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O "Voo do Pássaro" em El Pinar PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Tuesday, 12 January 2010 17:49

 

Bird Clemente e os carros da equipe Willys foram manchete nos jornais brasileiros, uruguaios e argentinos.

 

A coluna Setor G retorna com mais uma página memorável da história do nosso automobilismo. Depois de muitos anos uma equipe brasileira, com carros construídos no Brasil, vencia uma prova no exterior.

 

Era um domingo de verão na cidade uruguaia de Canelones, vizinha a Montevideo e no autódromo Victor Borat Fabini, El Pinar.  em 2 de fevereiro de 1964, Bird Clemente voou mais alto e conquistou uma brilhante vitória para a equipe Willys. 

 

As 200 milhas de El Pinar era o segundo maior evento envolvendo carros de turismo e após meticuloso planejamento, Luis Antônio Greco desembarcou com suas máquinas e suas estrelas – Bird Clemente e Luiz Pereira Bueno – para escrever esta página da história. 

 

O planejamento. 

 

A ida a El Pinar começou com uma “viagem de turismo”. Luiz Antônio Greco e Chico Landi, chefe e consultor técnico da equipe Willys visitavam o país vizinho e conheciam as pistas visando uma futura participação em uma prova fora do Brasil.  

 

Coincidiu a ida dos dois com a realização no domingo seguinte de uma prova em El Pinar envolvendo carros de turismo e que contaria com pilotos uruguaios e argentinos, equipados com Fiats argentinos, Alfas italianas e NSUs alemães. Além desses havia um Morris - Mini Cooper que vinha sendo sensação em provas na Europa. 

 

Vista a corrida, ambos não tiveram dúvidas de que as Berlinetas teriam chances contra aqueles adversários e decidiram por inscrever dois carros para as 200 milhas de 1964. Correndo como fábrica e como equipe, levando seus dois melhores pilotos – Luiz Pereira Bueno com o carro 21 e Bird Clemente com o 22 – além de uma Berlineta prateada, usada para treinos e demonstrações. Os carros foram embarcados em um avião e seguiram de São Paulo para Montevideo em um esquema nunca feito antes no Brasil. 

 

A pista e os treinos. 

 

O circuito de El Pinar, hoje, visto do alto. Diversas possibilidades de traçados e uma alteração na curva norte. 

 

O traçado escolhido dentre as opções possíveis do circuito era um com 2,7 Km, com uma reta longa, de cerca de 800 metros, seguido de uma curva bem fechada. Uma reta menor levava a uma curva à esquerda e esta levava ao miolo, bastante sinuoso, até retornar a reta dos boxes. A pista não era de alta velocidade e ainda por cima era bem mais estreita que Interlagos. 

 

O recorde da pista para carros de turismo até 1000cc era de 1’38”, sendo o recorde absoluto para cilindradas maiores de 1’36.5”. ou seja, a diferença era muito pequena devido ao traçado. 

 

Na sexta-feira, antevéspera da corrida, as Berlinetas amarelas fizeram uma viagem até Punta del Este, com o intuito de amaciar os motores novos que receberam. Com a prateada, Bird deu umas voltas na pista para conhecer melhor o traçado... e na segunda volta virou na casa de 1’37”!!! Estava entregue o “cartão de visitas” da equipe Willys. 

 

No sábado, as Berlinetas amarelas já estavam no circuito após terem invadido a noite rodando e terem sido revisadas, prontas para o embate que as esperava. Entre os adversários, Fiats 1500, Alfas Giuliettas, NSUs e um Morris-Mini Cooper.  

 

O Morris-Mini Cooper era um carro rapidíssimo e muito estável nas curvas. Um adversário de respeito para nossos carros. 

 

Os carros deveriam ir para a pista em grupos de dois ou três, dar 3 voltas e o melhor tempo das duas últimas voltas seria o registrado. O “sorteio” colocou logo as Berlinetas na pista e Greco determinou que elas mantivessem posição nas voltas, saindo com um pequeno intervalo entre elas. Na Berlineta 21, Chico Landi em pessoa foi para a pista. Na 22, Bird Clemente.  

