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Entrevista: Washington Bezerra PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Tuesday, 30 August 2016 20:21

Washington Bezerra é um nome reverenciado no automobilismo brasileiro há várias décadas. Um sinônimos de seriedade e personalidade, este paulistano de 72 anos que há anos tem sua equipe instalada na zona norte da capital paulista tem muito o que ensinar sobre vida e sobre automobilismo.

 

Nos últimos anos, sua fama e sua competência extrapolou as nossas fronteiras e junto com Antônio Hermann levaram a equipe BMW que corria no falecido Campeonato Brasileiro de Gran Turismo a andar entre os primeiros times da Blancpain Series na Europa.

 

A personalidade forte e a falta de papas na língua incomoda. Os amigos (de verdade) são poucos e mesmo aqueles que perderam sua amizade não deixam de respeitá-lo como um dos personagens mais emblemáticos do nosso automobilismo. Ele, como poucos, pode falar sobre tudo. Afinal, frequentar Interlagos desde o final dos anos 50 não é pra qualquer um.

 

E foi em seu escritório, que Washington Bezerra nos recebeu para esta fantástica entrevista.

 

NdG: Como foi que o automobilismo entrou na sua vida?

 

Washington Bezerra: Foi em 1958, eu tinha apenas 15 anos quando meu irmão disputou as Mil Milhas Brasileiras ao lado de Fritz D’Orey. Meus dois irmãos montaram uma oficina na Rua Iguatemi e que hoje é a Avenida Eng. Faria Lima, ali perto de onde é o shopping. Era a “Wagen Serviços”, especializada em Volkswagen e eles tentavam ser uma autorizada da marca, mas era algo muito difícil naquela época. Em 58 meu irmão decidiu fazer um Volkswagen pra correr as Mil Milhas, inspirado no que aconteceu no ano anterior quando Christian Heins quase ganhou a corrida com um Volkswagen. Ele pegou algumas coisas daquele carro para montar o seu mas faltava o motor Porsche, que tinha que ser um motor Porsche e o parceiro de carro que ele arranjou é quem ia entrar com o motor e duas semanas antes da corrida o cara simplesmente sumiu. Foi quando apareceu por lá o Fritz D’Orey, que era um filho de família rica e é rico até hoje, e ele levou o motor. Depois do carro estar com o motor montado, quem foi carburar o motor, que tinha dois carburadores Webber, foi Jorge Lettry em pessoa, que tinha feito o motor do carro do ano anterior. Foi quando o conheci. Como eu tinha só 15 anos, eu fui expulso do Box nesta corrida... 14 vezes! E depois disso o automobilismo passou a fazer parte intensamente da minha vida. Todo sábado, eu almoçava e corria para pegar o ônibus da viação Rio Bonito e ia para Interlagos e lá eu vi coisas que ninguém acredita... e ninguém viu, porque só estava eu, o piloto e mais umas duas ou três pessoas no autódromo.

 

NdG: Dá pra contar uma?

 

