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Entrevista: Paulo Soláriz PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Sunday, 26 June 2016 00:23

Algumas pessoas possuem o que se chama de múltiplos dons. São capazes de dedicar-se a diversas atividades, até mesmo bem distintas, e conseguem ter sucesso em todas elas. Esta pequena definição é insuficiente para falar do trabalho de Paulo Soláriz, o idealizador do Velocult, evento cultural de velocidade que toma a galeria do Espaço Cultural do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista nos meses de março e que teve em 2016 sua sétima edição.

 

Mas Paulo Soláriz não se resume a isto. Esse paulistano de 64 anos, nascido no bairro do Pari (teria o mito Camilo Christófaro, também nascido ali, o inspirado?), mas que cresceu e mora até hoje na zona norte de São Paulo, criou um laço com o autódromo de Interlagos que completa seis décadas este ano. Seu pai o levou para o autódromo com apenas quatro anos de idade às primeiras Mil Milhas Brasileiras, semeando uma paixão com a velocidade que já passou das bodas de ouro.

 

A proximidade do campo de marte também levou Paulo a apaixonar-se por aviões. Estas paixões o levaram a produzir carrinhos de rolimã e montar aeromodelos entre a infância e a adolescência. Paulo cresceu e suas paixões e sonhos fazem parte da sua vida até hoje e depois de finalmente conseguirmos sincronizar nossas agendas, Paulo Soláriz nos deu esta fantástica entrevista.

 

NdG: O que mudou e o que ficou daquele Paulo Soláriz menino, que apaixonou-se por carros e aviões para o homem de hoje?

 

Paulo Soláriz: Quando eu era criança eu preferia ficar na sala de aula desenhando e comendo meu lanche do que ir para fora brincar. Eu não era muito afeito a multidões e isso levou meus pais a pensar que eu não era muito sociável e eu cresci e não mudei. Trabalho com automobilismo de uma forma geral continuo preferindo ter um estilo de vida mais reservado, tanto que meu esporte favorito e que eu pratico até hoje é um esporte onde eu me encontro comigo, que é correr... correr a pé. É algo que me dá muito prazer e quando eu saio pra correr eu corro por duas, três horas... eu já cheguei a correr 60 Km! Isso dá uma liberdade pra mente e para o corpo que só quem corre pode explicar isso. Quem corre longas distâncias consegue conectar o cérebro de tal maneira que ele consegue perceber coisas, encontrar respostas pra perguntas da vida toda, compreender coisas... e o físico entra em uma harmonia, um equilíbrio pela força que você está empreendendo que você está correndo e não está fazendo força para isso. Isso é uma boa tradução do que eu sou. Acredito na simplicidade das coisas, tudo que é complicado tem algo errado por trás. A vida não é para ter muitos mistérios. É somar, subtrair, multiplicar e dividir. Coisas básicas, fundamentais para uma pessoa, para uma família, para uma cidade, para um país, para o mundo. O segredo é respeito. Se houver respeito, tudo fica fácil.

 

NdG: Você disse que seu pai levou você pela primeira vez à Interlagos para ver as Mil Milhas de 1956. Infectado pelo “velocitococus”, como se deu o processo de fã, de torcedor ao Paulo Soláriz do Velocult?

 

Paulo Soláriz: Foi um tempo maravilhoso aquele. O automobilismo brasileiro começava a mudar, deixando de ser aquele automobilismo de fundo de quintal, de adaptações, das Carreteras para o início das fábricas, da chegada da indústria automobilística no Brasil e o surgimento das equipes oficiais. Eu era uma criança, mas eu lembro de muita coisa daquilo que assisti naquele final de década de 50 e início da década de 60. Mais do que lembrar, eu pude sentir algo naquilo tudo. Foi um sentimento, uma emoção que me tomou e que permanece em mim até hoje. Aqueles sons, o ronco dos motores, a imagem dos carros... eu tenho isso na cabeça até hoje. Desde as baratinhas até as mecânicas nacionais. Isso foi a base para toda essa paixão e o meu pai foi muito responsável por isso. Ele era um apaixonado por automobilismo e aviação. Mas não foi com quatro rodas que eu passei para o lado de dentro da pista. Foi com duas. Ainda na adolescência eu tive minha primeira motocicleta e foi com ela veio a vontade de correr de motocicleta. Só que eu casei muito cedo, com 18 anos, e isso mexeu com minha vontade de ir para a pista, adiou os planos, mas chegou um momento em que eu disse pra mim mesmo: ou eu vou agora ou não vai dar mais... e eu fui. Mas eu não pensava em fazer carreira como motociclista, não tinha nem como pensar nisso, mas queria andar naquela pista e era a pista antiga, de quase 8 Km, foi um insistência minha e ter andado naquela pista de Interlagos naquela época, hoje, tornou-se um privilégio. Algo que hoje poucos podem dizer ter feito. Isso te dá uma bagagem para você falar sobre pilotagem, porque aquela pista exigia tudo de um piloto, pra falar sobre autódromos, porque Interlagos exigia não só perícia, mas também coragem.

