na história de operação de autódromos, eu fiz algo que depois, em poucos autódromos foi feito, nós montamos um departamento de engenharia e o modelo do que fizemos o Bernie depois montou um departamento na empresa dele, literalmente copiando o que fizemos aqui. Nesse processo de verticalização nós fazemos a preparação do autódromo, a parte de telecomunicação, desenhamos e produzimos os ingressos, montamos a sala de imprensa, serviço, médico, absolutamente tudo que entra no escopo da organização do GP é feito por nós. É uma propriedade intelectual nossa, um knowhow da nossa empresa. Graças a esta boa reputação do GP Brasil, quando novas provas entraram no calendário, muitas vezes as equipes de trabalho de outros países vieram para cá aprender. Os mexicanos vieram, os húngaros, chineses, buscando ver como nós fazíamos o GP. Essa foi a história de como o GP Brasil saiu de São Paulo, foi para o Rio de Janeiro e voltou para São Paulo.

 

NdG: Pedimos para fazer um parênteses e perguntar-lhe sobre o projeto de reforma. Haviam outros, apresentados pelo Chico Rosa, um do Chico Lameirão... o senhor chegou a vê-los? Sabe se o Bernie chegou a vê-los?

 

Tamas Rohonyi: Sendo honesto com vocês, não poderia eu dizer nada sobre algo que não entendo que é opinar sobre traçado de autódromo. Essa pergunta é de grande importância. Eu ouvi falar de outros projetos e sempre surgem colocações de pessoas que se apresentam como grandes entendedores do assunto. Era preciso fazer um traçado que fosse seguro, mais curto e que não tivesse um grande custo. Os boxes não foram modificados inicialmente. Não tinha como inventar muita coisa porque não tinha dinheiro. Entendam, nós não queremos desmerecer o traçado antigo de Interlagos, mas era preciso mudar e procurou-se reduzir a pista para pouco mais de 4.000 metros e manter o traçado seguro... e isso foi conseguido. Esse foi o primeiro aspecto. O segundo eu vou dizer o que disse o Sr. Ron Dennis, um grande amigo meu. Ele disse: “Para mim só existem 3 traçados de pista bons no mundo... Silverstone, Spa e Interlagos”. Isso numa época que começaram a surgir esses ‘autódromos sintéticos’ do Herman Tilke, que são uma porcaria. São obras arquitetônicas para enaltecer a si mesmo (Nota do NdG: o entrevistador lembrou o entrevistado que tudo estava sendo gravado e que era nossa praxe colocar, textualmente, o que o entrevistado falou. Tamas respondeu: “manda bala”! No entanto, a redação preferiu adorar o “porcaria” no lugar do adjetivo original). Acho que o Ron Dennis sabe de alguma coisa ou outra. Tanto é verdade que se você pega as últimas 10, 15, 20 provas, nunca tivemos uma prova chata. Tanto é que a maior audiência de televisão, mundialmente, do campeonato é o GP Brasil. Vocês sabiam disso?

 

NdG: Não...

 

O “S do Senna”. Foi uma ideia do Ayrton, bastante ousada e o Bernie tinha medo de fazer e o Ayrton disse: “faz. Vai ficar muito legal”.

 

Tamas Rohonyi: Não é porque tem uma coisa mágica, é porque o fã de F1 que assiste televisão sabe que vai ser uma prova fantástica e chegaram a conclusão que um traçado bom e que proporciona grandes corridas é que leva audiência para a televisão. Além disso, Interlagos tem sempre a possibilidade de ter alguma chuva no meio da corrida e a corrida mudar totalmente. Quantas vezes o campeonato foi decidido aqui, a diferença de altura entre o ponto mais alto e o mais baixo, ser um dos poucos no sentido anti horário... uma série de coisas. Tinham ideias melhores? Talvez. Talvez você tivesse uma ideia melhor, mas isso seria uma conversa inútil. Interlagos como é hoje é um excelente autódromo e continuará sendo, cada vez melhor. Quem jantou comigo na semana passada foi o ex-prefeito, Gilberto Kassab. Tornei-me seu admirador quando ele, que é engenheiro, supervisionou pessoalmente a grande obra do asfalto. Ele estava lá 1 vez por semana. Tivemos total colaboração de todos os prefeitos desde a Luiza Erundina, que é uma grande figura humana, uma grande mulher e que convidamos todos os anos para o GP. Depois veio Paulo Maluf, Celso Pitta, José Serra, Marta Suplicy, Gilberto Kassab, Fernando Haddad, João Dória e Bruno Covas. Todos, sem exceção, reconhecem a importância do GP Brasil para a cidade. Agora, com a última reforma, que está em sua 3ª fase, com a ampliação e reconstrução dos boxes, Interlagos terá o nível de ser um dos melhores autódromos do mundo. Não é Abu Dhabi, mas eu vou dizer uma coisa: toda vez que um jovem piloto chega em Interlagos ele sente algo diferente. Ele olha tudo e fica arrepiado. Ele sabe que o Niki Lauda correu ali, que o Jackie Stewart, o Emerson Fittipaldi correram ali. Pergunte para um cantor de ópera o que é cantar no Scala de Milão... ele vai dizer que não dorme uma semana! É outra história. Interlagos tem uma importância histórica na F1 que o Rio não conseguiu ter. O Rio de Janeiro é uma cidade maravilhosa, com suas praias, seu turismo, com as meninas de biquíni, mas não teve aquela ligação com a F1.

