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Vá ser feliz, Nico! PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Sunday, 04 December 2016 16:03

Olá fãs do automobilismo.

 

Passadas duas semanas da “bomba” que abalou os alicerces da Fórmula 1, algumas pessoas vão dizer que “é fácil falar agora”, “tá chovendo no molhado”, mas algumas coisas sobre esta saída de cena de Nico Rosberg do cenário, dos holofotes, com o título de campeão e logo em seguida da premiação teve “sinais” que as pessoas não perceberam... que eu mesma não percebi, ou não quis ver.

 

Eram umas onze horas da manhã do domingo aqui em San Diego quando o meu telefone tocou. Já tarde da noite em Abu Dhabi, umas quatro horas depois de terminada a corrida naquele autódromo lindo e aquele espanhol (Nico prefere falar comigo em espanhol e faz isso desde quando eu ainda morava em Cuiabá) pausado e inconfundível estava “derrapando nas vogais”. Era ele!

 

Certamente estava no clima da comemoração e com algum teor de álcool na circulação sanguínea, mas quem não relaxaria e extravasaria naquele momento? Mas, surpreendentemente, ao invés de ouvir um monte de “muchas gracias”, ele disse apenas que naquela semana que se seguiria, ele não conseguiria comparecer para nossa sessão, que estava agendada para a quarta-feira, mas que iria na semana seguinte, no horário de sempre. Seria então no dia 07/12.

 

Vinte e cinco anos depois de sentar num kart pela primeira vez, Nico realizava seu sonho.

 

Eu disse que não havia problema nenhum e, logicamente, cumprimentei-o pelo título, pela estabilidade durante a prova e de como tudo o que conversamos na sessão após o GP Brasil se desenrolou e como ele conseguiu lidar com as pressões, não apenas nas duas horas de corrida, mas ao longo dos dias que antecederam a prova. Ele apenas disse que éramos campeões do mundo e que era muito grato por eu fazer parte da vida dele. Nós nos despedimos e fui almoçar no mercado de peixes com meu noivo.

 

Na terça-feira à noite, quarta-feira na Europa ou sei lá onde ele estava, meu telefone tocou novamente... e desta vez sem “derrapar nas vogais”, veio aquele “Hola Doctora Catarina”! Eu não estava esperando uma ligação de Nico ao longo da semana. Imaginei que a agenda dele deveria estar uma loucura e que, depois de termos falado sobre a sessão da semana que se seguiria, o que o levaria a me telefonar?

 

Isso passou rapidamente pela minha cabeça enquanto eu mandava um “que tal, Nico? Como está la vida de campeón?” em meu fluente “portunhol”. Ele riu e disse que estava tudo bem, mas que antes de nos vermos na semana seguinte, ele queria me dizer algo, mas sem dizer o que era. Ele disse que na sexta-feira teria a entrega do prêmio aos campeões, um evento da FIA e que ele tinha tomado uma decisão sobre sua vida. Pediu-me para não perguntar, mas que confiasse nele, que ele sabia o que estava fazendo.

 

A sensação foi de felicidade, mas também de dever cumprido e de um fardo tirado de cima dos ombros.

 

Por alguns minutos aquilo ficou me martelando a cabeça, entre elas, ele abandonar a carreira. Mas depois de tanto lutar par superar Lewis e conquistar o campeonato, mas mesmo considerando isso como uma possibilidade concreta, não achava que ele faria isso. Os dias se seguiram e eu não voltei a pensar no assunto até que na quinta-feira à noite, pouco antes de deitar, recebi um telefonema de Niki Lauda, perguntando: “você sabia disso desde quando?” Eu disse que não estava entendendo e ele perguntou desde quando eu sabia que Nico iria abandonar a F1. O sono foi embora instantaneamente!

 

Ele cobrou uma resposta e eu falei sobre o telefonema de duas noites atrás, que eu cheguei a pensar nisso, mas que nunca havíamos falado sobre o assunto em todos esses anos de tratamento com Nico. Ele era um piloto focado, na plenitude da carreira e, nos últimos três anos, com enorme potencial para conquistar o título. Mas na verdade, virando de um lado para o outro na cama (lógico que demorei pra dormir), ele deu “umas pistas” em suas últimas sessões, em especial depois do Japão.

 

A notícia pegou a todos de surpresa. Desde a equipe até a imprensa. Todos ficaram chocados.

 

As manchetes estouraram no mundo todo e na quarta-feira, dia 07 de dezembro, Nico chegou para sua sessão com uma expressão de alívio no rosto que nem dava para descrever. Ele estava leve. Nem quando estava com 43 pontos de vantagem para o Lewis no início do campeonato ele tinha um ar de serenidade como aquele. Estava diante de mim um homem que transmitia paz... mas não saberia dizer se estaria ali um homem feliz.

 

Nico flutuou para cima do divã e eu apenas perguntei como ele se sentia. Foi uma viagem no tempo. Ele veio desde sua infância, falando de como foi maravilhoso realizar um sono que tinha desde menino e que trabalhara por mais de 20 anos para realizá-lo. Ainda mais superando Lewis, com quem se disputou corridas desde menino, no kart, e que na maioria das vezes foi superado.

 

Depois começou a falar da vida pessoal, de como foram difíceis os meses de gravidez da esposa, Vivian, enquanto esperava a vinda de Alaia, no ano passado, algo que roubou parte de sua concentração e, agora, ver a esposa bem e a filha saudável eram as coisas mais importantes do mundo e que, se conquistasse o título de campeão mundial, não haveria necessidade de ficar buscando mais e mais conquistas. O topo já teria sido alcançado.

 

Pai, herói e ídolo, Keke só venceu uma corrida na Fórmula 1 para ser campeão do mundo... precisava mais?

 

Na verdade, Nico deu algumas pistas sobre seu plano e que eu não consegui – ou não quis – interpretar como sendo uma possibilidade. Depois do GP do Japão, quando ficou com o título matematicamente nas mãos (tinha que dar algo muito errado para não acontecer), em nossa sessão ele disse que o pai dele tinha sido campeão do mundo com apenas uma vitória... não apenas naquela temporada, mas antes ele nunca havia vencido um GP de F1 antes. Venceu outros quatro depois, mas não conseguiu estar em condições de lutar pelo título.

 

Sobre o futuro, Nico falou que era o momento de viver a família, de brincar com a filha e dar a atenção que nunca conseguiu dar como queria para a esposa. Que o momento seria o de ser uma pessoa como outra qualquer (bem que eu gostaria de ser uma qualquer com sua conta bancária), sem se preocupar em ser mais rápido, em cumprir agendas intermináveis. Apenas aproveitá-la... intensamente e sem pressa.

 

Nico Rosberg dá adeus ao circo da Fórmula 1 como campeão. Agora, vai viver a sua vida com a família.

 

Aquela hora voou no relógio. Ele me deu um abraço apertado, disse um “Gracias por todo, Doctora” e não conseguimos segurar as lágrimas. Disse-lhe que ele tinha uma amiga em San Diego e que, caso estivesse de passagem, telefonasse. Que poderíamos jantar ou tomar um lanche na praia. Assim eu poderia conhecer a Alaia (a Vivian eu já conheço).

 

Seja feliz, Nico. Você tem todo o tempo do mundo.

 

Beijos do meu Divã,

 

Catarina Soares

 

p.s. Chorei a noite toda depois deste dia.