 

NdG: E como esta vivência de automobilismo, de motociclismo e de Interlagos inspirou o artista Paulo Soláriz?

 

Graças a meu pai pude viver a história sendo escrita desde as baratinhas à chegada das fábricas. Hoje conto essa história.

 

Paulo Soláriz: Eu acho que sou um dos primeiros, talvez o primeiro a trabalhar com arte voltada para o automobilismo, canalizando todas estas experiências de dentro e de fora da pista que vivi. Com pinturas e posteriormente com esculturas. Destas experiências, destas emoções que foram para a arte, com o tempo a história se manifestou. Nós somos um país com oito títulos mundiais de F1, com diversos pilotos fantásticos, e ninguém sabe nada sobre isso, cobre o que aconteceu, como as coisas eram.

 

NdG: Essa foi a alavanca para o lançamento do Velocult?

 

Paulo Soláriz: Exatamente. Contar esta história riquíssima do nosso automobilismo foi a inspiração para a concepção do Velocult. Mas eu não achava que o Velocult chegaria a ter a projeção que alcançou com o passar dos anos. Hoje ele é um evento oficial da cidade de São Paulo e isso é um sinal de que o projeto deu certo. Eu sempre achei importante poder falar sobre história e resgate deste esporte que deu tanto retorno e tanta glória para o Brasil, que levou o nome do país para o mundo com elegância e as pessoas precisam saber quem foram os responsáveis por estes feitos e como tudo começou. Ter podido ver esta história acontecendo, se desenvolvendo não dá para você a percepção da importância histórica que aqueles anos, aquelas corridas, aqueles pilotos teriam na história. Uma história pra gente ter orgulho e aqui no Brasil é muito difícil ver o brasileiro ter orgulho de alguma coisa. Eu me arrisco a dizer que o brasileiro vive o seu dia a dia sem saber porque o faz. O homem tem que ser guardião da sua história e foi com este pensamento que o Velocult foi idealizado: de tentar proporcionar para as pessoas um pouco de orgulho e a história do automobilismo brasileiro é uma história única no mundo. Lógco que cada história é única, mas a nossa tem uma particularidade: nós não somos um país detentor de tecnologia automotiva. O Brasil não produzia nada e os pilotos que se criaram com os retalhos de carros que vinham de fora e se tornarem tão bons é a prova de que havia um talento nato capaz de se sobressair e vencer todas as dificuldades e que tiveram a seu favor e é isso que eu tento contar uma parte todos os anos no Velocult, que é como um museu que aparece e desaparece, uma vez que nós não temos um museu. Gostaria muito que pudéssemos ter um museu para podermos eternizar esta história de forma perene. O Velocult se propõe a fazer isso, levando para as pessoas um tema diferente todos os anos para que as pessoas tomem conhecimento desta história.

 

NdG: Você falou de um museu perene. Será que se tivermos um museu (e nisso incluo uma ampliação e uma maior acessibilidade ao trabalho do Paulo Trevisan como uma possibilidade)  as pessoas irão visitá-lo e conhecer esta história que nós, você e nós, tanto trabalhamos para divulgar?