 

NdG: Um autódromo para receber a F1 precisa ter um padrão diferenciado e isso gera reclamações dos que fazem o automobilismo local, com o tempo em que o autódromo fica fechado para obras. Um tempo atrás houve uma reunião de um grupo e você estava lá para falar sobre obras e tempo. Ainda se conversa sobre isso?

 

Tamas Rohonyi: No ano passado, 2018, surgiu novamente esta reclamação das categorias então, o Sr. Vitor Aly, secretario municipal de obras de São Paulo, convocou uma reunião em Interlagos. Eu falei para me apresentarem um calendário e eu vejo como arrumar as obras dentro do calendário. Nunca apresentaram... nunca! Então eles reclamam sem para porque acham que... você conhece o que é a “síndrome de banheiro público”?

 

NdG: Não...

 

Tamas Rohonyi: “Síndrome de banheiro público” é: que esteja lá quando eu quero! Só que as coisas não são assim. Então eles dizem: “eu quero que esteja lá”, mas não vai estar. Este ano faz uns 15 anos quando veio falar comigo dois amigos que operam eventos em Interlagos. Permita-me não revelar os nomes. Eles vieram com essa história de novo, que o autódromo ia fechar e que o evento deles não tinha data... eu disse para eles que se não fosse a F1, Interlagos hoje seria uma pista de terra. Sabe o que eu ouvi? “Para mim está bom”! Vocês acham que essas pessoas estão preocupadas se tem sala de imprensa, se tem uma torre como a atual, se a pista tem ‘bumps’, se os guard rails estão soltos... paciência. Não é assim que as coisas funcionam. Enquanto quisermos ter um autódromo com a licença nível 1 da FIA tem que ter uma manutenção e uma vistoria minuciosa. Quando isso não acontece, dá um problema como o que deu em Baku esse ano, quando levantou a tampa do bueiro. Se ainda fosse o falecido Charles Whiting o diretor de provas, não teria acontecido, porque ele andava o autódromo todo a pé, duas, três vezes, olhando tudo, ele teria visto e mandado arrumar. Quando nosso pessoal da engenharia vai fazer vistoria, olha guard rail parafuso por parafuso. Essa filosofia, no automobilismo e motociclismo nacional não existem e o resultado é que tem gente sofrendo acidentes gravíssimos. Os olhos da FIA isso é inaceitável.

 

NdG: Você foi o organizador dos primeiros GP de F1 na Hungria, que na época era um país em regime comunista, uma realidade bastante distinta em relação aos países das outras etapas. Como foi fazer o trabalho lá? Houve questionamentos? Dificuldades? Como era fazer um evento “tão capitalista” em um país comunista?

 

Eu disse para eles que se não fosse a F1, Interlagos hoje seria uma pista de terra. Sabe o que eu ouvi? “Para mim está bom”!

 

Tamas Rohonyi: Vocês vão ficar muito chocados com a resposta... foi a coisa mais fácil do mundo! (risos gerais) Eu vou dizer porque. Quem se dedica um pouco a estudar a organização de um grande prêmio, sem se prender as questões comerciais e de marketing, a realização de um GP é, essencialmente, uma operação militar. Se vocês quiserem, posso, outro dia, mostrar como acontece este processo de organização envolvendo tudo que diz respeito a um GP. Assim, sendo uma operação militar, isso foi muito fácil de ser feito. Nós não tínhamos que fazer quase nada. Chegou lá um ministro e eu dizia que precisava disso e daquilo, ele virava para o secretario e mandava fazer. Tinha tudo! E tinha, principalmente, um comando central e quando o “homem lá de cima” disse: “faça acontecer”, todo mundo dizia: “sim senhor”! E iam fazer, iam trabalhar. Não tinha conversa. Não tinha discussão de vereador contestando bobagens. Eles tinham o que fazer e fizeram. Foi a coisa mais fácil do mundo.