Washington Bezerra: Deixa eu ver... uma vez, Essa foi com o Celso Lara Barberis. Já eram uma três e meia, quatro horas e não estava acontecendo nada. Antigamente tinha os boxes de um lado e do outro tinha a cronometragem, que era de madeira e estava ventando, estava frio... fazia frio em Interlagos. Eu achava que não ia acontecer mais nada e me despedi do Orozimbo, o zelador do autódromo, e saí do autódromo pra pegar o ônibus pra casa. Normalmente eu voltava de carona... e estava no ponto do ônibus quando passa um carro vermelho, de corrida, lindo e eu me perguntei, ‘que catzo é isso’, e voltei correndo para o autódromo. Eu cheguei nos boxes junto com o carro. O Emilio Zambello e o Ruggero Peruzzo tinham levado uma Maserati linda, vvermelha, novinha... e aí chegou um mecânico, o Celso Lara Barberis e o Ciro Cayres. Ia ter uma corrida em duas semanas e nem o Emílio e nem o Ruggero tinham braço para pilotar um carro daqueles e levaram os dois pilotos para treinar para ver quem ia pilotar o carro na corrida. Tinha umas três ou quatro pessoas no autódromo, e não eram conhecidas, exceto uma, que quando me viu, chegou perto e perguntou o que eu estava fazendo ali. Eu falei: ‘Oi, italiano!’ Era o Mario, um cara que fazia sapatos ali perto da rodoviária, que ainda era perto da praça Julio Prestes. Ele fazia sapatos ótimos, iguais aos melhores importados, e eu comprava sapatos dele. Eu disse a ele que era vidrado em automobilismo e ele disse também era e aí completou: “olha como são diferentes os pilotos, não?” e eu disse que tanto o Celso quanto o Ciro pilotavam pra cacete, mas que eu achava o Celso mais técnico aí ele me interrompeu: “você precisa aprender uma coisa...” aí eu já fiquei meio irritadinho e perguntei o que eu precisava aprender. Ele disse: “fecha os olhos e escuta o carro pra você ver a diferença”. Eram completamente diferentes e eu passei a fazer isso desde então. Eu estou na pista e fecho os olhos, escuto os carros e sei quando meu carro passa. Naquele dia eles começaram andando no seco e depois começou a garoar, e eles andaram também no molhado. E o Celso enfiou 1 segundo e meio no seco e 3 no molhado em cima do Ciro

 

NdG: E o senhor nunca se aventurou nas pistas?

 

Eu era adolescente e aprendi com um amigo a "escutar" os carros. Fechar os olhos e escutar. Sei quando meu carro passa.

 

Washington Bezerra: Quando os karts chegaram no Brasil, no início dos anos 60, eu comecei a correr de kart... escondido dos meus pais. O segredo durou dois anos até que eles descobriram onde é que eu gastava a minha mesada, que foi imediatamente cortada. Minha sorte foi que um amigo, o Rodolpho Pirani, ganhou um kart novo em folha do seu pai e me deu o seu kart antigo para que eu pudesse correr. Aí, junto como o Arthur Celso, que corria de moto, montamos uma equipe e eu, que não tinha a habilidade que se exige de um piloto comecei a minha carreira no que eu acho que faço bem feito, que é ser dirigente, tudo isso a contragosto do meu pai, que detestava corridas por causa do meu irmão e nunca me ajudou.

 

NdG: Com isso o senhor teve a oportunidade de estar no meio do automobilismo nos anos mais belos do nosso esporte, que foram os anos 60. O que foi viver aquela época?

 

Washington Bezerra: O Interlagos antigo era uma coisa maravilhosa. Quando os boxes ainda eram ali perto da curva do café, de alguns pontos era possível ver o circuito completamente, com poucos pontos cegos. Era uma escola de formação de pilotos e os pilotos desta geração poderiam ter escrito o nome do Brasil mais cedo na Europa. Fritz D’Orey teve a infelicidade de sofrer aquele acidente gravíssimo em Le Mans, em 1959 e quase morreu. O Christian Heins morreu tragicamente pouco tempo depois, em Le Mans 1963. O Fritz era piloto da Ferrari e o que o Emerson fez nos anos 70, ele teria feito nos anos 60. Voltando um pouquinho, para o final dos anos 50, várias pessoas que faziam parte do meio do automobilismo. O Luiz Antônio Greco era comprador da Wemag junto com um primo meu e a primeira corrida que ele disputou foi com este meu primo, e DKW, acho que em 1959. O Anísio Campos sempre ia lá. Pena que muitos já morreram. A primeira corrida do Jayme Silva na Simca foi com o meu irmão Lauro, que era um piloto melhor que o Jayme Silva. O Perrot contratou meu irmão primeiro, depois que contratou o Jayme. Desta época tenho uma tristeza, que foi a morte do Antônio Cassio Prado. Por isso nunca gostei de carros de fórmula. Se eu tivesse no autódromo de Guaporé no dia de seu acidente, talvez ele não tivesse morrido. No final dos anos 60 quando o Wilsão [Wilson Fittipaldi, o Barão] comandou aquela reforma em Interlagos, que durou dois anos, nesta época as corridas eram todas fora e eu não conseguia ir porque meu pai pegaa muito no meu pé e ficando por aqui eu arranjei uma namorada, fui servir o exército e quem serviu comigo foi o Eduardo Celidônio. Éramos todos conhecidos, todos amigos... dava pra fazer uma lista com uns 500 nomes de pessoas que se envolveram com automobilismo nesta época. Outra pessoa que tenho um carinho muito grande é o Totó Porto, que hoje está rico, mas que um dia chegou de macacão, capacete e mais nada no autódromo e correu na minha equipe.