 

Paulo Soláriz: Isso é muito complexo e envolve muitas coisas. Começa pelo pouco valor que os brasileiros, de uma forma geral, dá a este tipo de coisa, ao valor que tem um museu. Primeiro é preciso ter uma consciência ativada para depois então ir atrás daquilo que você entendeu que é importante. Eu acho que o Paulo Trevisan, que eu conheço, já estive lá e seu acervo é de primeiríssima, ele tem a história em carros de corrida com ele, mas eu vou fazer uma crítica. Uma crítica construtiva, lógico. O pessoal do sul tem uma maneira própria de ver as coisas e existe por parte de muitos uma “rixa” com o pessoal de São Paulo... e vice versa. A nível de competição, da disputa, é bacana, mas passou disso é bobagem. O museu é fantástico, mas por uma visão individualista, de não aceitar opiniões, ele fica perdido naquele lugar. O fato de estar em Passo Fundo não é um problema e ele construiu um hotel ao lado, com uma ponte que interliga os dois. É um trabalho maravilhoso e que o Paulo fez sozinho. Por isso, talvez, ele seja centralizador e quando você fala de história, a história é de todos, não de um. Você pode ser dono de todos aqueles carros, mas eles não te pertencem. Eu já propus a ele um apoio mutuo. Como o Velocult é um museu que vem e vai, mas que recebe um milhão de visitantes em março todos os anos e que boa parte dos visitantes tem poder aquisitivo para ir a Passo Fundo, hospedar-se no hotel dele e visitar o museu. Minha proposta foi que ele trouxesse um carro por ano para cá e eu daria todo o retorno que ele pudesse ter, divulgando o museu, o hotel, que vale a pena ir... mas não se interessou. Eu continuo interessado em fazer isso, dentro desta proposta de que a história é para todos e tem que ser divulgada.

 

NdG: Nós temos uma passagem singular da história que foi a morte, ao vivo, para todo mundo, do Ayrton Senna e isso comoveu e comove muito as pessoas até hoje e que o nome dele abriria portas, atrairia investidores para o projeto de um museu em São Paulo, mas as coisas não acontecem. Porque não acontecem?

 

Paulo Soláriz: Tem pessoas tentando fazer isso, mas por não termos experiência com isso, erramos muito, metemos os pés pelas mãos. Uma coisa que acho é preciso diferenciar é que uma coisa é entender a importância do Ayrton neste processo, outra é você ser um fã descontrolado... isso não é bom e existe uma legião de pessoas assim. Um projeto de um museu tem que ser pensado de forma racional, sem que haja uma loucura por trás. Tem um jeito certo pra se fazer as coisas.

 

NdG: Você já teve oportunidade de conversar com a Viviane Senna. O que ela pensa disso?

 

Paulo Soláriz: Sim, já conversamos várias vezes e eu tive uma relação próxima da família, inclusive fiz o Troféu Ayrton Senna de Jornalismo pra eles e dei de presente o design. Abri no Velocult espaço para a loja de produtos licenciados durante três anos, e eu não sei por qual motivo, imagino que tenha sido alguma coisa interna, surgiu uma situação que não existiu e, de repente, ficaram meio estranhos comigo. Eu não sei o porque e eu sempre fiz as coisas para eles e, por aquele idolatrismo pelo Ayrton, nunca cobrei nada. O que sinto é que não há um interesse imediato ou um interesse do fundo do coração. Porque se houvesse, já teria sido feito. O Ayrton é um patrimônio do povo brasileiro. Ele deixou mensagens fortes, mas muito positivas para as pessoas. Não só palavras, mas comportamento. Certa vez ele disse que tudo que ele conseguiu, se não pudesse ser revertido para as pessoas, não teria valido de nada. Para mim essa foi a mensagem mais importante que ele deixou.

 

NdG: Por conta desta proximidade com o automobilismo muitas pessoas acham que você também chegou a competir em Interlagos com carros, mas isso ficou só no desejo? A experiência com as motos foi o suficiente?

 

É muito difícil ver o brasileiro sentir orgulho de alguma coisa. Ele vive seu dia a dia sem saber porque o faz.