 

NdG: Vocês ainda são uma referência para eles, eles buscam informações com a Interpub?

 

Tamas Rohonyi: O trabalho que dá é montar o sistema. Depois de montado o sistema o processo é simples, anda praticamente sozinho. Todos sabem o que fazer. Por exemplo. Eu não preciso falar todo dia com o Castilho [de Andrade] sobre o que tem que ser feito na parte de imprensa. A gente fala de cavalos, de café, de mulher, de outras coisas. Ele sabe, ele tem um histórico. A quantos anos você está aqui, Castilho?

 

Castilho de Andrade: Como diretor de imprensa aqui na empresa, 13, mas na F1 tem uns 50. Desde o início, com o Emerson.

 

Tamas Rohonyi: Ele montou um sistema, uma organização e o sistema funciona. Desde que encaixe dentro do total, não tem o que mexer. Todos os que estão aqui na empresa sabem exatamente o que fazer. É como um pequeno governo. Tendo uma equipe funcionando, não precisa ficar falando o que eles tem que fazer. As vezes as pessoas perguntam o que é que eu faço o ano todo. Eu digo que fumo charutos!

 

Nenhum país que tem GP de F1 tem, por exemplo, um departamento de coordenação de frequências de rádio. Qualquer um vai se perguntar: mas do que ele está falando? É simples. As frequências que as equipes usam pelo mundo não podem ser usadas no Brasil, porque são frequências das forças armadas, o autódromo está perto do aeroporto, então tem frequências que eles usam, então há uma série de restrições de frequências de rádio. Então, agora em julho, uma pessoa da nossa equipe está indo para a Europa, encontrar equipe por equipe para fazer o levantamento das frequências de rádio que eles estão usando, incluindo organização, torre, medial car. Ele volta com as frequências e vai para a Anatel, ter reunião e apresentar as frequências. De um ano para outro não costuma mudar, mas se houver alguma frequência que a Anatel disser que não se pode usar, eles pedem para substituir por uma outra frequência que eles aprovam e informam. É um trabalho importante, que tem que ser feito com antecedência e quando as equipes chegam no Brasil, tudo está funcionando. Este é um dos muitos detalhes que as pessoas não fazem ideia que existem e que mostra como é complexo fazer um GP de F1, o que vai nos levar a toda esta polêmica recente que está sendo feita em torno do GP Brasil.

 

NdG: Antes de entramos neste assunto, além da Hungria você organizou o GP de Portugal nos anos 80 e 90. Como era fazer o GP luso em relação aos desafios de se fazer o nosso e o que fez com que eles perdessem a corrida?

 

A realização de um GP é, essencialmente, uma operação militar. Fazer o GP da Hungria, um país comunista, foi o mais fácil do mundo.

 

Tamas Rohonyi: O autódromo pertencia, naquela época, a uma Sra. Chamada Fernanda Pires da Silva. Uma pessoa muito interessante e que tinha uma grande construtora e antes da revolução portuguesa ela se refugiou no Brasil, casou-se com um senador brasileiro. Anos depois, com outra situação política, ela voltou e reassumiu a propriedade toda, que incluía um hotel, e o presidente do Automóvel Clube de Portugal à época era um Sr. muito bacana chamado Cesar Torres. Ele era ex-piloto de Rally, muito conhecido, e vice presidente da FIA. É preciso acrescentar que o automobilismo em Portugal tinha uma vida própria muito forte em rally, principalmente. Bernie estava sempre procurando praças para fazer a F1 porque não tinha essa coisa de fila, que todo mundo quer fazer... isso é bobagem. Não é verdade. Pouca gente consegue fazer. O Bernie ficou sabendo do autódromo e sendo muito amigo do Cesar e com isso conseguimos fazer o GP de Portugal. O Cesar também era presidente da Junta de Turismo da Costa do Estoril. Ele tinha ambições políticas não apenas no automobilismo, mas na política nacional . Ele tornou-se presidente do Automóvel Clube de Portugal depois que se opôs ao primeiro ministro português na época. O ACP tinha mais de 30 mil sócios, o que significava ter um número de eleitores, com parentes e amigos que poderia eleger qualquer um a qualquer cargo no país. Tanto é que um ex-presidente do ACP virou primeiro ministro.

