Ah, esse porém! Desta vez farei uma análise sobre a Corrida Cascavel de Ouro e os fatos questionáveis (ou não) da prova. A corrida está sub júdice, foi contestada pelo segundo colocado da prova e irá a tribunal desportivo, mas por tudo que pude constatar, o resultado oficial que foi refeito pela cronometragem, a pedido dos Comissários Desportivos me pareceu justo, não fosse um porém que explicarei ao final da coluna. Vamos tentar entender o que aconteceu durante a corrida e como os Comissários agiram: Houve um acidente na prova e um dos carros envolvidos neste acidente, o de número 22, bateu na barreira de pneus, mas conseguiu retornar para a corrida. Nesta batida, o carro 22 acabou perdendo o transponder (sensor da cronometragem), e passaram-se várias voltas até que a equipe de cronometragem percebesse que o carro estava sem o transponder e avisasse aos Comissários Desportivos. Por sua vez, os Comissários, assim que tomaram conhecimento, ordenaram que a equipe de cronometragem inserisse manualmente as voltas perdidas no mapa de corrida, tornando justa a corrida, já que aquelas voltas sem o transponder na realidade haviam sido realizadas pelo carro 22. Equipe Caradec de Cronometragem em uma prova da Porsche - foto de Augusto Sanchez Nota: ...uma corrida é toda registrada pela cronometragem, toda vez que um veículo passa pela “loop ou antena” (fio instalado na pista), esta passagem é registrada. Ao final da prova, a cronometragem entrega um documento que é chamado Mapa da Prova e este mapa tem registrada todas as passagens de todos os carros e o exato momento e horário que cada carro passou sobre a antena. Neste mapa é possível saber quantas voltas cada carro registrou, o tempo de cada volta e até se o carro estava fazendo pit stop ao se considerar uma volta com tempo muito longo. Sistemas modernos de cronometragem podem apresentar informações de quando o carro entrou ou saiu dos boxes, além de outras informações. Linha de chegada ou de cronometragem por onde passa o fio da antena ou também chamado de loop. Ate aqui tudo justo, inclusive me recordo de uma corrida de kart de longa duração na Granja Viana, onde eu era o Diretor de Prova e que ao final da mesma, um piloto veio reclamar que o mapa da corrida apresentava uma volta a menos para ele. Como eu nunca deixei de atender aos pilotos, mesmo entendendo que era comum em provas de longa duração as equipes muitas vezes se atrapalharem no próprio controle e acharem que estavam na mesma volta do líder quando na verdade não estavam, pois haviam perdido um tempo maior em alguma parada de box ou em algum acidente, ou ainda em qualquer outra situação de corrida, mas no caso deste piloto que veio à torre se manifestar, ao verificarmos, notamos que realmente a cronometragem não tinha detectado uma de suas voltas, exatamente quando ele se chocou lateralmente com outro piloto, fazendo com que seu kart “esparramasse” e passasse pela grama no exato ponto da pista por onde passava o fio da antena da cronometragem, desta forma, nada mais justo do que devolver-lhe esta volta manualmente e fazer justiça na corrida, ou seja apresentar o resultado oficial retratando exatamente o que aconteceu na pista. Foi feita a justiça dentro da legalidade. E na prova Cascavel de Ouro, como fizeram? Teoricamente os Comissários e cronometristas fizeram da mesma forma, buscaram fazer justiça dentro da legalidade e da competência que lhes é atribuída pelo CDA – Código Desportivo do Automobilismo. Transponder – foto do site da Porsche GT3 Cup Porém... Mas existe um “porém”. Na verdade, existem alguns “poréns”, por conta de tantas variáveis que podem ocorrer em uma prova. Porém número 1 - Se pegarmos o regulamento da prova, não sei se está no RD - Regulamento Desportivo ou no RPP - Regulamento Particular da Prova, mas em um deles consta que o transponder instalado no veículo é de responsabilidade da equipe. Desta forma a equipe deveria ter avisado a Direção de Prova ou a cronometragem na mesma volta do acidente, já que o carro teria cessado de aparecer na tela da cronometragem ou aparecia com voltas a menos ou ainda como se tivesse parado em box. Porém número 2 – Um veículo que não aparece na