 

Paulo Soláriz: Muitas pessoas acham que eu fui piloto da Stock Car, mas na verdade eu corri apenas de motocicleta. Agora, por causa da Old Stock, quando surgiu a idéia de fazer a categoria, que é um projeto bacana, mas que parece algo tão estranho para o mundo do automobilismo que ninguém acreditou. Eu ouvia gente falando “o Paulo vai correr de novo? Imagina!” “Botar um monte de Opala na pista?” e muita gente não deu atenção. Só que tínhamos a convicção de que aquilo iria dar certo e era preciso fazer o primeiro carro. Com isso fizemos o primeiro carro. O meu carro. Com ele pronto a gente prova que a coisa é real, que ela existe. E nós usamos este carro para fazer uma divulgação do projeto, daí eu andei na pista e não foi só em Interlagos, mas em outros lugares também e não só em autódromos, mas pelo interior, indo a encontros de ‘opaleiros’, foi assim que tive minha primeira experiência com um carro de corrida.

 

NdG: Um assunto puxa o outro e a Old Stock trouxe o passado de volta para o presente e tem feito algo que os campeonatos metropolitanos, tanto em São Paulo como em outros estados não faz: coloca público na arquibancada...

 

Paulo Soláriz: O projeto é muito bem estruturado, o carro é muito bom, anda pra burro! Tem potência e exige que o piloto seja piloto. É um modo de se fazer automobilismo que se fez nos anos 50 onde os carros tinham muita potência e pneus finos, exigindo que o piloto tivesse muito braço. É um carro que exige do piloto, que quem está lá dentro tem que saber, tem que antecipar a curva, fazer no lugar certo, com a tangência certa. É um carro que obriga o piloto a ser piloto, não é um carro fácil que virou o volante ele vai, que tem que sobreesterçar, quem tem que corrigir no acelerador, coisas que não se faz mais com esses controles de tração, com esses carros colados no chão. Quem senta e anda no carro sai de lá em estado de graça! Eu até pensei em correr, mas o retorno foi tão grande, tão grande que eu precisei ficar de fora para administrar. Hoje temos mais de 20 carros no grid e se não fosse a situação do país, teríamos facilmente um grid com 50 carros na pista. Ter 23 carros largando na primeira etapa, foi algo fantástico. Ver público nas arquibancadas, levantando e gritando a cada passagem dos carros na reta foi algo maravilhoso. Você volta ao nascimento do projeto, e eu faço questão de dizer que a idéia não foi minha, foi do Grego [George Lemonias], meu sócio, e eu apenas entrei para dar forma à categoria. Ele pensou na categoria e me perguntou o que eu achava e eu falei que seria histórico, como ter um museu de acervo dinâmico. O que precisávamos era fazer uma categoria que tivesse nome, organização e donos. Sem isso não daria certo. Teria briga, confusão, alguém querendo tomar. O que é que funciona no Brasil? Stock, Truck e Porsche, que tem organização e controle pra dar certo. Pensei por um tempo e veio o nome e o slogan: Old Stock Race. A emoção está de volta. Tudo foi pensado, queríamos as pessoas vino para o autódromo não naquele esquema de Fórmula 1, mas pra fazer churrasco na arquibancada, no morrinho de grama. Isso é Old Stock. A simplicidade da emoção do esporte.

 

NdG: Mas você não está correndo...

 

Paulo Soláriz: Não dá pra ser organizador e piloto. Tem tanta coisa pra ser resolvida antes, durante e depois de um corrida que não tem como você entrar no carro em paz e se você está no carro, não vê o que está acontecendo, se tem alguma decisão pra tomar, um patrocinador para atender... daí eu decidi que não iria correr. Eu queria queo “Tucano” [Walter ‘Tucano’ Barcci] e o [Denisio] Casarini assumissem meu carro, cada um correndo um prova. Eles que são uma dupla fantástica, histórica do nosso motociclismo. Quem sabe eles assumem o volante do ‘Big Daddy’, nome que dei ao meu carro em homenagem ao meu pai, pelo tanto que ele gostava de automobilismo.

 

NdG: Mas nós sabemos que você tem participações anteriores no automobilismo... não nas pistas, mas na prancheta. Como isso surgiu?

 

Paulo Soláriz: Tudo foi ligado à minha paixão pelo esporte, pela velocidade, por Interlagos. Eu conheço o ‘Tucano’ e o Denisio do tempo das corridas de moto e eu fazia as carenagens de fibra de vidro para as motos da categoria aqui no Brasil. Nos carros, com fibra de vidro, trabalhei em carros da Fórmula Vê e fizemos o primeiro carro com efeito solo no Brasil, dentro do conceito de “carro asa”. Também fiz umas partes do F5-A, da Fittipaldi na F1, sempre com fibra e vidro.