 

Nota dos NdG: Consultamos os protagonistas da prova - Bird Clemente e Luiz Pereira Bueno - para saber o porque de Chico Landi ter ido para pista na classificatória com a Berlineta 21. Bird afirmou que não lembrava deste detalhe e Luizinho disse que foi uma homenagem que o Greco decidiu fazer ao grande campeão e também um agradecimento pela consultoria técnica que 'seo' Chico vinha dando a equipe.

 

Seguindo as orientações do comandante, os carros amarelos mantiveram posição e ao final das voltas, ‘seo’ Chico havia marcado 1’37.4” e Bird 1’36.9”, sem forçar nem abusar de derrapagens controladas ou usar a pista toda. Luizinho nem precisou ir para a pista. Perguntamos a Luiz Pereira Bueno porque ao invés dele, fora Chico Landi a ir para pista na classificatória. Politicamente, Luizinho esquivou-se de uma resposta ditera, mas disse que fora uma espécie de agradecimento da parte de Luiz Antônio Greco a todo o serviço de consultoria técnica que o nosso decano piloto vinha prestando à equipe Willys.

 

Foi o suficiente para uma chuva de protestos de argentinos e uruguaios, exigindo que os carros brasileiros não fossem enquadrados na categoria C (O regulamento da prova previa 4 categorias: na “A” estavam os NSUs, na “B” os Panhards e os Volks, na “C”, os Fiats 1500, as Alfas, o Morris e as Berlinetas. Não havia carros na categoria “D” e era para lá que os adversários queriam empurrar os brasileiros. 

 

A largada foi dada no estilo Le Mans (abaixo), com Bird largando na pole. As Berlinetas deram um verdadeiro show nos treinos. Acima, momentos antes da largada, ao centro, Luiz Antônio Greco conversava com Chico Landi e Luiz Pereira Bueno.

 

 

Naqueles países, muito mais do que no Brasil, vitórias nas pistas era sinônimo de boas vendas e eles não conseguiam ver como bateriam os carros brasileiros, alegando que os carros estavam fora do regulamento, Greco prontamente ofereceu os carros para quem quisesse ir para pista ver se realmente era uma questão de ordem mecânica... ele sabia que a diferença estava entre o volante e o banco! 

 

Os protestos foram aceitos e as Berlinetas foram colocadas separadamente na categoria “D”, mesmo não sendo o caso. 

 

A Corrida. 

 

Cerca de 10 mil espectadores derretiam sob um sol vespertino e uma temperatura acima dos 30 graus para acompanhar aquela corrida. Na pista, 22 carros dispostos em diagonal com os pilotos fazendo uma largada nos moldes das famosas 24 horas de Le Mans esperavam a bandeirada para correr em direção às máquinas. 

 

Os maiores adversários dos brasileiros da Willys eram os argentinos Jorge Cupeiro – considerado o melhor piloto de carros de turismo do país vizinho – e Pablo Finochietto. A “esquadra” uruguaia vinha com Roberto Larghero, Diego Fernandez, Sílex Balzano Ramiro Barcarcel. 

 

Bird largou na frente e não deu chances a concorrência. Volta a volta foi abrindo vantagem até a bandeira quadriculada. 

 

Os grandes adversários das Berlinetas eram os Fiat Abarth, preparados pela famosa equipe de competições, prometendo fazer frente aos velozes carros de origem francesa e deixar para trás os Gordinis e 1093. O outro era o Morris-Mini Cooper, com 850cc mas com uma relação de peso/potência que o tornavam muito competitivo no traçado escolhido. O risco era real, pelo menos assim dizia-se antes do início dos treinos. Contudo, como haviam sido colocadas em uma categoria diferente, a vitória seria – para efeitos oficiais no Uruguai – uma vitória na categoria e na geral, mas com o “rótulo” de que os carros eram superiores.  

 

Toscamente, é aquela estória de brigar com um bêbado: Se ganha, não fez nada de mais por ter batido num bêbado, se perde, vira chacota por ter apanhado do pinguço.  