 

Cesar procurou a Sra. Fernanda e disse que levaria a F1 para o autódromo se ela cedesse o autódromo. Ele disse que fecharia o autódromo por 60 dias para uma reforma com dinheiro da Junta de Turismo. Isso foi resolvido durante um jantar. A reforma foi feita, o contrato com o Bernie foi assinado e eu fui chamado para fazer o evento. Foi assinado um contrato de 5 anos e depois foi renovado por mais 5. Aí aconteceu algo que não estava no ‘script’: Cesar morreu. E como todos esses “ajustes políticos” mudam, a pessoa que assumiu não tinha o mesmo interesse, assim como o Bernie já não tinha o mesmo interesse do início e com o crescimento da F1 o autódromo ficou muito pequeno. Na época nós conseguíamos colocar 3 mil pessoas, mas não tinha a auto estrada que hoje liga a Costa de Estoril com Lisboa. Ficou ultrapassado. Muito pequeno, o acesso era muito difícil e o Bernie foi pedindo que fossem feitas obras. A Sra. Fernanda tinha um processo com o estado que ela devia uma fortuna de escudos, que ela contestava na justiça, que eram dívidas trabalhistas, essas coisas que eram de antes dela receber o autódromo e no fim ela deu o autódromo para o estado como pagamento. Essas mudanças e o desinteresse do Bernie levaram Portugal a perder o GP.

 

NdG: Você falou que esta “fila” de candidatos para fazer a F1 é bobagem mas existe muita política por trás daquilo que vemos, não? Teve o surgimento destas novas praças como Bahrein, Abu Dhabi, Singapura, Azerbaijão, Russia... no que isso afetou a vida dos promotores dos GPs nos locais ditos tradicionais?

 

Todos aqui sabem exatamente o que fazer. As vezes as pessoas perguntam o que é que eu faço o ano todo. Eu digo que fumo charutos!

 

Tamas Rohonyi: Uma pergunta fundamental e essencial! Voltando a lição do passado, eu recomendo a leitura do livro com a autobiografia do Max Mosley. É extremamente interessante. Ele é uma pessoa inteligentíssima e excelente escritor, conta desde a época que ele corria de automóvel. Você vai ver que nasceu o campeonato mundial atual, ou seja, a “Era Ecclestone”, com a percepção de que a história anterior, quando os Automóveis Clubes de cada país contratavam equipes, negociando uma a uma, vendo os valores, para elas participarem das suas provas, disputando o GP. Isso mudou. O Bernie reuniu as equipes e propôs que ele negociasse com os clubes, os organizadores. Ele conseguiu aumentar a receita rapidamente e as equipes agora estavam unidas. Mas, com isso, ao mesmo tempo, Bernie começou a fazer exigências aos clubes organizadores. O valor cobrado pela então FOCA foi ficando cada vez maior e chegou a um ponto que alguns e eu disse que não dava mais. Eu falei para ele de forma franca e direta que não conseguia a receita para pagar pelo evento. E aí vem a inteligência do Bernie. Ele diz: “tá bom. Então paga-se menos”. Na época o campeonato tinha 14... 15 provas. Aí ele começou a procurar países, com interesses políticos. Hoje a Russia paga 50 milhões de dólares por ano para ter a corrida. Que evento no mundo gera 50 milhões para pagar os custos? Foi nos países árabes, foi na Malásia, China, Azerbaijão, que passaram a pagar valores absurdos se formos ver só a questão de ser uma corrida, mas muito baratos para eles que buscam atrair um turismo e o que eles gastam para promover o turismo levando a F1 para lá é nada! Eu, por exemplo, nem sabia onde ficava o Azerbaijão.

 

Castilho de Andrade: Do primeiro para o terceiro GP o fluxo de turistas no Azerbaijão aumentou 450%. A F1 colocou o país no mapa do turismo. E não é para ver a corrida. É turismo para o ano inteiro.