No final dos anos 50, surgiu a “mecânica continental”. Era um automobilismo de carros estrangeiros adaptados. Pegavam Ferraris e Maseratis que os motores, depois e um tempo, quebravam e colocavam motores de Corvette, que era muito mais barato e tinha quase a mesma potência. Depois, nos anos 60, vieram as corridas com os carros de fábrica que se estabeleceram no Brasil, mas eram normalmente corridas longas. De 12 horas, 24 horas, mil milhas... Tinha a equipe Willys, que era muito forte. Daí a Simca trouxe os Abarth para competir com eles, teve a Dacon, com os KG-Porsche, a Vemag tinha os Malzoni e nas corridas de rua os DKW andavam bem. Só quando vieram os fórmula Vê foi que começaram a fazer corridas mais curtas e, quando reabriram Interlagos começaram a vir os Fórmula 3, os Fórmula 2... foi só no final dos anos 60 que começamos a fazer os carros nacionais de grande força. Com o outros projetos que surgiram como o Heve, o Avallone, o Manta, veio nos anos 70 a mudar a cara do automobilismo com as “Divisões”.

 

NdG: Quem criou este regulamento e como eram as categorias?

 

Interlagos era maravilhoso. Nossos pilotos foram formados ali e desde que destruíram o traçado antigo ganhamos o quê?

 

Washington Bezerra: Vieram as Divisões 1, 3 e 4. Mas se a gente for ver como eram realmente as coisas, faltava organização. As categorias duravam 2 ou 3 anos e acabavam. Esta foi a cultura do nosso automobilismo. O problema é que a CBA nunca foi uma entidade que nos ajudou. A CBA nasceu dentro do Centauro Motor Club. O Ramon [Buggenhout] vivia indo pra Brasília pra fechar isso. A CBA nasceu ali no autódromo. O “Mosquito Elétrico”, o Ângelo Giuliani, chegou um dia no Centauro pedindo pelo amor de Deus que não fizessem a CBA, que eles se organizassem para “tomar conta” do Automóvel Clube do Brasil, mas fizeram a CBA e ela nasceu de algo errado... e cntinua fazendo o errado até hoje.

 

NdG: O senhor não é a primeira pessoa que coloca as coisas desta forma para nós...

 

Washington Bezerra: Eles pegaram a CBD, a antiga Confederação Brasileira de Desportos e copiaram o estatuto. Assim, o presidente da CBA seria eleito pelo voto dos presidentes de federações e estes são eleitos pelos clubes. Eu não sei como são os clubes nos outros estados, mas em São Paulo eles elegem que eles quiserem. Aqui tem gente mito boa como tem gente que só vive disso, de carteirinha, etc. Com o advento da Divisão 1, com carros nacionais de fábrica no grupo N-FIA. A Divisão 3 tinha os Opalas e Mavericks envenenados. A Divisão 4 eram os protótipos e só no meio dos anos 70 fizeram a Super Vê, onde apareceu o Nelson Piquet.

 

NdG: Mas nos anos 70 teve o complicador da crise do petróleo e fizeram até o “festival do álcool...