 

NdG: O Velocult e o Nobres do Grid são projetos de preservação da história do automobilismo brasileiro. Mas neste tipo de projeto sempre há risco de levemos as pessoas a pensar: “ah, naquele temo é que era bom”. Tem com evitarmos isso?

 

Paulo Soláriz: Existem coisas que são tomadas com ‘chavões’ e um deles é esta palavra, saudosismo, como se ela não fosse uma coisa boa e eu acho o saudosismo uma coisa ótima. O que não se pode fazer é querer impor o que você viveu nos dias de hoje, porque os tempos mudam. É preciso respeitar o mundo, que está em evolução. Por isso que a história é importante, porque conhecendo a história é que se entende o que estamos vivendo hoje. Não que a história está começando ali. A história de algo ou alguém pode estar começando, mas já há uma história anterior, que vem vindo há muito tempo. Por isso que não é errado se ter saudade de algo que foi bom, mas a história fala por ela. Quando se conhece a história, aquilo que você faz pode ter uma importância maior do que você poderia achar que teria. Mas eu tenho a lucidez de que todo este meu trabalho pode não significar nada. As vezes eu trabalho “100” e acho que atingi “15 ou 20”... mas atingi alguma coisa. Isso não quer dizer que foi perdido. Alguma coisa em consegui. Assim como nós e outros entendem que estamos fazendo alguma coisa e que estamos atingindo pessoas. Nós fazemos isso com automobilismo e outras pessoas que entendem e gostam de outros assuntos deveriam fazer a mesma coisa. Eu cito o Rolando Boldrim e o que ele faz pela música brasileira. Ele vai buscar uns caras que cantam uma música de raiz que é espetacular e caras que nunca ninguém ouviu falar. O que ele faz é importante para o país. Nos meus projetos tem por trás um objetivo não só de mostrar e contar a história, mas de mostrar também o que este país pode produzir quando deixam ou quando as pessoas que tentaram fazer algo se superaram e foram além. Que o automobilismo abra os olhos das pessoas que vêem o que fazemos abram os olhos para outras coisas. Quando se abraça um projeto desses, ele não é só um trabalho, é uma missão.

 

NdG: Para além da paixão você levou a sua sensibilidade de levar o garoto que desenhava carros na sala de aula para ser o Paulo Soláriz, reconhecido e respeitado dentro e fora do Brasil. Como você vê este processo que aconteceu com você?

 

Paulo Soláriz: Acho que foi um processo natural e eu não sei se sou tão conhecido assim, especialmente no exterior. Mas o Mark Webber postou uma foto de um troféu que ganhou aqui no Brasil, um troféu que eu fiz e ele disse ter sido o troféu mais bonito que ele já tinha ganho. Ninguém fala sobre isso e uma vez, numa transmissão que o Reginaldo Leme falou que o troféu tinha sido feito pelo Paulo Soláriz o Galvão Bueno cortou ele na hora. Parece que não se pode exaltar o que se faz de bom aqui neste país. No último GP o troféu não foi meu. Eles deram uma taça tradicional porque os pilotos andaram reclamando que andaram ganhando uns troféus feios, esquisitos, de plástico e por aqui preferiram um troféu convencional. Agora, respondendo a pergunta, eu acho que é um processo da própria vida. O que eu nem lembro das coisas que fazia quando era criança era desenhar. Isso mostra que você já tem uma veiazinha pra coisa, se vai desabrochar isso pode acontecer ou não e aí vem o querer. Eu quis e tinha aptidão para isso e isso pode e vai mudar a maneira de você ver o mundo. Quando você trabalha com arte é preciso por a sensibilidade a nível máximo. Você se transforma, seu comportamento muda, você fica mais introspectivo e a sua cabeça trabalha 24 horas por dia com formas, cores, misturas... tudo que você olha significa alguma coisa para você e eu tive esta fase. Agora que eu estou mais empresário que artista, que é um outro veio da família, meu avô foi um pioneiro aqui no Brasil no ramo de caldeira a vapor, montando a primeira fábrica de caldeiras do país. Eu passei por uma transformação e me moldei a este Paulo empresário, algo que outros artistas que conheço não conseguem se adaptar. Eu consigo olhar os dos lados e consigo escolher o que quero ser quando preciso.