 

Tamas Rohonyi: Baku é uma cidade bonita, com a arquitetura antiga, as coisas modernas, uma cidade em parte medieval... e aí entra o gênio do Bernie Ecclestone. Eu me lembro quando fizemos o último contrato eu disse que não tinha dinheiro para pagar nem a mobilização da polícia e ele disse, não se preocupe. Eu vou dobrar o valor da Russia e você paga isso aqui que é a sua parte. Essa foi a forma brilhante de um cara que é brilhante e que consegue enxergar o todo. Ele não pode mexer com Silverstone, Hockenheim, Monza, São Paulo... Mônaco. Mônaco nunca pagou um centavo. Por sinal, uma prova que é muito ruim, mas a percepção mundial, portanto, audiência de televisão, parece que aquilo é uma maravilha. Se você conhece Mônaco sabe que como local para corrida aquilo não tem nada. Este era o equilíbrio financeiro que o Bernie montou.

 

NdG: Mas agora os tempos são outros. Como está sendo esta nova realidade?

 

Tamas Rohonyi: Em 2017, aliás, anos antes, ele (Bernie) vendeu a empresa para um grupo alemão, que quebrou e passou o controle para um grupo inglês, o CVC. E este grupo, depois de 10 anos, vendeu a F1 Para o Grupo Liberty Media, que entende de jornalismo o mesmo que eu entendo de dermatologia ou de cirurgia plástica. Eles são de televisão, trabalham com isso, com TV a cabo. Colocam este cavalheiro [Chase Carey] de bigode vistoso lá como CEO e que é uma excelente pessoa, já esteve na minha casa, mas como diz a minha advogada: “não tem noção do assunto”. E nem pretende! É um negócio e o que interessa é a grana. Eu contei para ele toda a história de como começou tudo e onde chegou o campeonato de F1. Ele disse que eles eram uma S/A, com ações na bolsa e lá é “show me the Money”. Eu perguntei quais são as provas do campeonato que não tem subsídio?  Ele disse que eram 3 das 21 corridas. Nós, Silverstone e Alemanha. Eu pensei que eram 5. Eu disse para ele entender que nenhum político brasileiro pode assinar um cheque de 10 dólares para uma empresa americana bilionária. Isso não existe. Ele cai no dia seguinte. Vai ser apedrejado em praça pública. Ele perguntou: “sim, mas então como fazemos”? Então, ele nessa ansiedade de produzir resultados para seus acionistas, recebeu a visita de um Sr. que se apresentou como JR Pereira, que disse que construiria um autódromo no Rio de Janeiro e levarei a F1 para lá. Foi recebido de portas abertas, quer champagne, whisky, almoçar fora? Entendeu? Ele (Chase Carey) é uma boa pessoa, mas é muito acanhado. Ele sabe que não sabe. Visão política e geopolítica zero. Se você entrar no site da Nasdaq e colocar a sigla “FWONK” e você sabe qual é o valor da ação. Hoje (Nota dos NdG: no dia da entrevista) está 36 dólares. Ele, como qualquer executivo americano, acompanha como está o valor da ação, se subiu ou desceu e como ele vai trabalhar com isso. Ele está lá para isso. Eu procurei deixar as coisas claras para ele e disse que nós vamos encontrar com o prefeito, com o governador (Nota dos NdG: houve uma reunião em junho, após a passagem de Chase Carey por Brasília e outras virão) e ver o que podemos fazer para ser interessante, se não com dinheiro ajudar de outra forma, construir algum tipo de acordo comercial para ver como o estado pode ajudar. Lembrei da situação em Portugal onde os hotéis cobravam uma taxa adicional na semana por conta do GP. Tem como fazer, mas não é com subsídio. Perguntei se ele tinha entendido e ele disse que sim. Esse foi o tema da reunião de junho com o prefeito (Bruno Covas) e o governador (João Doria).

 

NdG: Essa era nossa próxima pergunta... como tinha sido a reunião, mas, por favor, continue...

 

Eu perguntei ao Chase quais são as provas do campeonato que não tem subsídio? Ele disse que eram 3: Nós, Silverstone e Alemanha.

 

Tamas Rohonyi: O João Doria foi muito franco e disse para o Chase que esse projeto do Rio de Janeiro era uma fantasia e o Chase respondeu: “eles me convidaram para uma reunião e eu tinha que ouvir”! Ele continuou e disse que o Chase não deveria ouvir essas coisas que pegava mal.