 

Washington Bezerra: Fizeram, não. Nós fizemos! Aqui tudo acaba sempre, de um jeito ou de outro e na segunda metade dos anos 70 ainda veio o governo proibir corrida de automóvel por causa da falta de combustível e nós estávamos gastando gasolina. Aí a gente criou o festival do álcool, fomos correr com carros movidos a álcool e foi uma idéia dos automobilistas. Nós fomos até Brasília falar com o Ministro de Minas e Energia, um japonês (Nota dos NdG: Shigeaki Ueki) e dissemos pra ele que o que um avião da VARIG gastava de combustível pra ir de São Paulo ao Japão uma vez e voltar era o que nós gastávamos o ano inteiro pra correr. E a gente teve que se virar e tem se virado até hoje. Quem é que faz corrida no Brasil? Só tem a VICAR. É uma situação absurda... como é que pode alguma coisa ir pra frente se não tem concorrência? Se você tem um carro que anda mais que o outro o cara vai lá trabalhar pra te passar. Aí inventaram esse tal de “push to pass” e é uma enganação, não tem nada pior. Eu falo isso para o Zeca Giaffone... ele é meu amigo. Eu conheci ele e o Waltinho Travaglini de calça curta em Campos do Jordão... eu era amigo do Affonso desde os 15 anos de idade e quando a gente criou a Stock Car em 79, e bancamos, e botamos dinheiro do bolso, não é essa que está aí. Ta tudo errado e eu falo isso pra quem quiser ouvir.

 

NdG: E nós queremos... como foi que começou e porque está errado. Quando começou a se “perder a mão” da coisa?

 

Washington Bezerra: Vou começar pelo custo que é um carro algo absurdo! Não poderia se gastar num carro mais do que 350 ou 400 mil dólares numa temporada e se gasta mais do dobro disso se quiser andar na frente. Não tem mais competitividade entre as equipes. Qual é a categoria no mundo que só tem um amortecedor e uma mola só pra todos os carros, todas as equipes? Nenhuma! Eu fui nos boxes e me disseram que eles tinham 2 jogos de pneus pra corrida... na verdade, 6 pneus! Que os treinos eram com pneus velhos... até do ano passado... e custa o que custa a categoria? Eles estão loucos em concordar com isso. Pneu é item de segurança, é a primeira mola do carro, é o contato do carro com a pista. A gente correndo na Europa, tínhamos 6 jogos novos e era proibido usar pneus velhos. Como pode a maior categoria do automobilismo brasileiro ter 6 pneus por corrida? Isso é andar pra trás que nem caranguejo e pra economizar o que? 30 mil, 50 mil... no ano! Tinha que ter, no mínimo, 4 jogos de pneus por final de semana. Quando eu tinha equipe, fomos na Pirelli, brigamos, eles subsidiaram pneus pra gente, ajudavam a gente, porque não ajudam mais? Porque não tem competitividade. Você vai lá fora, tem vários fabricantes querendo ser fornecedor das categorias e elas oferecem subsídios para as categorias usarem seus pneus. Mas como aqui só tem a Stock Car e a VICAR, não tem concorrência. Mas vamos voltar nos anos 70. Eu conheci o Reinaldo Campelo que correu de Opala, antes da Stock Car existir, em 1973. Era a Equipe Itacolomy. Fomos campeões paulista e brasileiros. Entre 1974 e 1978 eu montei minha equipe na divisão 1. Aguentei por quatro anos... aí quebrei. Mas estava todo mundo na pior e foi quando eu e o Affonso Giaffone criamos uma categoria só de Opalas, pra correr em 1979. Era o nascimento da Stock Car.

 

NdG: O senhor foi um dos criadores da Stock Car, foi campeão diversas vezes mas as pessoas não falam sobre isso ou sobre o senhor por lá, raras exceções. Porque isso?

 

O custo dos carros da Stock Car é absurdo. O custo da categoria é absurdo. Está tudo errado, não há concorrência pra VICAR.