tela não preocupa outros concorrentes. Em uma corrida de endurance, ou seja, de longa duração, as equipes concorrentes fazem suas estratégias iniciais e vão mudando estas estratégias de acordo com os fatores da prova, portanto se um carro é líder ou está em uma boa posição, porém o mesmo não aparece na tela da cronometragem, então ele não preocupa os outros participantes da prova, (diferente do aconteceu na minha prova de kart cujo piloto não estava na liderança e nem entre os primeiros). Porém número 3 – Este porém eu não posso confirmar, pois é “papo de box” e eu não estava na prova, mas é factível, disseram que nas intervenções do safety car o carro 22 era autorizado a passar o pelotão do safety, já que no mapa da cronometragem ele não aparecia como líder e sim como retardatário. Obs.: nas intervenções de safety car, antes das relargadas o diretor de prova orienta ao piloto do safety car (caso ele não tenha um observador a bordo) a autorizar que todos os pilotos que estejam na fila entre o safety e o líder da prova ultrapassem o safety e sigam até chegarem ao final do pelotão para então ser dada a relargada. Safety car – foto do site da Porsche GT3 Cup Então amigo leitor, mais uma vez se confirma o que eu sempre digo: numa corrida existem tantas variáveis que é impossível se fazer um regulamento que contemple todas as situações possíveis, a cada prova aparece uma nova situação que faz com que os regulamentos sejam implementados todos os anos, porém jamais teremos um regulamento capaz de prever todas as variáveis de uma corrida. Por isso que se faz necessária a presença dos Comissários Desportivos nas provas, sempre em números impares e em quantidade igual ou maior do que 3, para poderem interpretar e julgar se necessário todas as demandas de uma prova, mas mesmo assim os julgamentos e interpretações das provas, sendo feitos de uma forma imediata, pode não agradar a todos os Pilotos e Equipes, o que lhes permite não concordarem e manifestarem intenção de “interposição de recurso” contra o resultado apresentado, levando a prova para tribunal desportivo. Tudo isto é previsto e está dentro da legalidade. Muitas vezes uma prova só tem seu resultado homologado depois de passar por todo esse procedimento dos tribunais. Isso apresentado acima, é legal e é uma forma de se buscar justiça para situações que não foram previstas no regulamento ou que deixam margens para interpretações diferentes. Há de se considerar que nenhum Comissário julga ou interpreta fatos com interesse pessoal ou de qualquer outra pessoa, eles sempre fazem seus julgamentos da forma mais fria possível e tentando trazer à luz do regulamento os fatos mais prováveis. Ainda deve ficar claro que os Comissários não julgam por prováveis intenções de pilotos, eles julgam apenas os fatos. Desta forma, acredito que os Comissários fizeram o melhor que podiam, retratando o que pereceu ser justo, já que todas as voltas que foram “devolvidas” ao carro 22 realmente aconteceram, porém algumas equipes se sentiram prejudicadas pelo fato de que em parte da prova a cronometragem não mostrava a posição correta do carro 22, tampouco a quantidade exata dos pits realizados, já que por regulamento, eram obrigatórios 4 pits. Isto teria levado algumas equipes a não aplicarem as estratégias corretamente e então se sentiram no direito de entrar com recurso no Tribunal Desportivo, usando como base da reclamação o fato de constar no regulamento que a equipe/piloto seria a única responsável pela instalação e manutenção do transponder no carro. Quando uma prova vai a tribunal, entende-se que todos nos tribunais estão buscando por um resultado que seja o mais justo possível, porém sinto que os julgadores do tribunal não tem os mesmo conhecimentos e experiências que os Comissários Desportivos que participam de várias provas e vivenciam situações de corridas das mais variadas possíveis, então, acho que apesar de estarem buscando por um resultado justo, muitas vezes ocorrem erros de interpretação ou falta de conhecimento, fazendo com que o resultado final seja “legal”, porém nem sempre “justo”. É isso! Abraços, Sergio Berti
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