 

Mas voltemos ao Sr. JR Pereira. Ele foi lá, se apresentou, apresentou seus planos, só que ninguém sabe que ele primeiro foi falar com o pessoal da Fórmula Indy e que o Mr. Mark Miles e ele disse ter muito interesse em voltar a trazer a categoria de volta ao Brasil e o convidou para uma reunião. Então foi apresentado o contrato de confidencialidade ao Sr. Pereira e dito que, depois de assinado, eles iriam conversar e chegando a um acordo, iriam falar com a imprensa. Ele não assinou e não teve mais conversa. Depois então ele procurou o Mr. Chase Carey e, repito, é uma boa pessoa, mas não tem noção do que envolve a F1 e ouviu as promessas do Sr. Pereira. Ele foi convidado para ir ao Rio de Janeiro, conhecer o governador, o prefeito, em novembro passado ele foi ao Rio e chegou a tirar fotos com o governador.

 

Em uma ida para Londres eu estive em reunião com o Chase e disse a ele para tomar cuidado, para ele não se expor ao ridículo. Ele disse que eu tinha que entender que ele tem que tentar tudo. Que ele foi procurado e foi falar com a pessoa. Qual era o problema? Aí, em junho, mês passado, ele voltou ao Brasil e foram todos a Brasília falar com o presidente Bolsonaro. E eu não entendo até hoje como o presidente Bolsonaro deixou-se passar por aquilo, porque foi muito chato o que ele disse na frente das câmeras de televisão, que o GP Brasil de 2021 tinha 99% de certeza de ser no Rio de Janeiro e depois, quando o microfone foi passado para o Chase Carey, ele disse que estava ali conversando e que conversaria também com São Paulo, desmentindo o presidente na hora. Na reunião em São Paulo nós fomos muito honestos com ele, na nossa busca de encontrar uma solução e de alertar ele de que acreditar naquilo que ele ouviu sobre Rio de Janeiro ficaria ruim para ele.

 

NdG: A F1 tem diversos exemplos de que o evento gera um grande retorno. Baku e São Paulo são dois grandes exemplos do quando uma cidade, região ou país arrecada com um GP de F1. Sendo vice presidente da associação de promotores, o que é que vocês conversam entre vocês?

 

Tamas Rohonyi: Bom, esta va ser uma história completa. Eu vou pedir para você passar uma cópia desta entrevista para o Castilho [de Andrade] porque nunca me fizeram tantas perguntas relevantes. É que você não é jornalista especializado. Estes ficam na sala de imprensa, vão no Box e perguntam: “quais são as noticias”? Eles não se aprofundam nessas questões.

 

Eu não entendo até hoje como o presidente Bolsonaro deixou-se passar por aquilo. O Chase Carey desmentiu o presidente na hora.

 

Houve um grande mal estar na associação de promotores quando os americanos foram falar com pessoas em Miami e propuseram para Miami, para um suposto pretendente a promotor, um negócio onde estariam co-promotores. Ou seja, eles dividiram as contas para pagarem juntos. Porque a ansiedade deles em fazer mais uma prova nos EUA, algo que é parte da promessa feita quando eles assumiram ainda não se realizou. Quando isso surgiu todos na associação ficaram indignados e o presidente da nossa associação, Mr. Stuart Pringle que é o diretor de Silverstone e meu amigo chegou e falou: “o cara vem e pede 30 milhões de dólares para mim, aqui em Silverstone e depois vai para Miami – que não é Silverstone – e fala ‘vamos fazer e se der dinheiro’...” Isso causou um mal estar que resiste até hoje. Então, foi feito o seguinte: leva para uma análise rápida a situação atual das pistas como um todo. Quando os americanos compraram a F1, eles deixaram de entender, talvez por não ter sido colocado claramente para eles, que em 2020 o “business” acaba. Porque chega ao fim o ‘Pacto da Concórdia’. Ou não entenderam ou acharam que a renovação seria automática... e não é nada automático. Eles estão batalhando para fazer um novo acordo com as equipes e até hoje, pelo que eu saiba, zero! Então, há o sério risco de no final de 2020 as equipes chegarem para eles e dizerem: “bom, já que não chegamos a um acordo, nós faremos um campeonato nós mesmos. Bye bye, so long”. Isso explica porque o Sr. Chase Carey nos últimos 12 meses andou 240 dias viajando, de país em país, tentando encontrar mais recursos. Se ele conseguir fechar mais 4 ou 5 provas ele consegue pagar o que as equipes querem com esse dinheiro. Com o dinheiro atual ele não consegue porque a receita está caindo. A receita da TV está caindo, a dos promotores também, o que está deixando ele numa situação muito ruim, não para ele pessoalmente, que se aposenta no final deste ano...