 

Washington Bezerra: Quando eu e o Affonso [Giaffone] montamos a categoria, era pra ser uma espécie de NASCAR brasileira. O Opala era um carro que a gente conhecia e gostava e o que equipava o carro, câmbio, diferencial e motor eram acessíveis. Colocamos 9 carros no grid em Tarumã, depois 11 carros em Guaporé e não paramos mais de crescer. No final do ano o grid estava cheio e conseguimos despertar o interesse da GM, que assumiu a categoria em 1980 e ficou até 1986. Eles faziam a promoção e conseguiram por a corrida na televisão, com a Bandeirantes, que estava transmitindo a F1 naquele ano com o Galvão [Bueno] de narrador. Estava indo tudo bem até que em 1986 a GM falou que ia sair... e saiu. A gente teve que se virar e nisso criamos uma associação, a AMPP, com o Affonso sendo o presidente em 1987, mas ele largou antes do final do ano e o Plínio Jota e eu ficamos à frente até 1991. Foi uma época difícil, com o grid encolhendo e o dinheiro também botei aí meio milhão de dólares do meu bolso e o Plínio também. Para “descaracterizar” o Opala, fizemos aquela coisa estranha de fibra, mas em 1989 a GM veio com uma categoria de monopostos, a F-Chevrolet e aí eu fui bater na porta do André Lira e consegui convencer a GM a voltar como patrocinadora, comprando uma quota da TV. Apesar de tudo isso, ainda teve gente falando mal e eu resolvi dar um basta. Tinha muito mal caráter lá dentro e ainda tem. Tem bons amigos, mas muita gente que não presta. A Stock tomou um rumo errado e continua indo no caminho errado. Muita gente bate palmas para o Carlos Col, mas pra mim ele é um cara desonesto, sem princípios. Ele vendeu a VICAR, mas sei que ele ainda anda por lá. Não é só na Stock que tem uns vagabundos, bandidos, sem vergonhas. Tem outros também.

 

NdG: Mas o senhor montou uma equipe de ponta, foi tricampeão com o Chico Serra, o Galvão Bueno era seu sócio na equipe... ele entrava só com dinheiro ou com palpites também?

 

Washington Bezerra: Ainda dava pra fazer alguma coisa a mais no carro, mas o regulamento foi mudando e hoje é essa porcaria que está aí. Quando eu ainda estava lá ainda fizeram um tal de acesso e queda, com as equipes pior classificadas tendo que disputar a copa Montana no ano seguinte. O cara investia quatro milhões de reais e, se não conseguisse marcar mais pontos que o outro, tinha que sair do campeonato. Quem é que entra num campeonato desses. Virou uma coisa só dos mesmos caras e onde alguns ganhavam as corridas e algum dinheiro os outros, se matavam pra zerar as contas. Depois que ganhamos o tricampeonato com o [Chico] Serra, fizeram de tudo pra gente não ganhar o quarto... e quase ganhamos! Mas é que gente como eu, como o Paulo de Tarso, incomoda, questiona, se posiciona contra essas coisas que a gente vê que estão erradas. Eu ainda insisti na Stock até 2008 e decidi sair.

 

NdG: Foi a virada para o campeonato de Gran Turismo?

 

O Carlos Col é um cara desonesto em seus princípios. Ele vendeu a VICAR, mas sei que ele tem andado por lá.

 

Washington Bezerra: Eu e o [Antônio] Hermann já tínhamos uma história, uma convivência. Sempre houve respeito, amizade e discussão entre nós e ele é um cara de visão. Ele e o Walter Derani foram atrás do Stephan Ratel e trouxeram o nome da GT3 para o Brasil. Consolidou-se um campeonato de padrão FIA com o Brasileiro de Gran Turismo GT3, que depois chegou a ter até carros da GT4 correndo também. Foi um negócio entre empresários, com contrato, parceria, sociedade. Chegamos ao platamar de ter um campeonato com 32 carros no grid, carros de primeira linha e disputas. Minha corria inicialmente como Ford GT40 até que junto como o Hermann, introduzimos a BMW no campeonato... e passamos a ganhar. Isso incomodou, porque o Hermann também era promotor do campeonato até ter aquela sujeirada onde tiraram o campeonato da gente. O Hermann disse que nunca mais disputaria uma corrida aqui no Brasil... e fomos correr na Europa. A categoria não era perfeita. Tinha coisas que eu não concordava, como a colocação de lastro para equilibrar o peso dos carros e depois para “dificultar” quem estivesse na frente da classificação.