 

Independente disso, lá foram nossos pilotos para a disputa. Dada a largada, Bird pulou na ponta. Luizinho perdeu tempo e caiu para o 5º lugar, mas na segunda volta já passava em 2º, fazendo a dobradinha da equipe... contudo, a Berlineta 21 foi para os boxes já na terceira passagem. Um problema no sistema de alimentação jogava-o para o final do pelotão. 

 

Enquanto Luiz Pereira Bueno vinha buscando a recuperação do tempo perdido, na frente, com pista limpa, Bird abria distância dos adversários virando cada vez mais rápido. Na 12ª volta, assombrou a todos, dos cronometristas ao locutor, com o tempo de 1’34” cravados: recorde absoluto da pista e bem abaixo do tempo anterior, 2 segundos acima. 

 

Luizinho vinha buscando um a um os adversários e do último lugar na 3ª volta, ele já ocupava a sétima posição na 50ª, virando sempre que podia, em torno de 1’35”, e foi dele a segunda melhor volta da prova, com 1’34.2”.  Contudo, o problema no distribuidor voltou a aparecer e a Berlineta 21 ficou parada por muito tempo, voltando à pista sem nenhuma chance de obter uma boa classificação. 

 

Pouco antes da metade da prova, na volta 58, Bird colocou uma volta de vantagem sobre o 2º colocado, o Morris-Mini Cooper de Victor Paullier, antes de parar nos boxes para torça de pneus e abastecimento, na volta 60. Perdeu 2 minutos e 42 segundos e voltou tranquilamente em segundo lugar e manteve um ritmo confortável, virando entre 1’38” e 1’39”, pois sabia que o Morris teria que parar. Quatro voltas depois, o líder parou e Bird voltou à liderança para não mais perdê-la. 

 

 

Na chegada, os dois carros da equipe Willys, em formação, cruzam a linha de chegada. Mas só Bird tinha o que comemorar. 

 

O Morris-Mini Cooper acabou por não resistir e abandonou na 102ª volta, deixando a briga pela segunda posição entre o Fiat 1500 e a Alfa Giulieta TI. 

 

No final da prova, Bird voltou a andar na casa de 1’36” e concluiu a prova com o tempo recorde de 3 horas, 21 minutos, 4 segundos e 5 décimos, pulverizando a marca do ano anterior, estabelecido por uma Alfa Giulieta, com 3 horas, 24 minutos e 18 segundos. O fato pitoresco foi o erro da cronometragem que esqueceu de computar a volta 68. Assim, para vencer, Bird precisou completar 121 passagens ao invés das 120 previstas. 

 

Na chegada, Bird foi carregado nos ombros entre sorrisos e aplausos. No dia seguinte, os jornais uruguaios e argentinos enalteciam o feito dos carros e dos pilotos brasileiros, talvez numa forma de compensar a decisão de colocar os carros uma categoria acima da qual eles realmente pertenciam.  

 

Bird Clemente não cabia em si de tanta felicidade. Ele era o responsável por um feito que só um outro havia conseguido antes.  

 

No uruguaio “La Mañana”, o colunista desfradava-se em elogios ao modo como os nossos pilotos conduziam os carros, especialmente as curvas de Bird Clemente. No argentino “El Pais” endossava o mesmo, seguindo a mesma linha, enaltecendo as virtudes dos pilotos acima da excelência dos carros. O “El Dia” além de trazer a Berlineta 22 na capa, trouxe 8 colunas, enaltecendo a velocidade e a estabilidade dos nossos carros. 

 

Mais uma vez, o Brasil fincava sua bandeira em autódromos estrangeiros!

Nota dos NdG: A primeira vitória de um piloto brasileiro com um carro construido no Brasil foi conquistada pelo gaúcho Catharino Andreatta, com sua carretera (claro que com peças e chassi originalmente feitos no exterior, assim como não se pode dizer que as Berlinetas Interlagos eram 100% nacionais), no dia 06 de dezembro de 1953, em Piriápolis, também no Uruguai.  

 

Fontes: Jornal Estado de São Paulo; Revista Quatro Rodas; Arquivos pessoais de Bird Clemente; Livro "Automobilismo no Tempo das Carreteras", de Luis Fernando Andreatta e Paulo Roberto Renner.

 

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Last Updated ( Sunday, 10 October 2010 09:59 )