 

NdG: E qual é o foco do Paulo Hoje?

 

Meus projetos não são só para mostrar a história, mas para mostrar o que podemos produzir quando deixam.

 

Paulo Soláriz: Eu tenho alguns. O meu desejo é transformar o Velocult, talvez, num museu permanente um dia, em algum lugar, e continuar fazendo o Velocult cada ano melhor, levando mais informação para o público e de forma melhor trabalhada, mais rica em conteúdo e isso não é fácil porque demanda dinheiro e cada vez é preciso mais para se produzir mais e este ano foi bastante complicado. O outro é ver a Old Stock uma categoria forte, capaz de criar emoção no público e novas frentes de trabalho, como já está acontecendo. Tem muito preparador de motor que estava parado e voltou a trabalhar com a chegada da Old Stock, porque o automobilismo gera empregos diretos e indiretos. Mecânicos voltaram a trabalhar com corridas, mas isso ainda é pouco. Estamos no início e temos planos de ter mais categorias, corridas noturnas e eventos bem mais interessantes para atrair cada vez mais público pra Interlagos.

 

NdG: Nós temos uma paixão por Interlagos e durante muito tempo ele foi o maior bem do automobilismo brasileiro. Ele ainda o é? Sendo São Paulo o estado com o maior número de pilotos federados no Brasil, depender apenas de Interlagos é lógico? É justo?

 

Paulo Soláriz: O estado de São Paulo tinha que ter pelo menos cinco autódromos, com os outros espalhados pelo interior do estado. Na capital basta um. Temos tantas cidades de porte e com dinheiro que poderiam ter seus autódromos e isso seria bom para outros seguimentos. Para o turismo, a hotelaria, o comércio destas cidades, gerando empregos, mas ninguém pensa desta forma. E fica tudo para Interlagos, o que é um problema. Com a administração que ele tem, com a SPTuris, você está matando o esporte. Este ano só vai ter corridas por lá por causa da Old Stock e ninguém sabe disso. Não era pra ter corrida, por causa da reforma. Como o Paulão [Paulo Gomes] é nosso sócio e Diretor da CBA, conseguiu fazer com que pudéssemos ter corridas. Nós e o paulista de turismo. A SPObras, que faz as obras da reforma, não está nem aí para as corridas. Eles querem é tocar suas obras sem amolação e a SPTuris é um órgão de gestão de eventos, que ninguém tem nada a ver com automobilismo, não entende e não sabe o que é automobilismo. Existe um plano para aquela área, que é o fim do autódromo e a construção de prédios populares no local e se ninguém se mexer para que isso não ocorra, este é o futuro do nosso autódromo. E o exemplo está no Rio de Janeiro, onde aconteceu o absurdo de uma entidade esportiva conseguir a destruição de uma praça de outra entidade esportiva. Alguém vai lá demolir o Maracanã pra fazer um oval? Não é e não pode ser assim. Interlagos tem que ser preservado ‘ad eternun’. Quem tem que administrá-lo é uma entidade voltada para o automobilismo. Se não tem, cria-se. Na pior das hipóteses, que seja a secretaria de esportes, mas que sejam pessoas que conheçam o automobilismo e a história. 

 

NdG: No meio esportivo tem uma palavra que “está na moda”, que é: Legado. O que o Paulo acha que vai deixar de legado?

 

Paulo Soláriz: Eu nunca parei pra pensar nisso... a gente nunca sabe, as vezes a gente faz uma coisa e ela vai te levando a outras coisas e, de repente, quando você percebe, você já é alguma coisa. Eu não sei o que sou e nem tenho noção do que fiz até agora e o quanto isso me trouxe importância. É obvio que para você deixar um legado, o que você fez tem que ter tido alguma importância. Eu gostaria muito de deixar o legado da importância de se pensar em história. No dia que o brasileiro tiver isso na cabeça, o país vai ser muito melhor.