 

NdG: Foi isso então que os levou para a Europa? Aquela corrida do final de 2012 em Interlagos?

 

Washington Bezerra: Foi o grande impulsionador. Ele tinha emprestado os dois Ford GT para os donos da equipe que tinha ganho o WTCC com a Seat, os carros estavam em Barcelona e nós fomos pra lá. Eles estavam quebrados e nós fomos conhecer as instalações deles e acabamos alugando um barracão numa cidade a 30 Km de Barcelona. Arrumamos o lugar e alugamos uma casa para os mecânicos na cidade. Mas era uma cidade pequena, os mecânicos estavam muito isolados e eu propus ao Hermann a gente mudar para Portugal. Era o mesmo idioma, lá se compra ingredientes de comida brasileira, os caras iam se sentir menos isolados. Aí mudamos para um armazém perto do Estoril e fomos morar bem no centro de Cascais. Uma casa bacana, com piscina. Melhorou tudo! O ambiente ficou bom, tudo era perto, nas folgas cada um podia fazer o que queria, enquanto lá na Espanha era tudo longe e tinha uma Van pra eles se virarem e normalmente eles não queriam ir todos para o mesmo lugar. Eu sempre cuidei bem da minha equipe.

 

NdG: E como foi o ambiente no autódromo? Como era o nível de competitividade?

 

Washington Bezerra: A gente viu que o negócio era diferente. O padrão de profissionalismo precisou subir e todos ficamos mais profissionais e chegamos no ponto de ganhar o campeonato de pitstop. No começo, na primeira temporada, ninguém falava com a gente. No segundo ano começamos a pegar pódio, fazer pitstops mais rápido que eles, a coisa já mudou no terceiro ano ganhamos corridas. Nos impusemos, conquistamos o respeito deles. Se a BMW tivesse cumprido com a palavra a gente teria disputado o campeonato até o final. A gente estava ganhando e alimentando a DTM. Quando eles descobriram que a Lamborghini e outra fábrica tinham nos procurado, eles nos tiraram um monte de peças. Antes vinham os caminhões de peças, que a gente pegava e pagava depois. Isso mudou. Deixaram a gente sem sobressalentes, não cumpriram com a palavra... e no ano passado a gente não tinha mais patrocínio do Banco do Brasil. O Hermann bancou do bolso dele. Chegou uma altura eu disse pra ele fazermos as corridas de Endurance só com um carro, economizando uns 300 mil Euros, até mesmo ficar só com as corridas curtas. Outra coisa que me deixou puto foi que além disso, tinha uma jogada comercial. A BMW estava lançando a M6, um trombolho do cacete e a a Z4 depois de duas etapas estava liderando o campeonato. Se eu sou o diretor da fábrica o que é que eu faço: invisto, mas se o negócio é lançar outro carro, quem é que vai comprar uma M6 se a Z4 tá ganhando o campeonato de GT? É uma coisa absurda e isso me irritou muito com a BMW, que é um povo fudido, mas o pessoal de Munique tem o narizinho pra cima, se acham mais inteligentes que os outros. 

 

NdG: Quanto custa manter uma equipe como a de vocês na Blancpain Series?

 

O custo pra se correr no Blancpain Series na Europa é o mesmo que uma equipe de ponta da Stock Car. Isso é lógico?