 

NdG: O Chase Carey se aposenta no final do ano?!?! Isso a gente não sabia e acho que poucos sabem.

 

Tamas Rohonyi: Sim, ele se aposenta, mas ele estaria disposto a ficar mais um ano se ficasse alguém ao lado dele, assumindo o trabalho.

 

Este é o ambiente político e comercial atual e que pouca gente entende. Dentro desse quadro, voltando ao que acabamos de falar, se o [João] Doria tiver interesse político – porque sempre há interesses políticos nessas coisas – ele vai fazer tudo para segurar o GP em São Paulo. A cidade de São Paulo arrecadou como adicional de impostos durante a semana do GP Brasil no ano passado, e isso é dado levantado, 345 milhões de reais. Se a Paulistur der 20 milhões de reais, ninguém vai reclamar desde que seja demonstrado que parte deste valor foi um investimento. Ou seja, como sempre, é uma decisão política, não é comercial, e nesse ponto João Doria é um gênio. Ele vai ser o próximo presidente da república, tenho certeza absoluta contra [Jair] Bolsonaro. Imagine os dois frente a frente num debate na TV. Ele vai ser comido vivo! O capitão Bolsonaro é uma pessoa bem intencionada. Tenho certeza que é, mas não sei se ele conseguiria enfrentar alguém como João Doria.

 

NdG: Mas voltemos ao automobilismo e as suas questões comerciais. O retorno tem. Se o retorno existe e é tão bom, porque, por exemplo, o México, que tem um grande GP, muito popular, vai deixar o calendário?

 

Tamas Rohonyi: A questão do México é que lá o subsídio para ter as corridas veio do governo e quando houve a mudança de governo aconteceu algo que tem muito em toda empresa: a pessoa que entra cancela tudo que havia antes porque não foi ele que fez. Foi o caso inclusive de Portugal. Cesar morreu e quem assumiu quis fazer tudo diferente, não quis mais seguir as coisas que havia e perdeu 25 milhões de dólares que era o subsídio que era dado pelo governo. No caso do México o governo falou que vai investir o dinheiro nas rodovias. Uma coisa que sempre falei foi que, qualquer negócio que depende de favores políticos, mais dia, menos dia, afunda. Como bem colocou meu amigo Stuart Pringle, em Silverstone: “nós conseguimos operar Silverstone comercialmente por mais de 50 anos. Não é um negócio que dê lucros, mas perder dinheiro eu também não posso”. Porque eles não pedem dinheiro ao governo? O governo britânico não dá!

 

NdG: Cerca de três anos atrás você deu uma entrevista que o GP Brasil tinha dado um prejuízo de 100 milhões de reais e que no ano seguinte isso deveria se repetir. Como que se trabalha, se investe esforços num negócio que dá prejuízos desta ordem?

 

 Uma coisa que sempre falei foi que, qualquer negócio que depende de favores políticos, mais dia, menos dia, afunda.

 

Tamas Rohonyi: Neste caso não foi a Interpub que perdeu. Foi o GP que perdeu e quem fechou a conta foi a TV Globo. Por motivos deles que hoje não existem. Esta empresa, a Interpub, pertence a TV globo. Eu vendi a empresa em 2009 e por 5 anos a empresa era da Globo e no acertar das contas com o Bernie na época. Depois a Globo disse que não queria mais e pediu para eu recomprar a empresa. Eu recomprei porque sou um idiota (gargalhadas gerais) ao invés de ficar lá na fazenda com meu café e fumando meus charutos. Mas eu tinha que recomprar porque Bernie e mais os proprietários da CVC pediram, para que eu, por favor, reassumisse. Eles disseram que não podiam “perder o Brasil” e eu não sabia porque... porque eles já estavam vendendo para os americanos. Mas aí não tinha como fazer. As questões comerciais eram mais complexas. Tinha as vendas das placas, os banners, as áreas e o dinheiro era da Globo, não era meu.

 

NdG: E como, onde o promotor ganha dinheiro?

 

Tamas Rohonyi: Com a venda dos ingressos e de algumas áreas promocionais. Depois que pagamos todas as contas sobra o suficiente par comprar duas caixas de charutos cubanos... não são caixas grandes, mas também não são tão pequenas.

  
Last Updated ( Monday, 29 July 2019 11:15 )