 

Washington Bezerra: O mesmo que custa uma equipe na Stock Car. Um milhão e 500/600 mil Euros, com a cotação de hoje, são 6 milhões de reais. É o que custa uma equipe de ponta na Stock Car. Esse ano tiveram que dar uma segurada porque ta todo mundo sem dinheiro, mas chegou nuns cinco, quatro e oitocentos. Agora olha os carros que nós usamos, as pistas onde nós corremos e vê onde a gente corre aqui no Brasil. Dá pra comparar correr em Spa, Silverstone e Nurburgring, contra um grid onde só tem carro de ponta pra você andar aqui em Velopark, Londrina Tarumã, que é uma puta pista, mas está mal, contra cinco ou seis carros, com 6 jogos de pneus por corrida, com uma equipe de 20 pessoas viajando pela Europa, mais o custo da equipe em Portugal pelo custo de estar correndo aqui. Nossos pilotos abriram a mente, eles atingiram outro nível de profissionalismo. Quanto custa um carro de Stock Car? Uma Lamborghini custa 350 mil Euros e no primeiro ano, se você não bater, só troca pastilha e disco de freio! Se alguma peça ou item do carro apresentar defeito, você manda pra fábrica e eles te mandam um novo. É completamente diferente.

 

NdG: Os pilotos de diversos seguimentos aqui do Brasil estão com um novo projeto de associação e, entre o que eles já conquistaram foi o direito a voto nas assembléias da CBA, inclusive, votando para presidente nas próximas eleições. Um automobilismo mais forte passa por um processo assim?

 

Washington Bezerra: Outra associação? Mais uma? Isso nunca foi pra frente aqui no Brasil e eu não acredito que esta vá ser diferente, desculpe a franqueza. Sabe de uma coisa, eu prefiro nem entrar muito nesse assunto porque é algo que me irrita muito. Eu não acredito que vá dar certo. Não vou torcer contra, não vou criticar. Tomara que eu esteja errado desta vez. Eu olho para o automobilismo brasileiro hoje e fico triste. O garoto que ainda consegue andar de kart vai correr de que depois? Não tem mais uma FFord, nossa F3 não sai do lugar, cadê as outras categorias... não tem mais nada.

 

NdG: Será que não falta para o automobilismo um lobby político para trabalhar junto ao congresso como o voleibol e depois todo o COB trabalhou pelos esportes olímpicos?

 

Washington Bezerra: Quando o Nelson [Piquet] voltou para o Brasil ele poderia ser este cara para levar as coisas, conseguir as coisas... mas ninguém ajudou. Ele arrendou o autódromo de Brasília, botou uma grana ali dentro, chegou uma hora ele entregou o autódromo e foi cuidar dos filhos. Eu nunca fui amigo dele, só o conheço, mas sempre que nos encontramos ele foi muito aberto a conversar sobre tudo. Ele é genial, poderia ter feito muito, mas sozinho, vai fazer o que? Tem uma coisa nesse país que quem é de sucesso, quem faz as coisas, é ladrão, é safado, é isso, é aquilo... nesse país é assim. Meu pai já me dizia isso. Por isso que a gente não vai pra frente. Eu já ajudei muita gente nesses anos de automobilismo. O Cacá [Bueno] é cria minha. Morou seis meses no quarto do meu filho que estava estudando em Boston. Botei ele para andar num Stock em Interlagos, passei as manhas e ele foi o único novato que não rodou no bico de pato com um carro com motor de 6 cilindros em linha. Falei para o Galvão que ele estava ferrado, porque o garoto não era bobo e coloquei ele pra correr comigo. Depois, empurrei ele para ir para Argentina, depois ele voltou e correu comigo de novo. Hoje ele corre com o Andréas Mattheis, outro que ajudei muito quando chegou na Stock Car. Lembra do que eu falei sobre ouvir o carro? Eu já tentei ensinar isso pra tanta gente... o que eu já paguei de dinheiro pra engenheiro que chega na equipe com seu laptop para no fim vir aprender com esse cara aqui que não sabe coisa nenhuma.

 

Na época que eu dirigi a Stock Car com o Affonso [Giaffone] encomendamos uma pesquisa pra saber porque que uma pessoa saia de sua casa, longe pra cacete as vezes, pra ir assistir uma corrida da Stock Car. Era o ronco do motor e a similaridade com o carro que ele tinha ou queria ter. porque eles iam ver o campeonato da GT? Era só carrão! Audi, BMW, Mercedes, Lamborghini, Maserati... passava rasgando na reta com aquele motor gritando... e essa categoria acabou por causa de ciúmes! A Stock tinha um monte de preparador, mais de 140 motores todos preparados e hoje tem um monte de “motor igual”, que não são, porque motor nunca é igual, que são entregues pelo Zeca [Giaffone]. Tenho nada contra ele não. Quero que seja feliz, que ganhe dinheiro, mas isso não é corrida.

 

NdG: Por falar em corrida, nós estamos perdendo autódromos em cascata nestes últimos anos. O senhor vê isso com falta de visão ou ganância?

 

Um grande erro foi cometido por Piero Gancia, quando investiu na reforma de Interlagos e não em Jacarepaguá.

 

Washington Bezerra: As duas coisas. Ganância de quem vai ganhar dinheiro em cima. Você vai ver o que vai acontecer com aquilo que fizeram no lugar do melhor autódromo do Brasil. Jacarepaguá era espetacular. A pista tinha tudo que era preciso numa pista, uma arquibancada sensacional, de onde se via a pista inteira, onde os caras da F1 vinham com prazer pra cá, vinham fazer teste de pneus antes da temporada e eu te digo que a gente começou a perder aquele autódromo com o Piero Gancia na presidência da CBA. Era pra ter reformado Jacarepaguá, não Interlagos. Aqui em São Paulo a gente ia dando um jeito e tinha como reformar, mantendo o circuito antigo, dava uma “puxada” na curva 3 de uns 15 metros e mantinha o anel externo. Eu falei para o Paulo [Scaglione] quando fizeram aquela piscina e o velódromo para o panamericano: “perdemos o autódromo” ele disse que não, que ele não ia deixar acabar e olha aí. Vai acabar a olimpíada e vão desmontar aquilo tudo pra construir prédio e shopping center. Hoje a pista de Interlagos virou uma merda de circuito. Todo ano gastam uma fortuna ali e o que fica? A mesma merda. A orrida no Rio lotava aquela arquibancada. No ano passado, não tinha 30 mil pessoas na arquibancada. Aquela arquibancada de cimento que vem lá do café até as arquibancadas cobertas cabem 12 mil pessoas. Eu mandei medir porque achava que estavam me roubando na bilheteria. Ali na frente da reta aquelas arquibancadas cabem quatro mil. Se nossos dirigentes do automobilismo fossem sérios, responsáveis, que mostrasse quanto se gastou para ser construído aquele autódromo e mostrassem as alternativas como aquele terreno que era da TV Manchete. Era um terreno do governo. Porque não fizeram a olimpíada lá? Brasília um dia volta porque não podem demolir, agora quando vai voltar isso ninguém sabe. Essa reforma de Interlagos ficou uma bosta! Gastaram uma fortuna pra fazer aquilo.

 

NdG: Este ano vocês ficaram fora da Blancpain Series. Ainda há planos para se voltar a correr na categoria?

 

Washington Bezerra: Estamos negociando com algumas fabricantes desde o ano passado uma vez que a BMW fez o que fez com a gente e que eu já falei. São três opções, mas para isso precisamos fazer as coisas acontecerem do jeito certo. Estamos trabalhando com a possibilidade de um contrato de três anos, mas precisamos viabilizar isso economicamente aqui no Brasil e com esta situação política que o país está passando, não está sendo fácil, mas tenho fé de que as coisas vão melhorar e conseguiremos voltar a correr na Europa em 2017.

Last Updated ( Tuesday, 30 August 2016 20:50 )